Há um poderoso dilema pairando sobre o IPO da Uber, que acontecerá no próximo mês. Comprar uma ação significa apostar suas economias em uma empresa que faz receitas de US$ 21,5 mil a cada 60 segundos. Ao mesmo tempo, representa a aposta numa companhia que perdeu o equivalente a US$ 3,4 mil por minuto ao longo de 2018. A startup americana que mudou a definição a respeito de mobilidade no mundo fará a abertura de capital e a projeção é de que levante US$ 10 bilhões, o que será um dos 15 maiores IPOs da história — Alibaba, que fez US$ 21,8 bilhões em 2014, lidera o ranking.

De acordo com a história oficial da Uber, seus dois fundadores , Garrett Camp e Travis Kalanick, não conseguiam um táxi numa manhã de neve em dezembro de 2008, em Paris. Ali decidiram pensar um aplicativo, o UberCab, que seria lançado em São Francisco, EUA, quatro meses depois. De início, era para chamar carros de luxo. A primeira corrida foi feita em julho de 2009. Em dezembro de 2011, ao internacionalizar a operação e estrear em Paris, mudou o modo como pensamos a mobilidade.

O IPO da Uber contém esse componente inescapável. Uma empresa disruptiva de um lado, mas deficitária do outro. Espécie de Dr Jekyll e Mr Hyde da tecnologia. Seu faturamento anual foi de US$ 11,3 bilhões em 2018, 43% acima do ano anterior. Suas despesas, porém, somaram US$ 14,3 bilhões, 19% mais que em 2017. O prejuízo no ano passado bateu US$ 1,8 bilhão (a conta exclui outras despesas com aquisições e/ou vendas de ativos), bem abaixo dos US$ 4 bilhões de 2017. Receita ascendente com despesas e prejuízos descendentes são bom sinal. Mas não no curto prazo. Em carta a investidores, o CEO, Dana Khosrowshahi, não esconde isso. “Não vamos deixar de fazer sacrifícios financeiros de curto prazo quando vemos benefícios claros a longo prazo.”

O paradoxismo também se dá em terreno que envergonha a empresa. Por um lado, ela se tornou uma máquina de empregabilidade a pessoas de diferentes formações. Por outro, vive às voltas com casos de agressão sexual por parte de motoristas, relatos de assédio internamente, práticas de espionagem da concorrência e outros penduricalhos que culminaram, em 2017, com a saída de Kalanick do cargo de CEO.

Para adensar o cenário, a concorrência aumentou. Tanto a local (Lyft) quanto a global (Didi, que no Brasil opera como 99). Esta, aliás, é a maior no segmento, com 550 milhões de usuários e 30 milhões de corridas diárias — a Uber tem 75 milhões de usuários (22 milhões no Brasil, seu segundo maior mercado) e faz 15 milhões de corridas por dia. Concorrentes de peso exigem recursos contínuos. Além disso, os serviços são cada vez mais diversificados. Scooters, aluguel de bikes, carros autônomos, delivery de comida, tudo entra no radar. O que pede mais dinheiro.

Então, por que o IPO da Uber deve se tornar um dos maiores da história? Porque, entre outros motivos, estima-se que seu valor de mercado atinja US$ 100 bilhões. A Ford Motor Company vale um terço disso (US$ 37,1 bilhões), o que não deixa de ser irônico. Fundada em 1903, ela revolucionou a mobilidade ao introduzir, para a produção da série Ford T, a linha de montagem. Aí aparece uma startup 106 anos mais nova, que nem dá dinheiro, e é percebida como três vezes mais valiosa.