O jacaré na boca da Fera é prova de que a reintrodução de onças na Argentina pode funcionar. Não faz muito tempo, pesquisadores soltaram no Pantanal brasileiro duas onças-pintadas órfãs, Fera e Isa, que foram ensinadas a caçar em cativeiro e hoje sobrevivem por conta própria na natureza, predando jacarés, capivaras e queixadas, como qualquer onça selvagem.

Ainda filhotes, as irmãs foram resgatadas de uma árvore durante uma enchente em Corumbá, em junho de 2014. Acabaram em um criadouro no interior paulista, onde viveram quase um ano dentro de uma jaula. Até que surgiu a ideia de tentar devolvê-las à natureza.

O destino foi o Refúgio Ecológico Caiman, no Pantanal de Miranda, Mato Grosso do Sul, onde o Projeto Onçafari, em parceria com o Cenap-ICMBio, ajudou as jovens onças a resgatarem o espírito selvagem.

Era preciso ter certeza de que elas conseguiriam caçar para se alimentar “Acho que a maior parte é instinto”, diz o fundador do Onçafari, Mario Haberfeld. Mas, como diz o ditado, é a prática que faz a perfeição. “A primeira vez que viram um porquinho não tinham a menor ideia do que fazer.”

Isa e Fera viveram um ano na área natural cercada, de 1 hectare, onde animais vivos eram soltos para elas caçarem. Os pesquisadores optaram por uma estratégica tipo videogame, em que as onças tinham de “passar de fase” e abater presas cada vez mais difíceis, desde um filhote de capivara até uma queixada adulta. Um ponto crucial era que as onças não tinham nenhum contato com pessoas, para não se acostumarem à presença delas nem associá-las à disponibilidade de alimento.

Em junho de 2016 elas foram soltas, usando uma estratégia de “soft release”, em que a porta do recinto foi mantida aberta por três meses, caso elas quisessem voltar. “O risco maior são os primeiros 30 dias”, diz o pesquisador Ronaldo Morato, coordenador do Cenap-ICMBio. “Se o animal não consegue caçar, você precisa decidir se o recolhe para treinar mais.”

Não foi preciso. As onças até voltaram ao recinto algumas vezes, mas acabaram se adaptando à vida livre, e agora têm os próprios territórios. Ambas são monitoradas por colares de GPS e já copularam com vários machos selvagens.

Prova de conceito

Os resultados dão esperança não só para o projeto de Iberá, na Argentina, mas também para futuros experimentos no Brasil, diz Morato. “O objetivo não era soltar mais onças no Pantanal, mas provar que era possível fazer esse tipo de reintrodução, para depois repetir o experimento em lugares onde as onças estão ameaçadas de extinção, como na Mata Atlântica”, diz Haberfeld.

A próxima tentativa será na Amazônia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.