Exatos três anos, 272 mortos e um dano ambiental incalculável depois, a tragédia causada pelo rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), segue sem punição e sem fiscalização adequada. Um dossiê divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na semana passada mostra que 18 das 31 estruturas de mineração em Minas Gerais precisam de medidas emergenciais.

A urgência é em decorrências do grande volume chuvas no início deste ano. Em 8 de janeiro, um dique da mina Pau Branco, em Nova Lima (MG), que pertence à mineradora francesa Vallourec, ficou interditada por quase dois dias. Mesmo sem ruptura ou mortes, a empresa foi multada pelo governo mineiro em R$ 288 milhões.

+ Chuvas colocam barragens em alerta, 3 anos após ruptura em Brumadinho
+ Processo criminal da tragédia em Brumadinho pode voltar à estaca zero

Um dia depois, em 9 de janeiro, a população de Pará de Minas (MG) foi orientada a deixar suas casas diante do risco de rompimento da barragem de água. Em Congonhas (MG), a Companhia Siderúrgia Nacional (CSN) suspendeu as atividades diante do aumento das chuvas, o que foi seguido em diversas barragens.

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as empresas do setor, disse que as paralisações eram temporárias e visavam à redução de riscos. “O Ibram estima que não haverá reflexos na variação do preço dos minérios e na oferta. Todas as estruturas estão sendo monitoradas 24h ao dia”, informou, por nota, a entidade.

Contudo, a Agência Nacional de Mineração (ANM) indica que o governo federal mantém apenas 14 servidores para fiscalizar as 350 barragens de mineração em 58 cidades de Minas Gerais. Em 2020, segundo publicado pelo UOL, apenas 133 barragens foram vistoriadas, o que representa 38%.

Em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tema em 2019, o então chefe da Divisão de Segurança de Barragens da ANM em Minas Gerais, Wagner Araújo, denunciou a falta de recursos à fiscalização. Ele disse que a ANM estava “à beira de um colapso”.

De acordo com o livro “Brumadinho – a engenharia de um crime” (editora Letramento), a Vale sabia dos riscos em Brumadinho, mas evitou adotar medidas de segurança para não paralisar a produção e interromper ganhos.

Processo judicial pode ter de recomeçar

Enquanto o MPMG busca manter o julgamento em âmbito estadual, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão de julgar o caso em nível federal por considerar que a Justiça estadual não tem competência de análise.

A federalização do processo ainda será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, caso se confirme, os atos processuais realizados serão anulados, e o processo recomeçará do zero.

“O crime aconteceu aqui em terras mineiras e não há motivo para a federalização do processo. Os responsáveis por esse crime odioso querem escolher quem vai julgá-los e isso é inaceitável. Não cabe ao réu escolher o foro de seu julgamento”, afirma texto publicado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum), que realizou uma manifestação nesta terça-feira (25) em memória dos que morreram na tragédia.

A Justiça estadual havia aceitado a denúncia do MPMG para responsabilizar 16 pessoas, sendo 11 funcionários da Vale e cinco da Tüv Süd, consultoria alemão que assinou o laudo de estabilidade de estrutura rompida. Os réus e as empresas respondiam por homicídio doloso e diversos crimes ambientais.

Depois de um ano de tramitação, porém, o processo perdeu a validade em outubro de 2021, quando integrantes do STJ consideraram que o julgamento deveria ser federalizado, já que descumpria a Política Nacional de Barragens e por danos a sítios arqueológicos, que são patrimônio da União.

Mesmo sob discordância do Ministério Público Federal (MPF), a tese de incompetência da Justiça estadual foi aceita a partir de um habeas corpus apresentado pela defesa de Fábio Schvartsman, presidente da Vale e um dos réus.

O STJ contrariou seu próprio posicionamento de junho de 2020, quando manteve o processo na esfera estadual: os ministros Laurita Vaz e Rogerio Schietti Cruz mudaram de opinião.

“Não houve um conflito de competência entre os juízos e o MPF não reivindicou a sua atribuição. O advogado do réu é que está dizendo que teria crimes federais”, disse o procurador-geral de Justiça do MPMG, Jarbas Soares Júnior, à Agência Brasil.

Com a federalização do processo, os acusados em âmbito estadual perderiam a condição de réus, e uma nova denúncia precisaria ser apresentada.

O MPF afirmou que não irá se pronunciar enquanto a questão estiver sub judice e não houver uma decisão definitiva. “Os autos nem vieram ainda para a Justiça Federal porque a própria juíza estadual proferiu decisão no sentido de que só os remeterá após o julgamento dos recursos”.