Depois de cerca de uma hora de estrada, a partir do aeroporto internacional da cidade portuguesa do Porto, passa-se por um portão de ferro, com detalhes retorcidos. Após mais alguns metros trafegando por uma estrada de pedregulhos, chega-se à sede da centenária Quinta do Crasto. Um charmoso sobrado branco, encarrapitado no alto de um morro, escorado por vinhas decanas e algumas seculares, recebe o turista que busca informações sobre a vinícola. Ali irá funcionar, a partir do ano que vem, um centro de enoturismo, com sala de degustação, loja de vinhos, restaurante com deque para as vinhas e uma estalagem de luxo, com apenas oito suítes. Esse é um projeto da família Roquette que irá demandar investimentos de cerca de € 4 milhões nos próximos dois anos. Mas qual a diferença para as outras opções de enoturismo na região? 

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Boa vida portuguesa: da piscina da Quinta do Crasto vê-se o Rio Douro.
Em destaque, prato com bacalhau do restaurante do Esporão, no Alentejo 

O hóspede irá desfrutar de uma verdadeira “wine experience”, já que poderá sentir-se como um dos membros da família Roquette, dona, há cerca de 100 anos, da propriedade de 130 hectares à beira do famoso rio Douro – berço da primeira região vinícola demarcada no mundo. Isso porque é na mesa localizada no avarandado da casa, do qual se contempla uma das curvas do rio, que Tomás, seu irmão Miguel, hoje os administradores da propriedade que data de 1615, e seus pais, Jorge e Leonor Roquette, recebem amigos e parentes com os quitutes e pratos que saem das panelas de dona Ilda, a cozinheira da família. No menu figuram camarões cozidos, alheira, sopa com batatas e folhas de nabo, cordeiro ou bacalhau assado. Tudo, claro, feito com produtos colhidos na propriedade, perfumado pelo frutado azeite da casa e embalado pelos vinhos da quinta, entre eles os renomados Maria Teresa e Vinha da Ponte, os mais caros da vinícola (cerca de R$ 600 no Brasil).   

Com a pousada de luxo em funcionamento, no segundo semestre de 2012, esse caseiro e aconchegante ritual estará liberado a quem pagar € 145 a diária (por casal). Se a hospedagem acontecer durante a vindima, entre agosto e setembro, o visitante poderá também ver a colheita, acompanhar a chegada da uva e parte do processo de transformação do fruto em vinho. E, ainda, terá direito à pisa nos lagares, uma tradição que as vinícolas do Douro mantêm com orgulho e que pode se traduzir numa experiência inesquecível e até refrescante, considerando as altas temperaturas da região durante o causticante verão português. O projeto de enoturismo da Quinta do Crasto é assinado pelo arquiteto português Eduardo Souto Moura, vencedor do Prêmio Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura. É dele também a piscina de borda infinita, que já refresca a família Roquete e brinda seus convidados com uma das vistas mais belas da região. 

 

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Wine Experience: em destaque, a pisa das uvas do vinho do Porto, no Crasto, atividade na qual o turista pode se aventurar.

A torre que data de 1490 e abriga um museu arqueológico, na Herdade do Esporão. Vinho também é história

 

Além das adequações e dos novos prédios, também será feita a ampliação da adega, que terá sua capacidade expandida para armazenar até um milhão de garrafas. “Queremos proporcionar não só uma experiência completa do mundo vinícola, com o incremento de nosso enoturismo, mas também adequar nossas instalações para melhor atender ao aumento da demanda com relação aos nossos vinhos”, diz Tomás, da quarta geração dos Roquettes a presidir a empresa. Segundo ele, o Brasil é um dos focos do negócio. “O País ultrapassou o Canadá e hoje é nosso principal mercado no exterior”, afirma o executivo. “Crescemos 100% na venda de vinhos para o Brasil, de 2009 para 2010, e a previsão para este ano é crescer mais 20%.” De acordo com Tomás, a crise portuguesa não o assusta.  “Exportamos cerca de 70% da nossa produção para 30 países”, afirma, quase aliviado. 

