Há duas maneiras de analisar a sucessão no Bradesco, concluída na segunda-feira 5. A indicação de Octavio de Lazari Junior para a presidência executiva, em substituição a Luiz Carlos Trabuco Cappi, pode ser vista como uma total continuidade. Não fossem as diferenças futebolísticas – Trabuco é um discretíssimo torcedor do Marília Atlético Clube e Lazari jogou nas categorias de base da gloriosa Sociedade Esportiva Palmeiras –, o novo presidente poderia ser considerado um irmão mais jovem de seu antecessor. Como Trabuco, Lazari começou no banco na adolescência e construiu toda a sua carreira no Bradesco. Como Trabuco, seu último cargo antes da grande promoção foi o comando da Bradesco Seguros, considerada a menina dos olhos do atual presidente, que deixará o cargo no dia 12 de março.

No entanto, a transição na cúpula do segundo maior banco privado do Brasil e o maior em número de clientes também pode ser encarada como uma renovação, sem ruptura, da maneira de fazer as coisas no banco fundado em 1943 pelo mítico Amador Aguiar. Lazari é claro a respeito disso. “Minha obrigação, meu compromisso, não é nem dar continuidade ao legado do seu Aguiar, do seu Brandão, do seu Trabuco, mas renovar esse espírito de legado, esse espírito de crescimento e de liderança dos meus antecessores”, disse ele à DINHEIRO (leia a íntegra da entrevista aqui). E, para renovar, é preciso alguém que conheça a fundo a cultura da organização, um dos mais fortes pilares do banco. “A decisão reforça nossa política de carreira fechada, que vem dando resultados excelentes”, afirmou Brandão, ao conversar com a imprensa, na segunda-feira 5.

Lazari começou a trabalhar na agência 55, no bairro da Lapa, em São Paulo, aos 15 anos, ainda em 1978. Seu pai, gerente de uma imobiliária da região, estava preocupado com o futuro do filho, então um aspirante a meio-campista do vizinho Palmeiras. Por meio de um amigo, gerente da agência, ele conseguiu que o filho começasse como contínuo. Ao longo de quatro décadas, Lazari passou por todas as posições. Chegou a gerente de agência, depois a gerente regional, e em 2012 alcançou a diretoria executiva.

O futuro já começou: o Habitat, sede da InovaBra, foi inaugurado em São Paulo na quarta-feira 7 e deve abrigar 1.500 empreendedores tecnológicos (Crédito:Egberto Nogueira)

A capacidade de motivar os subordinados e entregar resultados valeu-lhe a vice-presidência executiva, de onde têm sido pinçados os presidentes. Antes de assumir a seguradora, Lazari cuidou do crédito e do varejo, absolutamente vitais para o banco. O novo presidente também chefiou a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário (Abecip) por dois anos, o que lhe garantiu um traquejo extra com os bizantinos meandros regulatórios. “A escolha dele foi lógica, seu nome sempre esteve no radar”, diz Trabuco, comentando a decisão. “Ele consegue liderar por consenso e obter resultados excepcionais, em linha com a nossa cultura.”

O mercado gostou. No dia da indicação, as ações do Bradesco subiram 2,3%. Candido Bracher, presidente e CEO do arquirrival Itaú Unibanco, elogiou a indicação. “Tenho um grande respeito pela cultura do Bradesco, meu pai [Fernão Bracher] foi vice-presidente do banco e eu trabalhei durante 15 anos com o executivo Antonio Beltran Martinez, que fez sua carreira lá”, disse ele. “A sucessão mostra que o Bradesco se mantém firme na sua trajetória de valorizar os executivos de carreira”, diz Candido Bracher. Os analistas do setor financeiro também aprovaram. “Lazari deve usar sua experiência como gestor para melhorar a integração dos setores do banco”, diz Glauco Legat, da corretora Spinelli.

A indicação coincidiu, também, com um movimento para rejuvenescer o primeiro escalão do banco e seu Conselho de Administração. Além de Lazari, quatro dos sete vice-presidentes atuais vão ocupar assentos no Conselho de Administração. Os promovidos são Josué Pancini, hoje a cargo da rede e do segmento Prime; Domingos Abreu, responsável pela tesouraria e pelo crédito; Alexandre Glüher, à frente do risco e das relações com investidores; e Maurício Machado de Minas, o homem da tecnologia. Também considerados candidatos à sucessão de Trabuco, os quatro novos conselheiros foram valorizados, ganharam assento na cúpula decisória e podem até continuar na diretoria executiva. Eles têm idades entre 57 e 59 anos.

