Numa avaliação póstuma do crash de 2008, o Nobel de economia Robert Schiller, um dos maiores especialistas no mercado imobiliário americano, associou o evento de colapsos financeiros à ocorrência de furacões. Não há como evitá-los, mas uma identificação precoce, somada a uma prevenção e resposta adequadas, pode diminuir os seus danos. Schiller foi uma das poucas vozes a alertar para as suspeitas de um superaquecimento das hipotecas antes do estouro da bolha. Com a devida ressalva de que um diagnóstico a posteriori é mais simples, o Nobel tenta afastar a teoria do cisne negro, de que os baques econômicos são totalmente imprevisíveis. Para ele, faltaram ferramentas mais eficazes para enxergar a tragédia. Muitos avanços surgiram após o colapso de então. O mundo está certamente mais preparado para avaliar o tamanho dos riscos. Nem por isso parece mais fácil responder perguntas naturais suscitadas pelo aniversário da crise. Quando ocorrerá o próximo evento? Será tão profundo?

Nouriel Roubini: “Por volta de 2020, há inúmeras razões para se acreditar no surgimento de uma recessão e uma nova crise”

A resposta começa pela avaliação das variáveis que culminaram na quebra do Lehman Brothers. Na raiz daquele episódio, estavam anos de desregulamentação financeira que permitiram a tomada excessiva de riscos e minaram a atuação das autoridades. “Os agentes acabaram investindo em ativos e dívidas nos quais acreditavam que havia pouco risco”, afirma o professor de economia da USP, Fernando Botelho. “Havia uma leniência generalizada. Todo mundo dormiu.” Como consequência, uma nova regulação bancária apertou os cintos do mercado de crédito, exigindo das instituições níveis mais restritos de capital mínimo para empréstimos, menor índices de alavancagem e uma fiscalização mais rigorosa, com frequentes testes de estresse. A pressão para reverter esses avanços, que causaram a redução de lucros aos bancos na última década, ganhou eco na administração do presidente Donald Trump e desponta como um dos principais riscos que poderiam levar a uma nova turbulência.

Trump promoveu diversas mudanças no ecossistema de regulação. A principal delas foi colocar nomes simpáticos aos bancos em cargos como a agência de proteção aos consumidores. Até agora, as bravatas foram apenas tópicas, mas a hipótese de uma mudança mais radical segue presente, como alertou recentemente o Fundo Monetário Internacional (FMI). O líder americano representa muitas das outras ameaças que pairam sobre a economia mundial. Entre elas, a causa de uma guerra comercial, sobretudo com a China, cujos efeitos poderiam impactar o crescimento americano, reduzindo o nível de comércio e acrescentando pressões inflacionárias que intensificariam a elevação dos juros. Uma freada brusca no PIB dos Estados Unidos, combinado a fatores como a fragilidades em emergentes, seria suficiente para uma recessão. “Por volta de 2020, há inúmeras razões para se acreditar no surgimento de uma recessão global e uma nova crise”, escreveu em artigo o guru econômico Noriel Roubini, ao analisar os dez anos do crash.

Xi Jinping, presidente da China: A guerra comercial entre os EUA e o país asiático pode causar uma nova crise de proporção mundial

As previsões mais catastróficas de Roubini o tornaram conhecido como o “Doutor Apocalipse”. Afora essa questão particular, há alertas de economistas por todo o mundo. Embora os preços nominais das casas já tenham superado os níveis pré-2008, o mercado imobiliário, fonte central do crash, não é uma frente de preocupação. Quando descontada a inflação, as residências ainda estão em valor menor do que o pico. Sob diversas óticas, os empréstimos seguem um ritmo mais saudável, como a relação entre o nível de comprometimento com as hipotecas no total da renda, hoje em 16%, ante os 24% no pico do aquecimento.

Em outra frente, o avanço do endividamento de governos e empresas entrou no radar das ameaças num momento em que as condições financeiras ficarão mais apertadas. O total das dívidas no mundo atingiu o recorde de US$ 247 trilhões, segundo o Instituto Internacional de Finanças (IIF, na sigla em inglês). Um olhar especial se volta para a China e a Itália, ambos com alto comprometimento. Por razões diferentes, quaisquer das duas economias poderiam gerar contágios importantes em outros mercados. Nesse sentido, os economistas chamam atenção para um problema adicional: a reduzida capacidade dos bancos centrais de reagirem com a mesma eficácia diante de um novo evento. Por enquanto, são apenas pontos de atenção. Muito importantes, como alertou Schiller, se consideradas a falta de visibilidade e a leniência de 2008.


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Os dez anos da crise global 2008 – 2018
A falência que mudou o mundo
O colapso das empresas
O bombeiro da crise
O enredo da tragédia