No final de 2016 dois assuntos eram recorrentes nas conversas entre banqueiros. Um: quem seria escolhido para suceder Roberto Egydio Setubal, que durante 22 anos havia presidido o Itaú Unibanco. Outro: a dificuldade que o escolhido enfrentaria, devido à comparação com seu antecessor. Setubal era uma unanimidade. Havia assumido o comando do segundo maior banco privado brasileiro em meados da década de 1990 e, em pouco mais de dez anos, o transformara em uma potência financeira global. A costura da fusão com o Unibanco, em 2008, criou a maior instituição financeira da América Latina.

No longo mandato de Setubal, o banco passou por várias metamorfoses até tornar-se um conglomerado. Controla a segunda maior empresa de adquirência do País, a Rede. É um dos líderes nas operações de atacado e de mercado de capitais e um dos maiores gestores de fundos. É o banco brasileiro mais internacionalizado: foi pioneiro ao comprar as operações latino-americanas do BankBoston, ainda em 2004, e mantém sua bandeira em diversos países da América Latina. Setubal era tão identificado com o cargo que o banco alterou os estatutos para que ele permanecesse mais tempo na função. Nascido em 1954, o banqueiro teria de ceder a vaga em 2014, ao completar 60 anos. No entanto, a idade limite foi ampliada para 62 anos, adiando a sucessão para 2016.

Nesse cenário, a escolha de Candido Botelho Bracher pareceu a alternativa mais óbvia. Bracher tem várias afinidades com Setubal, além da paixão pelo Santos Futebol Clube. É filho de banqueiro. Nos fim dos anos 1980, seu pai, o falecido Fernão Bracher, criou o mais bem-sucedido dos bancos de atacado brasileiros, o BBA, que seria adquirido pelo Itaú em 2002. Também é um executivo competente, que foi testado e aprovado. Realizou um trabalho inquestionável à frente do Itaú BBA. No entanto, além dos motivos visíveis como a tradição familiar e o bom desempenho operacional, o discreto Candido possuía outra vantagem ao assumir a cadeira antes ocupada por Setubal: a confiança dos acionistas controladores. Pela primeira vez desde os anos 1970, o comando estaria nas mãos de um executivo sem os sobrenomes Villela ou Setubal, as famílias fundadoras do Itaú, nem Moreira Salles, do Unibanco.

Essa não é uma questão trivial. O Itaú Unibanco é grande, lucrativo e bem gerido. Entrega rentabilidades elevadas aos seus acionistas todos os anos e tem conseguido superar sistematicamente os solavancos da economia brasileira, que não são poucos. Mesmo assim, gerir uma empresa grande, múltipla e com vários controladores requer tanto competência técnica quanto diplomacia e a capacidade de construir confiança, algo que Bracher sempre dispôs. À DINHEIRO, ele disse que seu principal legado foi “elevar a importância atribuída à qualidade da experiência dos clientes e à transformação digital do banco”. No entanto, quem conhece os meandros do conjunto de edifícios no Jabaquara, zona Sul de São Paulo, sabe que o executivo conseguiu outra realização de porte: preparou o banco para que o comando seja transferido, sem sobressaltos, para um executivo que, novamente, não pertence às famílias controladoras.

SUCESSÃO INTERNA Bracher completará 62 anos no dia 5 de dezembro e deve deixar o cargo em fevereiro, após uma transição de três meses — mais curta que os seis meses entre o anúncio de seu nome e sua posse na cadeira de Setubal. O prazo menor justifica-se porque o próximo presidente será alguém próximo. O nome será escolhido entre os integrantes do Comitê Executivo, grupo que assessora o presidente no dia-a-dia da instituição financeira. Milton Maluhy, o mais jovem, tem 44 anos e é vice-presidente de finanças. Márcio Schettini, o mais experiente, tem 56 anos e é diretor-geral de varejo. Os demais candidatos são o vice-presidente de tecnologia, André Sapoznik, de 48 anos, e o diretor-geral de atacado Caio Ibrahim David, de 52 anos. Todos são profissionais de carreira do Itaú, com pelo menos dez anos de banco, e já ocuparam pelo menos uma presidência ou diretoria-geral (observe o quadro ao lado). Algo raro em processos desse tipo, a bolsa de apostas não indica um candidato óbvio nem um azarão. A avaliação geral é que os quatro possuem características que os qualificam para o cargo.