São, portanto, mais jovens que os seis conselheiros atuais – Trabuco entre eles – cuja idade média é de 66 anos. “Vamos aproveitar o fato de que a legislação e o estatuto do banco autorizam que até um terço dos conselheiros ocupe cargos executivos, o que significa que três deles poderão acumular funções”, diz Trabuco. Não é um fato trivial. No Bradesco, o Conselho de Administração, que até outubro do ano passado foi presidido por Lázaro de Mello Brandão, é muito mais do que um órgão de representação dos acionistas, como ocorre na maioria das empresas. No Bradesco, os conselheiros arregaçam as mangas e participam diretamente das decisões. Por isso a renovação é algo tão importante. Também houve promoções na diretoria (veja quadro abaixo).

Esse movimento é considerado estratégico para fazer frente às novas exigências do mercado. Amador Aguiar fundou o Bradesco para atender a todos. “Somos o banco da Sadia, da padaria e da dona Maria”, costumava dizer, referindo-se à empresa antecessora da BR Foods. Nas primeiras décadas, isso significava muitas agências, a maioria delas de grandes proporções, com mil ou dois mil metros quadrados cada. “O seu Aguiar tinha uma estratégia clara quando ele ia começar a atuar em uma nova cidade: ele comprava um terreno enorme em frente à Prefeitura, e de preferência ao lado da principal loja de varejo, e construía um prédio que era impossível de não ser notado”, disse Lazari, em uma entrevista exclusiva à DINHEIRO em janeiro.

Hoje, com mais de 80% das transações realizadas pela internet e pelo telefone celular, o tamanho das agências perdeu importância estratégica. “O novo modelo de negócios exige que tornemos os canais digitais mais robustos”, diz Maurício Machado de Minas, o vice-presidente encarregado da tecnologia. Segundo ele, os novos clientes são nativos digitais, hiperconectados, e menos fiéis a produtos e a marcas. “Eles estão menos ligados a produtos e mais ligados a jornadas, experiências e momentos de vida, então temos de oferecer uma plataforma que proporcione isso”, diz Minas, em discurso afinado com Lazari e Trabuco.

Conselho renovado: os novos conselheiros, como Josué Augusto Pancini, têm idades entre 57 e 59 anos e podem manter funções na diretoria executiva (Crédito:Silvia Costanti / Valor / Agência O Globo)

Há três meses, o banco colocou no ar a plataforma Next. Nela, o cliente também pode chamar um carro via Uber ou alugar uma acomodação pelo Airbnb. Essa nova maneira de fazer as coisas levou o banco a repensar até mesmo alguns de seus princípios mais elementares. “Na atividade bancária tradicional, a valoração de um negócio é avaliada com os cálculos de perdas e ganhos, mas, no mundo digital, os indicadores são baseados na capacidade de atrair e reter clientes”, diz Minas. Um banco que decide sem os cálculos tradicionais representa uma ruptura profunda com a maneira tradicional de fazer as coisas.

A promoção de Lazari, um adepto das novas tecnologias, indica que o Bradesco quer avançar e continuará investindo pesado em tecnologia, como faz há 75 anos. Mas sem perder o foco nos clientes atuais, que trazem resultado. “Temos de atender clientes de várias gerações: baby boomers, geração X, geração Y e millenials”, diz ele. À frente da seguradora, ele promoveu a implantação do aplicativo “Dirija melhor” nos celulares de 250 mil dos 1,6 milhão de segurados automotivos. O app diferencia os motoristas que trafegam de maneira segura e oferecem menor risco daqueles que abusam das acelerações e freadas e são candidatos mais prováveis a acionar o seguro. Essa ferramenta permite uma formação de preços mais apurada. Exemplos como esse devem se multiplicar pela organização. Não por acaso, dois dias após anunciar o novo presidente, o banco inaugurou o Habitat em sua incubadora InovaBra, em São Paulo, para atrair startups e facilitar o diálogo com os fornecedores de tecnologia. A meta é ganhar agilidade na inovação. O banco conseguiu reduzir o período de homologação de produtos de 210 dias para apenas 30.

Essa será a chave para a continuidade do crescimento do Bradesco. Segundo dados do Banco Central (BC), o bancão de Osasco pode não ser o maior em ativos, mas é o líder em clientes, com 44,5 milhões, inclusive correntistas, ou 24% do total, segundo dados de setembro de 2017. Também é o líder em operações contratadas: naquela data eram 143 milhões, 27% dos 520 milhões registrados no BC. “O Bradesco tem a maior penetração entre os clientes de baixa renda e as pequenas e médias empresas”, diz o economista Roberto Luis Troster, especialista em bancos. “Os valores individuais são menores, mas as margens de lucro são maiores, e essa estratégia garante um potencial de crescimento maior”, diz ele. Com Lazari à frente do time executivo, o jeito Bradesco de ser vai dar o tom do futuro na organização.