O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, reuniu na quinta-feira, 23, os representantes de algumas das principais empresas de redes sociais no País para tratar da possibilidade de regular a suspensão dos pagamentos feitos pelas plataformas a produtores de conteúdos mentirosos. De acordo com um dos participantes da reunião, as big techs se mostraram colaborativas e estão cooperando com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na elaboração do modelo de regulação. Até o momento, porém, não há um projeto definido.

O objetivo oficial do encontro com as empresas YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook foi aprofundar os temas já discutidos em outro evento similar realizado no dia 19 de agosto, quando foi abordada a decisão do ministro Salomão de suspender os repasses financeiros das plataformas a canais propagadores de desinformação, no âmbito do inquérito administrativo aberto pelo TSE para apurar indícios de crimes eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.

A partir dessas conversas, a Corte estuda editar um ato normativo, ou resolução, que permita regular quais perfis e canais devem receber recursos das redes sociais. Outra opção em discussão é estimular que as plataformas criem mecanismos próprios de regulação no sentido de secar o faturamento financeiro de grupos interessados em interferir no debate público e nas questões eleitorais a partir da divulgação de notícias falsas.

Em conversa reservada com o Estadão, um ministro do TSE afirmou que a aproximação da corte com as redes sociais visa estudar meios de fixar novas regras sem que a proposta de regulação seja impositiva, ou “de cima para baixo”, nas palavras do magistrado. De acordo com o interlocutor dos ministros no tribunal, o intuito é chegar a um consenso sobre as formas de evitar que as notícias falsas interfiram nas eleições de 2022. A reunião de ontem teria sido positiva neste sentido.

A Polícia Federal (PF) e o vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet Branco, também participaram da reunião. A partir dos dados apresentados pelas plataformas, a PF vai elaborar em 15 dias um relatório detalhado dos dados financeiros de perfis propagadores de notícias falsas sob a mira do TSE. Além disso, os agentes federais vão tentar identificar a origem das publicações desinformativas.

Ao Estadão, um ministro afirmou que a tentativa de regular a distribuição de recursos financeiros das redes sociais por meio da Justiça Eleitoral não possui precedentes, o que faz com que a proposta não tenha subsídios nem a favor, nem contra os idealizadores. O objetivo é, portanto, buscar alternativas razoáveis antes que se inicie o acirramento dos discursos políticos no ano eleitoral.

A pauta da reunião de Salomão com as plataformas já é objeto de discussão entre outros ministros do TSE, que têm pensado em formas ainda mais amplas de regular a atividade das redes sociais, especialmente a questão dos pagamentos a provedores de conteúdos, também conhecidos como “monetização” das publicações.

Em entrevista à Associação Brasileira de Imprensa nesta quarta-feira, 22, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse que as plataformas devem adotar “autorregulação mínima para excluir ódio, incitação à violência e comportamentos gravemente anticientíficos”.

“O ódio, a mentira, a truculência, as teorias conspiratórias trazem engajamento mais do que o discurso racional e o discurso lógico de coisas plausíveis E como esses acessos são monetizados e a publicidade é em função da quantidade de acessos, eles acabam lucrando com o ódio e com a desinformação”, disse Barroso.

Fake news e liberdade de expressão

A tentativa do TSE de editar uma resolução para definir as circunstâncias em que devem ser bloqueados conteúdos falsamente informativos nas redes sociais divide estudiosos dedicados ao tema. Para Yasmin Cuzi, coordenadora de pesquisas sobre moderação de conteúdo online da FGV-Direito (Rio), a iniciativa da mais alta corte da Justiça Eleitoral “não foge do seu escopo de atuação porque é uma tentativa de dirimir potenciais ataques às eleições e inseguranças ao funcionamento da justiça eleitoral”.

“É interessante que a Justiça Eleitoral possa estabelecer portarias normativas pensando nas eleições do próximo ano e, ao meu ver, estão dentro das suas competências”, afirma. “Faz sentido a Justiça Eleitoral apontar quais canais devem ser desmonetizados, está dentro da competência deles, desde que esses canais já sejam alvos de investigação, seguindo todos os procedimentos judiciais”.

Iara Peixoto, advogada em causas ligadas ao direito digital, alerta que a tentativa do TSE de promover bloqueios de conteúdos nas redes sociais vai, invariavelmente, resvalar em discussões sobre liberdade de expressão. Segundo ela, as definições sobre o que deve ser considerado desinformação são subjetivas demais para um ato normativo do tribunal dar conta de responder satisfatoriamente.

“É interessante que exista uma regulamentação da forma como as pessoas monetizam as redes sociais, não só para fins de controle das fake news, mas para que haja controle de renda”, diz. “Tendo em vista que as redes sociais monetizam as pessoas que conseguem mais engajamento e que atingem mais usuários, elas acabam estimulando a monetização de conteúdos que são mais polêmicos. Isso cria a necessidade de regular esse comportamento, porém, isso sempre vai esbarrar na liberdade de expressão”, completa.

Diogo Rais, professor de direito eleitoral e digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é enfático ao dizer que uma resolução da Justiça Eleitoral não pode ser responsável por gerar novos direitos aos usuários e novos deveres às empresas de redes sociais. Embora reconheça a importância da desmonetização contra as fake news, ele afirma que a eventual tentativa do TSE de regular os bloqueios de repasses pelas plataformas pode ser alvo de contestação jurídica e parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

“A competência do Tribunal Superior Eleitoral de regular está ligada aos limites da legislação e da Constituição, o que acontece é que nós não temos uma previsão legal ou constitucional de desmonetização de canais e conteúdo”, afirma. “O dinheiro que as plataformas dão aos conteudistas é importante, mas não é o único. É necessário dizer que o esgotamento da atividade financeira de qualquer ação coordenada de fake news é maravilhoso, o difícil é como fazer isso sem esbarrar em tantos outros problemas”.

“Tratar com muita simplicidade uma situação tão complexa em que você tem uma dificuldade de definir o que é notícia falsa e supor que tudo que um canal público é fake news, por isso ele deve ser integralmente desmonetizado, talvez também fira a liberdade de exercício das atividades. A gente sai do campo do conteúdo e vai para o campo da pessoa”, completa

Inquérito administrativo contra Bolsonaro

Os repasses das redes sociais aos usuários é uma das principais frentes do inquérito administrativo comandado pelo ministro Salomão. Atualmente, as investigações estão concentradas em investigar as origens dos repasses, a fim de identificar se políticos e grupos privados estão usando as plataformas para fazer aportes em canais de desinformação. A apuração também tenta identificar as formas de utilização dos recursos pelos produtores de conteúdo.

No mês passado, o ministro Salomão determinou que as redes sociais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook suspendessem o dinheiro destinado aos conteúdos publicados pelas pessoas e páginas indiciadas na investigação. Os valores arrecadados estão concentrados em uma conta judicial.

Entre os perfis ligados à propagação de desinformação estão o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de seus filhos Carlos (Republicanos-RJ), Flávio (Patriota-RJ) e Eduardo (PSL-SP), assim como os de outros quatro deputados federais e influenciadores bolsonaristas.

A delegada da Polícia Federal (PF) Denise Dias Rosas foi a responsável por descrever a Salomão o modo como os investigados produzem e distribuem notícias falsas, com o intuito de manipular eleitores com conteúdo fantasioso para se beneficiarem politicamente, eleitoralmente e financeiramente.