N o século passado, os Estados Unidos e a, então, União Soviética, travaram acirradas batalhas para estabelecer quem ditava as regras no jogo político e econômico mundial. Um desses embates envolveu a ambição das duas superpotências para saber quem deixaria primeiro suas pegadas na superfície da Lua. Quase cinquenta anos depois de os dois países alcançarem tal feito, uma nova corrida espacial está em vigor. À frente de empresas consagradas, os três postulantes dessa nova disputa são Jeff Bezos, fundador da gigante varejista Amazon; Elon Musk, que comanda a montadora americana Tesla; e Richard Branson, todo-poderoso da Virgin. Mais do que mostrar que são capazes de fazer o ser humano entrar em órbita, esses bilionários têm planos ousados para ganhar dinheiro com um negócio, literalmente, de outro planeta.

O passo mais recente nessa direção foi dado nesta semana pela Blue Origin, a empresa de exploração espacial de Bezos. Na quarta-feira 18, no Texas, a companhia decolou um foguete, alcançou órbita e depois pousou a aeronave com segurança na Terra. Chamado de New Shepard, ele é composto por duas partes que se separam após a nave atingir uma altitude de 100 mil metros do solo – dez vezes mais alto do que um voo em um avião convencional. A cápsula que se solta quando o foguete já está em órbita transporta seis passageiros em trajetos com altitude de até 110 mil metros acima do nível do mar. “Nós vamos fazer todos os testes possíveis antes de colocar um ser humano em uma nave”, disse Bezos, ainda em 2016. “Se você quer ser bom em voar para o espaço, você precisa praticar.”

O foguete de Bezos: o New Shepard Alcalça altitude de 110 mil metros. A Lua, porém, fica a 380 milhões de metros da Terra

Pode parecer pouco para uma empresa que quer chegar à Lua, já que o satélite natural está localizado a 380 milhões de metros da Terra. Mas é um passo (ou voo) importante. Principalmente porque a Blue Origin planeja iniciar suas missões de teste com humanos ainda neste ano. E, a partir de 2019, em uma operação comercial de fato, pretende começar a cobrar US$ 300 mil por um assento na nave que vai realizar viagens espaciais curtas, abertas para quem quiser ver as estrelas um pouco mais de perto. Contudo, fincar uma bandeira na superfície lunar ainda está longe de acontecer.

Por ora, os maiores desafios estão relacionados com a redução de custos de uma viagem e com a produção de um veículo espacial mais parrudo. Nesse ponto, Bezos espera que o foguete New Glenn, que já lhe custou US$ 2,5 bilhões, e que tem voo inaugural previsto para 2020, resolva o problema. “Esses empresários estão usando novos métodos e combinando-os com as tecnologias mais modernas para fazer o que antes parecia ser impossível”, diz Vivek Wadhwa, membro eminente da Singularity University e da Stanford University. Homem mais rico do mundo, dono de uma fortuna de US$ 151,8 bilhões, Bezos não poupa esforços, nem dinheiro, para levar os terráqueos à Lua.

A Blue Origin sobrevive graças aos investimentos feitos pelo próprio fundador da Amazon. Em abril do ano passado, o empresário anunciou que seu plano de negócios para a companhia aeroespacial envolvia “vender cerca de US$ 1 bilhão em ações da gigante do varejo a cada ano”. Se fizesse isso hoje, precisaria liquidar pouco mais de 540 mil ações das 78,8 milhões de ações que detém na varejista, avaliada em US$ 900 bilhões. “Ele tem mais dinheiro do que poderia gastar em 100 vidas inteiras”, diz Wadhwa. “O que mais ele poderia fazer com essa fortuna?” A resposta existe: transformar o satélite natural em uma espécie de zona industrial da Terra. “As grandes indústrias terão que sair desse planeta”, disse Bezos durante um evento da Blue Origin no fim de maio ao explicar que o mundo seria melhor caso a produção industrial acontecesse a milhares de quilômetros de distância de “casa”. Esse plano mais ousado, porém, não tem qualquer previsão para começar a sair do papel.

