Basta acompanhar o noticiário para constatar que a rivalidade entre os aplicativos de mobilidade urbana e os taxistas está longe do fim. Casos de agressão e até de morte se transformaram em estatísticas de Norte a Sul do Brasil. A boa notícia – ao menos nas ruas de São Paulo – é a trégua proposta pelo maior app de transporte do País, com o lançamento do Uber Taxi, disponibilizado em São Paulo há pouco mais de uma semana. A novidade marca estratégia da Uber para ampliar a gama de serviços aos usuários e garantir rendimento aos cerca de 700 mil motoristas parceiros – além de 300 mil entregadores – em 500 cidades do Brasil durante a pandemia, após queda global de 80% no movimento na quarentena. “A inclusão de táxis faz parte da nossa estratégia de ampliar a plataforma para oferecer mais serviços aos usuários”, disse Claudia Woods, CEO da Uber no Brasil. “Esse era um pedido recorrente dos nossos clientes corporativos, que gostariam de usar esse serviço contando com ferramentas como o compartilhamento de viagens em tempo real e outros recursos de segurança do aplicativo.”

O atendimento oferecido pelos taxistas, via Uber, pode significar uma importante vantagem especialmente para os passageiros que buscam viagens mais rápidas. “Como os táxis são autorizados a andar na faixa de ônibus, alguns clientes revelam preferência por essa opção quando precisam acessar locais como a avenida Paulista (onde o tráfego é mais intenso e há muitos semáforos), por exemplo”, afirmou a executiva.

Os taxistas credenciados na prefeitura de São Paulo já podem baixar o aplicativo da Uber para parceiros e realizar o cadastro, no próprio celular. O preço segue a tabela dos taxistas, com base na legislação municipal. Ao término de cada viagem, o motorista precisa inserir no aplicativo o valor calculado pelo taxímetro para que seja feita a cobrança. Como o preço é calculado pelo taxímetro, o aplicativo exibe um intervalo estimado de valores, que podem mudar de acordo com as condições da viagem. Ou seja, em termos financeiros, para os usuários, não haverá mudanças, apenas a garantia de que irá contar com todos os recursos de segurança tradicionais (informações sobre o veículo, nome e foto do motorista), além de checagem do uso de máscara pelo condutor.

A preocupação da Uber com a qualidade e a ampliação do serviço faz sentido. O Brasil é o segundo maior mercado do aplicativo no mundo (atrás apenas dos Estados Unidos), responsável pelo faturamento de R$ 4,9 bilhões em 2019 e o transporte de cerca de 22 milhões de usuários. No entanto, o número de clientes ativos da plataforma no planeta teve redução de 55% no último trimestre em relação ao ano anterior, passando de 99 milhões para 55 milhões. A companhia registrou queda de 29% na receita de abril a junho, para US$ 2,2 bilhões, no auge da pandemia. No mesmo período, contabilizou um prejuízo de US$ 1,8 bilhão.

A perda no faturamento foi compensada parcialmente pelo aumento de 103% na receita com serviços de entrega, o Uber Eats, que chegou a US$ 1,2 bilhão. O crescimento apresentado pelo serviço, porém, não foi suficiente para equilibrar o jogo e impedir a demissão de um total de 6,7 mil funcionários, além do fechamento de 45 escritórios pelo mundo. A empresa não divulgou quantos funcionários foram dispensados no Brasil, mas negou a saída de motoristas e entregadores sob argumento de que “não são empregados e nem prestam serviço à companhia. São profissionais independentes que contratam a tecnologia oferecida pela Uber por meio dos aplicativos”, disse.

A posição da empresa é passível de discussão na Justiça brasileira. Em julho, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinou à companhia que reconheça os motoristas do aplicativo como prestadores de serviço formal. Em análise, a juíza do Trabalho substituta Raquel Marcos Simões declara que a empresa atua como empregadora, apesar de assumir o papel de intermediária. Assim, cabe à companhia garantir aos funcionários os benefícios previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, como, por exemplo, 13º salário, férias acrescidas de 1/3. Cabe recurso.

PARCERIA COM TAXISTAS A CEO da Uber, Claudia Woods, diz que a integração da classe à plataforma atende a pedidos dos clientes corporativos. (Crédito: Daniela Toviansky)

Na sentença, Raquel afirmou que a companhia opera e determina totalmente os detalhes da relação entre passageiros e motoristas, indo além do papel de intermediadora do contato entre clientes e motoristas parceiros. E considera, principalmente, que a Uber regula diretamente o serviço de transporte, determinando o tempo de espera pelo usuário, desenvolvendo o sistema de avaliação e encerrando o vínculo com os motoristas. Para a Uber, porém, existe jurisprudência, “mais de 500 decisões nesse sentido”, tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Tribunal Superior do Trabalho, confirmando que não há relação de emprego entre a empresa e os parceiros, apontando a inexistência dos requisitos onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação em relação à empresa.

Enquanto a briga segue nos tribunais, a Uber disse ter investido R$ 50 milhões no País em medidas de apoio aos motoristas e entregadores. Foram R$ 11 milhões para assistência aos parceiros diagnosticados com Covid-19 ou que tiverem isolamento recomendado por autoridade de saúde e R$ 8 milhões em reembolsos de máscaras e álcool em gel, além de ajuda a comunidades.

PORTFÓLIO A exemplo do Uber Taxi, outros serviços foram anunciados pela companhia para minimizar as perdas financeiras e evitar novas demissões. O Uber Promo oferece descontos em viagens solicitadas em horário com menor demanda, disponível apenas para a categoria UberX. Já o Uber Flash é uma nova modalidade de corrida que, solicitada pelo usuário, leva documentos e objetos ao destino. O serviço tem como objetivo também colaborar com o isolamento social. O Uber Pass pretende fidelizar os clientes ao reunir todos os serviços de intermediação digital que compõem a plataforma. Por R$ 24,99 ao mês, o assinante tem direito a entregas grátis em todos os pedidos da Uber Eats acima de R$ 30 e nas solicitações de Cornershop (serviço de supermercado) com valores superiores a R$ 100, além de 10% de desconto em todas as viagens de UberX. “Com essas iniciativas, a Uber avança rumo à missão de auxiliar os brasileiros não apenas a se movimentar usando carro, táxi, mas também para fazer compras de refeições, supermercado ou enviar pacotes, tudo pelo celular”, afirmou a CEO.

A executiva disse que o cenário não é muito claro para prever uma retomada no País, porque as pessoas voltam a fazer viagens à medida que as cidades retornam às atividades. “Olhando o que já vivenciamos em outros países podemos dizer que a economia local volta primeiro (como bares e restaurantes), enquanto as viagens corporativas (para escritórios ou aeroportos) demoram mais, mesmo após a quarentena.”

SOB AMEAÇA? Não bastasse a redução no movimento e, consequentemente, no faturamento, a líder de mercado tem como desafio também o aumento da concorrência. Pesquisa sobre o comércio móvel brasileiro realizada em 2020 com 1.532 internautas pelo site Panorama Mobile Time, em conjunto com a Opinion Box, mostra que a empresa norte-americana mantém a hegemonia no mercado nacional, mas vê a rival 99, pertencente ao grupo chinês Didi Chuxing, conquistar espaço. Em setembro de 2019, a Uber detinha 73% da preferência contra 22% da 99. As demais, 5%. Em abril deste ano, a norte-americana somava 70%, frente a 23% da asiática e 7% das demais empresas.