Anos atrás, escrevendo sobre harmonização de vinhos e chocolates para uma reportagem por ocasião da Páscoa, deixei de mencionar um aspecto importantíssimo: a eucaristia. Tempos depois, em um workshop sobre a origem e a evolução da cultura do vinho no mundo, não pude cometer o mesmo erro. “O vinho é um elemento central na fé cristã”, foram as palavras que usei naquela apresentação.

A Santa Ceia e toda sua rica interpretação foram fundamentais para que a Igreja Católica consagrasse o vinho, que pelo mistério da fé se converte no sangue de Cristo. “Tomai, todos, e bebei: este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança”.

Embora o papa Urbano IV tenha instituído a celebração de Corpus Christi (em 1264) para destacar a dimensão sacramental da última ceia de Jesus, ela já era celebrada na Semana Santa.

Ao longo dos séculos, a presença obrigatória do vinho canônico nas missas teve o efeito de promover o cultivo das videiras e a melhoria das técnicas de vinificação, primeiro na Europa, e depois no Novo Mundo.

A necessidade de servir a bebida em todas as paróquias levou monges, padres e eclesiásticos em geral a adotar uma postura de trabalho e aperfeiçoamento constante da vitivinicultura.

Entre os lugares que colheram os melhores frutos dessa devoção está a região da Borgonha, na França. Graças à liturgia católica e à obstinação dos monges cistercienses que definiram os climats (termo que por lá é sinônimo de terroir) e as variedades mais adequadas (pinot noir e chardonnay), hoje podemos provar bebidas que, sem exagero, exalam uma dimensão divina.

Nesta Sexta-feira Santa, em que a Quaresma se tornou quarentena, eu levanto a minha taça para celebrar a memória daqueles religiosos que se dedicaram a tornar o vinho algo tão espetacular que nos eleva a uma transcendência espiritual. “Tomai, todos, e bebei”. Feliz Páscoa.