Donald Trump não é famoso pela ponderação com que decide assuntos relevantes, nem pela maneira cuidadosa que comunica suas decisões, e, mais uma vez, pegou os mercados desprevenidos na tarde da quinta-feira 22. Em um evento na Casa Branca, ele anunciou que vai impor tarifas de importação de até 25% sobre produtos chineses vendidos aos Estados Unidos. A medida afeta US$ 60 bilhões em exportações da China. As declarações fizeram os mercados desabarem. O índice Dow Jones recuou 2,93%. O índice Standard and Poor’s de 500 ações caiu 2,52%, devido ao temor do impacto de uma guerra comercial sobre a economia americana.

Como sempre, Trump atirou antes de corrigir a pontaria. Ele orientou Robert E. Lighthizer, Representante de Comércio dos Estados Unidos, a anunciar, em 15 dias, alguns dos produtos que serão tarifados. Depois de um período de análise, a lista definitiva será publicada. Ao assinar o decreto, Trump disse que o alvo principal são produtos chineses que se beneficiaram de um “acesso impróprio” à tecnologia americana. Pelas contas presidenciais, as práticas comerciais chinesas – em especial a de comprar empresas americanas para ter acesso a tecnologia estratégica – foram desastrosas, tendo provocado o fechamento de 60 mil fábricas e a eliminação de seis milhões de postos de trabalho. O presidente acrescentou que essas práticas fizeram o déficit comercial americano com a China crescer para US$ 375 bilhões em 2017, o maior nível da história (observe o quadro abaixo). “De qualquer ângulo que se olhe, esse é o maior déficit de um país em toda a história do mundo, está fora de controle”, disse Trump. “A palavra que eu quero usar é reciprocidade; se eles nos cobram, nós cobramos deles.”

A cobrança chinesa veio em seguida. Cui Tiankai, o embaixador chinês nos EUA, postou um pouco diplomático vídeo no Facebook, deixando clara a posição de Pequim. “A China não quer uma guerra comercial, mas não tem medo dela”, disse ele. “Vamos lutar e retaliar. Se as pessoas querem jogar duro, vamos jogar duro, e veremos quem vai aguentar mais tempo.” Logo depois, o governo chinês anunciou a elevação de tarifas sobre alguns produtos americanos. Itens menos importantes na pauta de exportação, como frutas secas e vinho, estarão sujeitos a uma tarifa de 15%, ao passo que produtos de origem suína e alumínio reciclado vão pagar 25%. As ações de empresas americanas exportadoras para a China, como Boeing e Carterpillar, caíram na Bolsa de Nova York. Só a empresa aérea, amargou uma queda de 5% em seu valor de mercado.

As tarifas são a primeira etapa do que promete ser uma escalada de retaliações. O governo americano também estuda impor restrições à compra de empresas nos Estados Unidos por investidores chineses, espelhando uma prática comum do outro lado do Pacífico. Na China, comandada com mãos de ferro pelo presidente Xi Jinping, os investidores americanos só podem ter participações minoritárias em companhias locais. Mesmo assim, o acesso ao potencialmente imenso mercado chinês é milimetricamente controlado. Um bom exemplo é nas transações com cartões de crédito. As empresas americanas só puderam operar livremente quando as transferências de dinheiro via celular já eram onipresentes.

O processo não será fácil. As economias chinesa e americana são muito interdependentes, e reduzir a corrente de comércio fará muitas vítimas nos dois países. “Não há nenhum modo de impor essas tarifas sem prejudicar a economia americana”, diz Hun Quach, vice-presidente responsável por comércio internacional da Industry Leader Association, que representa as maiores varejistas americanas. “Não vamos nos enganar, essas tarifas estão sendo dirigidas à China, mas quem vai pagar a conta são os consumidores americanos, que vão pagar mais caro pelos produtos que compram todos os dias”, diz ela. A guerra que Trump prometeu declarar durante sua campanha presidencial está apenas começando.


Aço e alumínio do Brasil livres da tarifa extra

A semana foi de disse, não me disse em Brasília. O presidente Michel Temer afirmou durante o Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, o “Conselhão”, na quarta-feira 21, que os Estados Unidos iriam derrubar as tarifas que haviam sido impostas ao aço e ao alumínio no dia 1º de março. A confirmação veio no dia seguinte, quando Robert E. Lighthizer, Representante de Comércio dos Estados Unidos, disse no Congresso que as tarifas estariam suspensas por 30 dias para México e Canadá, parceiros dos Estados Unidos no Nafta, e também para a União Europeia, Coreia do Sul e Brasil.

Durante todo o mês de março, o Instituto Aço Brasil e empresários do setor pressionaram o governo brasileiro para pleitear, junto à administração Trump, uma isenção das taxas 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio. De acordo com os empresários, as siderúrgicas brasileiras vendem US$ 2,6 bilhões de aço para os Estados Unidos, sendo 81% peças semi-acabadas. “Conseguimos um waiver de 30 dias, mas o País continua as negociações com os EUA para exclusão permanente”, afirmou Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil. O Brasil conseguiu uma trégua, mas as armas para a guerra comercial continuam carregadas.