Durante décadas, arqueólogos ficaram intrigados com um túmulo de 900 anos contendo os restos mortais de uma pessoa vestida com roupas de mulher e enterrada ao lado de uma espada. Após sua descoberta em 1968 em Suontaka Vesitorninmäki, na Finlândia, alguns pesquisadores sugeriram que a tumba pertencia a uma guerreira, enquanto outros argumentaram que originalmente continha um homem e uma mulher.

Agora, um estudo publicado em julho no jornal científico European Journal of Archaeology analisou o DNA do indivíduo e revela que o túmulo pertencia a uma pessoa que provavelmente não tinha gênero definido.

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Como mostra a revista americana Smithsonian, os restos mortais seriam de uma pessoa não binária, com cromossomos atípicos, o que significa que sua identidade de gênero não era masculina ou feminina.

A revista explica que essa condição é chamada síndrome de Klinefelter. Enquanto as meninas geralmente nascem com dois cromossomos X e os meninos com um X e um Y, os portadores dessa síndrome têm dois cromossomos X e um Y. Geralmente, as pessoas afetadas têm características físicas principalmente masculinas, mas podem apresentar baixos níveis de testosterona, testículos que não desceram e seios aumentados.

“Se as características da síndrome de Klinefelter tiverem sido evidentes na pessoa, podem ter dificultado o reconhecimento como mulher ou homem na comunidade do início da Idade Média [séculos V e XV]”, diz a arqueóloga Ulla Moilanen, da Universidade de Turku, na Finlândia, uma das autoras do estudo, citada pela Smithsonian.

Os cientistas não puderam confirmar se a pessoa que viveu há 900 anos tinha síndrome de Klinefelter, já que apenas uma pequena amostra do material genético pode ser lido. Mas os autores do estudo dizem que é muito provável.

Como mostra a revista americana, na Escandinávia do início da Idade Média a sociedade era extremamente patriarcal e machista. Homens não poderiam realizar funções femininas ou vestir roupas de mulheres. Mas algumas evidências sugerem que as pessoas que viviam fora do contexto binário de gênero, incluindo “especialistas em rituais” ou xamãs, mantinham seu próprio nicho social.

No caso do túmulo finlandês, segundo a Smithsonian, os bens encontrados eram de alta qualidade, refletindo uma boa condição social do morto.

“Mas também é possível que o indivíduo tenha sido aceito como pessoa não-binária porque já tinha uma posição distinta ou garantida na comunidade por outros motivos; por exemplo, por pertencer a uma família relativamente rica e bem relacionada”, afirmam os autores do estudo, citados pela revista.