Nave modular: depois de atingir órbita, o foguete Falcon Heavy se separa de uma cápsula que abriga os passageiros espaciais (Crédito:Tim Peake / ESA/NASA via Getty Images)

Se chegar à Lua parece uma missão digna de filmes de ficção-científica, colonizar Marte é algo que parece um desafio até mesmo no cinema. Mas fazer coisas dignas de filme parece ser um hobby para Elon Musk, que acumula fortuna de US$ 20,2 bilhões. Em fevereiro, o chefão da montadora Tesla e da empresa espacial SpaceX enviou um carro ao espaço no Falcon Heavy, o maior foguete já produzido desde o Saturn V, que levou a nave Apollo para a superfície lunar. Fundada em 2002 e com avaliação privada estimada em US$ 27 bilhões, a SpaceX planeja instalar a primeira “colônia” no Planeta Vermelho em 2024. “Nosso plano é tornar Marte um bom lugar para se viver”, disse Musk, em setembro do ano passado, durante um evento na Austrália.

A estratégia de Musk para concretizar a empreitada terá início já em 2019, quando o foguete Big F*cking Rocket irá realizar voos de teste na órbita terrestre. Em 2022, a aeronave deve iniciar seu trajeto até o planeta vizinho, levando na bagagem equipamentos para a análise da agricultura marciana. “Eu não espero resultados práticos dessas incursões”, diz Roger Kay, analista da consultoria americana Endpoint. “Acho pouco provável que esses esforços vão resultar na colonização de Marte, por exemplo.” Se tudo correr como o planejado, a previsão de Musk é que até 1 milhão de pessoas possam viver na colônia em Marte. Para levá-las até lá, o empresário prevê que as viagens interplanetárias custarão US$ 6 milhões por missão – o que certamente lhe renderá mais do que alguns bons trocados caso ele deseje cobrar centenas de milhares de dólares por um lugar em seu foguete de nome mal-educado.

Conforto caro: as viagens espaciais da Virgin Galactic vão custar a partir de US$ 250 mil por pessoa (Crédito:Daniel Berehulak/Getty Images)

O menos badalado do trio de aspirantes a mochileiros das galáxias é Richard Branson. Segundo a revista americana Forbes, o fundador da Virgin Group, que reúne companhias aéreas e ferroviárias, uma operadora móvel e empresas de mídia, tem patrimônio de US$ 5 bilhões. Para aumentar a cifra, a aposta é no turismo espacial. “Estamos a dois ou três voos de levar pessoas ao espaço”, disse Branson, em maio, para a emissora americana CNBC. A ocasião marcava o segundo lançamento de um foguete da Virgin Galactic, o braço interestelar da companhia, desde o acidente com a nave Enterprise, em outubro de 2014, que explodiu após separar seus módulos e causou a morte do copiloto Michael Alsbury. “Depois de deixar as naves seguras, vamos começar a levar alguns astronautas.”

Ao contrário de seus concorrentes, o plano de Branson é menos ousado. Isso porque seu negócio não consiste, ao menos inicialmente, em explorar outros planetas. É mais simples: cobrar tíquetes de US$ 250 mil, por pessoa, por uma volta em sua nave. O empresário anunciou no começo do mês que vai construir uma estação espacial na Itália, que servirá como uma espécie de base para suas naves. Apesar do preço alto, a Virgin garante que já tem mais de 700 pessoas interessadas na viagem. “Com o passar dos anos, o preço vai cair e mais pessoas poderão ir”, disse o empresário. Por esse motivo, ele não enxerga a Blue Origin, de Bezos, como uma rival. “As duas empresas precisam dar certo.” Branson pode até negar, mas sabe que a largada de uma nova corrida espacial foi dada.