A Uber do Brasil foi condenada a indenizar um motorista do Distrito Federal que foi suspenso da plataforma por 33 dias após ter a conta clonada. A decisão é do juiz Reginaldo Garcia Machado, do 1º Juizado Especial Cível de Águas Claras. Flávio Oliveira, de 40 anos, relatou durante o processo que sua conta foi clonada em maio de 2021, após ele ter sido vítima de um golpe pelo aplicativo.

“Estranhei a chamada [de viagem] porque não tinha o nome da pessoa, mas como era dentro da plataforma eu confiei. Chegou uma mensagem que eu levaria uma pessoa de onde eu estava até a embaixada dos Estados Unidos e que o valor da corrida seria entre R$ 100 e R$ 200. Achei interessante porque às vezes a gente trabalha uma diária inteira para ganhar isso”, comenta Flávio em entrevista ao Estadão.

O golpe teria acontecido após o motorista receber um código via SMS que deveria ser inserido na plataforma. Ele conta que, após o envio da mensagem, a senha de acesso ao aplicativo e os dados bancários para recebimento de pagamentos foram alterados.

“No aplicativo apareceu que, por motivos de segurança, por ser uma pessoa da embaixada, eu deveria passar um código que tinha chegado no meu celular por SMS. Eu enviei esse código e automaticamente tomaram a minha conta na plataforma e trocaram o acesso de login. Chegou no meu e-mail que minha conta bancária tinha sido alterada e que meus dados, como e-mail e senha, também. Depois disso perdi totalmente o acesso”, conta.

Ao entrar em contato com a empresa de transporte, Flávio relata que foi orientado a fazer um boletim de ocorrência e abrir uma reclamação na plataforma da companhia, mas que isso não foi possível porque logo após o golpe sua conta já estava bloqueada.

“Entrei em contato com a Uber no mesmo momento. Fui informado que eu deveria fazer um B.O. e que deveria fazer a reclamação por outro lugar, que seria um “reclame aqui” dentro do aplicativo. Eu fiz o boletim, mas não tinha mais acesso ao aplicativo e então não tinha como reclamar. Chegou um e-mail dizendo que meu login tinha sido feito no Cairo, no Egito, e que minha conta tinha sido transferida para São Paulo. Depois disso começou o problema”, relata.

Flávio é formado em administração de empresas e trabalhava com fotografia, mas teve que buscar alternativas de renda por conta da baixa procura ao serviço na pandemia da covid-19. Ele afirma ter pago quase R$ 40 mil à vista no Renault Sandero 2017 que comprou com o intuito de trabalhar na plataforma de transporte. O condutor já está há cinco meses sem renda estável, desde que foi banido, e no momento do golpe trabalhava há cerca de três meses como motorista de aplicativo.

“Eu investi todo dinheiro que eu tinha para comprar um carro que tivesse dentro dos padrões estabelecidos por eles [a Uber] para ser um motorista parceiro. Vai fazer cinco meses que eu estou sem trabalho. Tenho duas filhas grandes e uma pequena de quatro anos que pago pensão alimentícia, que está dois meses atrasada. Estou tentando sempre me virar, fazendo bicos”, relata.

Marcelo Holanda, advogado do motorista, explica que a principal tese de defesa foi que ‘o banimento da plataforma aconteceu sem direito à ampla defesa e contraditório sob o argumento de que Flávio teria praticado condutas que vão contra os Termos de Uso da plataforma’. No processo, a defesa pediu que a Uber fosse condenada a reativar a conta do motorista e a indenizá-lo pelos danos sofridos.

Ao analisar o caso, o juiz concordou com a defesa e pontuou que a ré cometeu ato ilícito ao suspender, de forma unilateral, o contrato com o motorista sem permitir qualquer forma de defesa prévia. No caso, segundo o magistrado, a violação ao contrato impõe à Uber o dever de reparar os danos materiais e morais sofridos pelo autor.

“A atitude arbitrária da requerida (…) não pode ser considerada como mero dissabor ou aborrecimento cotidiano, pois além de impactar severamente a vida do requerente, que se viu, de modo repentino, sem os recursos financeiros advindos da sua remuneração como motorista do aplicativo, imprescindíveis para sua subsistência, trouxe ainda sensações de angústia, desamparo, desassossego e impotência, frente uma decisão unilateral da ré sem qualquer possibilidade de defesa”, afirmou na decisão.

O magistrado registrou ainda que, no caso, a empresa não garantiu ao motorista a segurança esperada no uso do aplicativo. O juiz lembrou que as provas mostram que a clonagem ocorreu a partir de ação de terceiro ocorrida no próprio aplicativo. Informações como nome, telefone e código de acesso foram solicitadas por meio de mensagens de texto do próprio sistema da Uber.

“Entendo que a parte ré não agiu com o seu dever de colaboração e segurança, uma vez que não garantiu ao parceiro contratual a segurança esperada na utilização de seu aplicativo para desenvolver sua atividade, nem permitiu o retorno do parceiro contratual sem que este tivesse qualquer culpa pelo incidente”, defendeu.

A Uber foi condenada ao pagamento de R$ 2 mil por danos morais e de R$ 3.300,00, referente ao que o motorista deixou de ganhar nos 33 dias em que ficou sem trabalhar em razão da suspensão indevida. A empresa terá ainda que pagar a quantia de R$ 412,80, que estava na conta do condutor na plataforma antes da fraude, e reativar o cadastro da vítima como motorista parceiro, sob pena de multa. A decisão cabe recurso da sentença.

COM A PALAVRA, A UBER

Na defesa, a Uber afirmou que não cometeu qualquer ato ilícito, uma vez que se trata de fraude cometida por terceiro e que restringiu o acesso à plataforma por meio de dispositivo suspeito como medida de segurança. A empresa defendeu ainda que não há dano a ser indenizado.

Procurada pela reportagem, a Uber decidiu não comentar a decisão.