 

A ideia de incrementar o turismo na região também é uma maneira de driblar a crise, uma vez que ela, assombrando ou não, não tem impedido que europeus abastados, sul-americanos ainda empolgados com a variação cambial e os mais do que nunca animados chineses continuem a lotar os hotéis cinco-estrelas de Portugal – como a reportagem da DINHEIRO pôde constatar nessa viagem. “Até a experiência de andar pelas vinhas, no lombo do burro português, o de quatro patas, claro, iremos disponibilizar ao turistas”, diz o brincalhão Tomás, sobre os muares de Miranda, típicos da região. Essa característica de bem receber, aliás, parece contaminar a família Roquette. O outro braço do clã, chefiado pelo primo João, administra a Quinta das Murças, também no Douro, e a Herdade do Esporão, no interiorano Alentejo – propriedade de produção mais avolumada, com cerca de dez milhões de litros de vinho por ano –, e se prepara para lançar oficialmente seu empreendimento mais ousado ligado ao mundo vinícola, o Projeto Alqueva.

 

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Descanso vigiado: a adega da Quinta do Crasto abriga os 13 tipos de vinho da propriedade e tem temperatura controlada por computador   

 

Em Murças, a empresa vai recuperar as ruínas da antiga vinícola, que datam do século XIX, e transformá-las em um hotel de charme. Na propriedade do Alentejo, o projeto de enoturismo, já em funcionamento, revela aos curiosos as diferenças entre as duas regiões, nas quais a família se instalou. Além disso, a família faz questão de preservar seus achados na terra, como a mata e os animais nativos e um sítio arqueológico de cerca de cinco mil anos, descoberto quando foram preparar a terra para as vinhas. Em um passeio, feito em veículos 4×4, é possível absorver todo tipo de informação sobre a fauna e a flora do lugar, bem como sobre o terroir e a história da produção dos vinhos. A excursão termina no restaurante do Esporão, onde um substancioso almoço, preparado pela subchef Nídia Zorreta e estrelado por bacalhau e uma macia bochecha de vitelo, imprime fortes memórias. Ainda mais regadas a um bom vinho seco ou frutado alentejano. 

 

 

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Do cacho ao copo

 

Durante as visitas às vinhas, esteja o turista hospedado ou só visitando a Quinta do Crasto, na região do rio Douro, ou a Herdade do Esporão, no Alentejo, é possível conferir o processo pelo qual passam as mais de 40 variedades de uvas até chegarem às garrafas (se for época da colheita). Na primeira parada veem-se os trabalhadores com tesouras especiais retirando, delicadamente, os cachos das vinhas. Por conta do cuidado exigido pelos frutos, veem-se muitas mulheres nessa lida. As uvas chegam em caixas ao prédio onde o vinho será processado e passam por uma esteira, na qual são selecionados os melhores cachos e desprezados os que carregam bagos murchos ou machucados. 

 

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Um aparelho separa os frutos, que são acondicionados em grandes tonéis (geralmente de alumínio), resfriados conforme o tipo de vinho, tinto ou branco. Lá irão descansar, fermentar e passar por processos que revolvem polpa e casca, de maneira a extrair o máximo da cor e do sabor das uvas. Parte da produção, no caso do vinho do Porto, na Quinta do Crasto, e de vinhos reserva ou premium, no caso do Esporão, vai para os lagares (tanques de pedra) para ser pisada. Depois de retirada a casca, o sumo que sobra vai aos tonéis de carvalho para maturar. Assim nasce a bebida inventada por Baco, mas aperfeiçoada por portugueses, franceses, espanhóis, brasileiros…

 

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Delicadeza feminina: a seleção das uvas, que vão dar origem ao vinho, é feita basicamente por mulheres

 

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Um vinho pra chamar de seu

 

A barragem do Alqueva (foto abaixo), próxima a Reguengos de Monsaraz, no Alentejo, a 170 km de Lisboa, resultou numa paisagem de tirar o fôlego. Em meio a oliveiras e vinhas formou-se um grande lago, que despertou o interesse de empresários locais. O braço da família Roquette, dona da Herdade do Esporão, vai, em breve, iniciar a comercialização do projeto Roncão d’el Rei, com lotes à beira da represa que darão direito a usufruir de um clube de golfe com 18 buracos (dos quais nove acabaram de ficar prontos), marina, centro equestre e hotéis (entre eles um spa gerido pela Alila Hotels & Resorts, cadeia de Cingapura). Cada proprietário terá ainda direito a um vinho, produzido com uvas locais, e engarrafado com seu próprio nome. Segundo João Roquette, CEO da Herdade do Esporão, o vinho será elaborado pelo enólogo australiano David Baverstock. O empreendimento demandará investimentos de cerca de € 940 milhões, em 20 anos.   

 

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Enviada especial  a Portugal