Exaustos de viverem no meio de combates, os moradores de Trípoli receberam o anúncio de cessar-fogo com sentimentos contraditórios, entre o alívio e o medo, antecipando que esta “nova esperança” não vai durar muito.

A trégua entre o Governo de Unidade Nacional (GNA), com sede em Trípoli e reconhecido pela ONU, e as forças do marechal Khalifa Haftar, homem forte do leste do país, “é bem-vinda, claro”, comenta Mayssa Barkate.

“Mas, a que preço? Tantas vidas perdidas para nada”, lamenta, atrás do caixa de sua loja, esta farmacêutica da capital líbia.

“Não acredito que quem perdeu um filho, um pai, um irmão, ou um marido, vai dizer simplesmente: ‘bom, isso terminado, passemos para outra coisa'”, acrescentou, cética.

Desde abril, o sul de Trípoli foi palco de combates entre os dois poderes rivais, em consequência de uma ofensiva das tropas pró-Haftar, que tentavam conquistar a capital, com dois milhões de habitantes.

Mais de 280 civis foram mortos desde então, assim como mais de 2.000 combatentes, segundo a ONU. Além disso, os confrontos forçaram cerca de 150.000 líbios a deixarem suas casas.

No domingo à noite, Fayez al-Sarraj, chefe do GNA, reconhecido pela comunidade internacional, pediu aos líbios que “virem a página”.

Nesta segunda, Al-Sarraj e Haftar devem assinar em Moscou o cessar-fogo promovido por Rússia e Turquia, de forma oficial.

– Alívio –

“Embora saibamos que isso é apenas o início de um longo processo para alcançar uma espécie de acordo duradouro, pelo menos é uma nova esperança”, disse Karima al-Badri, uma banqueira de Trípoli.

Como ela, muitos moradores da capital temem uma guerra sem fim e um “cenário à la Síria”. De qualquer modo, completa Karima, esta notícia do cessar-fogo é “um suspiro de alívio”.

O primeiro dia, um domingo marcado pela violência e pelas acusações mútuas de violação da trégua, já expôs, porém, a fragilidade do acordo.

Fatima al Taher, professora na Universidade de Trípoli, também não está convencida de que algo vá mudar.

“Tenho sentimentos contraditórios, porque não acho que o cessar-fogo vá durar”, diz a professora.

Já no controle do leste e de grande parte do sul do país e acusado pelos rivais de querer instaurar um regime militar, Haftar busca estender sua influência para região oeste. Esta última se encontra nas mãos dos apoios do GNA, chamados pelo marechal de “milícias terroristas”.

Em sua ofensiva, Haftar garantiu que quer garantir um divisão “igualitária” da receita deste país rico em petróleo.

Segundo Fatima, contudo, “Khalifa Haftar fez promessas demais para renunciar agora. Não vai parar, a menos que tenha uma parte do poder”.

– “Estamos cansados!” –

Salem al-Haddar teve de deixar sua casa, quando os combates explodiram em seu bairro, Al-Swani, em abril.

“Esperamos […] uma solução política rápida que ponha fim à crise e que nos deixe voltar para casa em paz. Estamos cansados!”, reclama Al-Haddar, pai de cinco filhos.

Na expectativa de dias melhores, Salem divide com um amigo uma casa de dois andares em Enjila, perto de Khanzur, onde centenas de famílias deslocadas encontraram abrigo.

Já Mahmud al-Keheli fugiu em junho de sua casa em Ain Zara, outro bairro da periferia sul, à medida que os confrontos se aproximavam. Instalou-se, com a mulher e o filho de dois anos, na casa do irmão, em Tajura, leste de Trípoli.

Ele duvida que possa, tão cedo, voltar de forma definitiva para casa, mas espera aproveitar a trégua para pegar seus objetos e ir embora mais uma vez.

“Os combates podem ser retomados a qualquer momento”, avisa.

Assim como outros moradores, Mahmud afirma que ambos os lados aceitaram a trégua por simples oportunismo. “Vão reorganizar suas forças e recomeçar com mais vigor”, antecipa.