O escolhido terá pela frente um dos momentos mais desafiadores enfrentados pelos bancos nos últimos anos. O cenário é comparável ao início dos anos 1990. Naquele momento houve um desafio duplo para os bancos. Após cinco tentativas frustradas de domar a inflação, o Plano Real criou uma moeda nacional confiável e dizimou a hiperinflação, que infernizava a vida dos cidadãos, mas que garantia resultados polpudos para os banqueiros. Sem os ganhos enormes, os bancos tiveram de reaprender a emprestar dinheiro e passar a controlar custos e a cobrar pelos serviços prestados. Não por acaso, nos três anos após o Plano Real, 20 dos 30 maiores bancos brasileiros foram vendidos ou fecharam as portas. “O baque para o Itaú só não foi maior porque já havíamos tido uma experiência oito anos antes, com o Plano Cruzado, em 1986”, diria Roberto Setubal vários anos depois, em 2003, enquanto ainda presidia o banco. “Pela primeira vez em sua história, o banco apresentou um prejuízo mensal, o que nos alertou que deveríamos nos preparar para tempos de inflação baixa”, disse ele na ocasião.

Roberto Setubal: trajetória de 22 anos na presidência criou o maior banco da América Latina. (Crédito:Masao Goto Filho)

Agora, o quadro é igualmente desafiador. A principal mudança é na tecnologia, que vem permitindo a popularização das plataformas de investimento. Até há poucos anos, quem tinha capital para aplicar precisava enfrentar as portas giratórias das agências bancárias ou submeter-se aos burocráticos trâmites das corretoras de valores. Hoje, tudo isso está nas telas dos telefones celulares. O número de investidores na B3 já superou três milhões de pessoas, e ainda há muito espaço para crescer. Assim, os bancos terão de melhorar o cardápio de investimentos que servem a seus clientes ou vê-los saciar sua fome de ganhos em outros endereços. Não por acaso, em 2017, já na gestão de Bracher, o Itaú fez um movimento defensivo adquirindo 40% do capital da plataforma de investimentos XP.

Outra parte do desafio é regulatório. A inflação está baixa há tempos e os bancos ainda têm auferido ganhos régios com a diferença entre o custo baixo de captação do dinheiro e os juros elevados cobrados dos tomadores de crédito, o velho spread bancário. Mas os bons resultados já não são tão garantidos. O Banco Central (BC) vem promovendo um aumento forçado na competição, com duas iniciativas. Uma é o open banking, que vai derrubar as barreiras erigidas pelos bancos para defender as informações sobre seus clientes. Outra é o Pix. Além de possibilitar a transferência instantânea de recursos, o novo sistema de identificação permitirá operações financeiras sem a necessidade de o cliente ser correntista de um banco. Isso permitirá, teoricamente, um acirramento da competição. Não será mais necessário recorrer aos bancos para transferir dinheiro ou fazer pagamentos, drenando uma fonte de receita do sistema financeiro. Essas mudanças merecem a única ressalva de Bracher. “É preciso haver simetria regulatória entre as instituições estabelecidas e os novos entrantes, e a implementação das mudanças deve ter como premissa a segurança das transações, o que implica tempo para a realização dos devidos testes”, disse ele.

Não faz sentido dizer que o novo ambiente tecnológico e regulatório vai dizimar os grandes bancos brasileiros. No entanto, em poucos anos eles serão organizações diferentes do que são hoje. Segundo Bracher, os processos de transformação digital, ganhos de eficiência e melhora da experiência dos clientes ainda não se encerraram. Mesmo assim, ele disse estar satisfeito com os resultados de sua passagem pela presidência do banco. Alguma queixa? “Não tenho frustrações. Porém, como brasileiro, lamento constatar que o Produto Interno Bruto do ano de minha saída será inferior ao que era quando assumi o cargo.”

