Três agências da ONU pedem uma “reorientação” do apoio público à agricultura, quase 90% do qual tem efeitos ambientais ou sociais “prejudiciais” – conforme relatório publicado nesta terça-feira (14).

Intitulado “Uma oportunidade multibilionária” e realizado pela FAO (agricultura e alimentos), pelo PNUD (desenvolvimento) e pelo PNUMA (meio ambiente), o relatório visa a despertar uma “tomada de consciência” de governos do mundo inteiro, a poucos dias da Cúpula Mundial de Sistemas Alimentares organizada pela ONU, em 23 de setembro, em Nova York.

De acordo com este relatório, o apoio aos agricultores em todo mundo totaliza US$ 540 bilhões por ano. Desse montante, cerca de US$ 470 bilhões – ou 87% – geram “distorções de preços e são prejudiciais para o meio ambiente e socialmente”.

O texto menciona, em particular, o apoio de preços (US$ 294 bilhões por ano) por meio de tarifas alfandegárias, subsídios à exportação e cotas de importação.

“Isso gera distorções de preços” e distorce a concorrência, afirma Marco Sanchez, economista da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e um dos autores do relatório, entrevistado pela AFP.

“Isso prejudica a eficiência!”, alega.

– Tomada de consciência –

Os auxílios aos agricultores previstos nos orçamentos de cada governo, que chegam a US$ 245 bilhões por ano, podem, por sua vez, ter “um impacto negativo no meio ambiente”, quando associados a uma determinada produção, ou insumo, destaca o economista.

Isso pode levar ao “uso massivo de produtos químicos, ao esgotamento dos recursos naturais e ao desenvolvimento da monocultura”, explica Sanchez.

Esses auxílios também pode prejudicar o equilíbrio nutricional das populações, ao promover o consumo de alimentos básicos (açúcar, etc.) em detrimento de frutas e vegetais, defende.

Apenas os US$ 110 bilhões em gastos que beneficiam coletivamente o setor na forma de serviços gerais (infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, etc.) são considerados verdadeiramente virtuosos pelos autores do relatório.

O objetivo do trabalho é despertar “uma consciência dos governos em todo mundo”, disse o diretor-geral da FAO, Qu Dongyu.

Os países devem “repensar os regimes de apoio à agricultura para torná-los capazes de transformar nossos sistemas agroalimentares”, com vistas a quatro objetivos: “uma melhor nutrição, uma melhor produção, um meio ambiente melhor e uma vida melhor”, acrescenta.

As três agências das Nações Unidas defendem uma abordagem em seis etapas para conseguir uma reforma gradual desses apoios.

A reorientação das ajudas terá de ser feita de forma “transparente”, baseada “em provas” e adaptada à situação dos vários países, sublinha o relatório.

Ao mudar para apoios agrícolas “mais ecológicos, equitativos e eficientes”, podemos melhorar os meios de subsistência, ao mesmo tempo em que reduzimos as emissões de poluentes, protegemos os ecossistemas e reduzimos o uso de agroquímicos, estima a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen.

O apoio público à agricultura é objeto de críticas recorrentes. Em um relatório divulgado em junho, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lamentou seu direcionamento prejudicial. A instituição defendeu mais ênfase na inovação para aumentar a produtividade e respeitar o meio ambiente.

“Mas esta é a primeira vez, nos últimos tempos, que três agências da ONU transmitem esta mensagem a uma só voz, com evidências detalhadas e novos dados”, frisou Marco Sanchez.

Ele disse esperar que a abordagem em seis etapas proposta para redirecionar esse apoio “seja adotada por alguns países”.

“De modo geral, a realocação dos apoios à agricultura é uma oportunidade única para transformar os sistemas alimentares, mas não acontecerá sem um forte apoio dos governos e sem ações urgentes nos próximos eventos internacionais”, começando com a Cúpula sobre Sistemas Alimentares, completou.