Dias antes de assumir o comando da maior potência mundial, Donald Trump entrou em rota de colisão com a China, criou um mal estar com a chanceler alemã Angela Merkel e irritou o presidente francês François Hollande. Trump, ainda personagem de si mesmo, que se porta como um elefante em uma loja de porcelanas, disse que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) era obsoleta e que mais países deixariam a União Europeia a exemplo do Reino Unido. Mostrou seu desprezo pela globalização e intensificou os ataques às empresas que produzem fora dos Estados Unidos, sobretudo às que fabricam no México e na China.

Ao contrário do que muitos imaginavam, Trump não mudou seu comportamento desde que foi alçado ao posto de homem mais poderoso do mundo. E, ao que parece, o 45o presidente dos Estados Unidos não vai mudar. Diante de tantas incertezas, o certo é que ele já ocupa o Salão Oval da Casa Branca e tem tudo para chacoalhar a economia global, intensificando a onda de protecionismo e gerando uma guerra fiscal entre países. O principal alerta veio do Fundo Monetário Internacional (FMI), que divulgou um relatório apontando para um confronto comercial entre os Estados Unidos e a China.

Sinal dos tempos, um mundo que parece estar de ponta cabeça, foi justamente do presidente chinês Xi Jinping que veio um discurso a favor da globalização, em sintonia com o que o Ocidente sempre praticou. “A China manterá suas portas sempre abertas”, disse Jinping. “Os problemas que preocupam o mundo não são causados pela globalização.” Trump parece ignorar essa tese. Já implodiu a Parceria Transpacífico (TPP), o acordo de livre comércio negociado por Obama, e promete renegociar o Nafta.

Mais do que isso: o presidente americano passou a perseguir as empresas que produzem em outros países para depois vender nos Estados Unidos. Naturalmente amedrontadas, muitas delas começaram a rever suas políticas de investimentos para não terem seus produtos sobretaxados. A montadora Ford, por exemplo, desistiu de investir US$ 1,6 bilhão no México, a GM anunciou que investiria US$ 1 bilhão para garantir a permanência de mil empregos nos EUA e a coreana Hyundai declarou que destinaria US$ 3,1 bilhões para uma planta industrial no país.

Uma das poucas que peitou Trump foi a alemã BMW, que manteve o plano de aportar US$ 2,2 bilhões no México até 2019 e não se intimidou com a ameaça explícita. O presidente americano foi direto ao ponto. “Eu diria à BMW que, se estiver construindo uma fábrica no México e planeja vender carros para os Estados Unidos sem contar com um imposto de 35%, você pode esquecer isso.” No setor têxtil, o temor é equivalente. Cerca de 97% das roupas vendidas nos Estados Unidos são importadas e as grifes estão repensando seus modelos de produção.

O grupo de luxo LVMH, dono da Louis Vuitton e outras poderosas marcas, anunciou que pretende abrir uma fábrica no Texas, um sacrilégio em se tratando de um conglomerado que se orgulha de ser europeu. O ministro de Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, disse que o país está pronto para a batalha fiscal, caso seja necessário. Cabe ao Brasil aproveitar o embate entre as potências comerciais e repensar sua relação com os Estados Unidos. Até agora, Trump não deu sinais de que o País está na sua mira. E isso, acredite, é uma boa notícia.

(Editorial publicado na Edição 1002 da Revista Dinheiro)