ENTREVISTA
“Ainda há muito a fazer em termos de transformação digital”
Candido Bracher avalia seus quatro anos à frente do Itaú Unibanco

Gabriel Cabral

Qual o maior desafio a ser enfrentado pela economia brasileira nos próximos dois anos?
O principal desafio é retomar o controle sobre a trajetória da dívida pública, sem prejudicar a eficiência dos programas sociais nem aumentar a carga tributária de forma permanente. Isso vai requerer uma reavaliação da estrutura e da rigidez dos gastos públicos.

O ambiente para o sistema financeiro tem sido desafiador. Além dos juros baixos e da desaceleração da economia, há as mudanças definidas pelo Banco Central (BC), como o open banking e o Pix. Como o senhor vê a competitividade de longo prazo do Itaú nesse cenário?
Vejo um cenário de recuperação gradual da economia e de manutenção das taxas de juros em níveis baixos, o que é bom para o País, na medida em que traz benefícios para pessoas e empresas. Também vejo de forma positiva as iniciativas do BC, que tendem a beneficiar os clientes e a aumentar ainda mais a competição no setor. Aqui me permito fazer duas observações. Uma delas é que é preciso haver simetria regulatória entre as instituições estabelecidas e os novos entrantes. Outra é que a implementação das mudanças deve ter como premissa a segurança das transações, o que implica tempo para a realização dos devidos testes.

O aumento da competição é preocupante?
Nos últimos anos, já sentimos a intensificação da competição com a chegada das fintechs, e isso foi muito bom para o banco. Aprendemos com os novos concorrentes e nos motivamos ainda mais a trabalhar de forma centrada em nossos clientes, investindo em tecnologia, em pessoas e na busca contínua por eficiência. O Itaú Unibanco tem sido capaz de se transformar para continuar competitivo, e acredito que não será diferente no futuro.

Quais são os próximos desafios do banco?
Acredito que o banco tem dois desafios fundamentais pela frente: intensificar a sua digitalização, de modo a destacar-se cada vez mais pela qualidade de sua oferta integrada de produtos e serviços, e acentuar a busca incessante de crescimento. O Itaú Unibanco tem uma governança forte e clara, o que torna a gestão mais fácil e produtiva.

Aproxima-se o momento de sua sucessão. Como o senhor avalia sua presidência?
Deverei deixar minhas funções no início de fevereiro. Eu sabia desde o início que teria um mandato de quatro anos e, assim, pude planejar a minha gestão. Nesse período, o banco gradualmente se tornou mais centrado no cliente, planejou e iniciou um movimento importante de mudanças tecnológicas e aprofundou muito a busca contínua por eficiência. Houve também um movimento de aproximação e de valorização das pessoas e o empenho para capacitar o banco a estar em permanente transformação. Todos esses passos foram possíveis por contarmos com uma base extraordinária de resultados e de processos, construída sob a liderança do Roberto Setubal no seu longo período como presidente.

Qual o principal legado para o Itaú durante sua gestão?
Concentramos nossos esforços principalmente em elevar a importância atribuída à qualidade da experiência dos clientes e à transformação digital do banco, dois objetivos complementares. Fizemos avanços significativos em ambas as frentes, mas ainda há muito por fazer. Neste ano de crise estamos atuando de forma bastante intensa, o que permitiu ao Itaú Unibanco mostrar-se um cidadão corporativo responsável diante dos seus colaboradores, dos seus clientes e da sociedade. Aqui cito dois exemplos: a iniciativa Todos pela Saúde, que começou com uma doação do banco de R$ 1 bilhão, e o Programa Travessia, criado para ajudar nossos clientes, pessoas físicas e empresas, a atravessar este difícil momento de pandemia.

Houve alguma frustração?
Foram quatro anos de gestão conduzida de forma bastante colegiada com os demais cinco membros do Comitê Executivo, que participou intensamente da elaboração de toda essa estratégia e está plenamente capacitado a dar continuidade a ela e a ampliá-la. Guardarei sempre a melhor lembrança deste período. Não tenho frustrações. Porém, como brasileiro, lamento constatar que o Produto Interno Bruto do ano de minha saída será inferior ao que era quando assumi o cargo.