Os arredores de Villa Park, no subúrbio de Chicago, nos Estados Unidos, pouco se parecem com o centro da terceira maior cidade do país, a 30 minutos de carro dali. As ruas são largas, tranquilas e cheias de lugares para estacionar. As casas possuem amplas garagens, costumam ter cestas de basquete na entrada e, no Halloween, ficam cobertas de abóboras e teias de aranha artificiais, do telhado à calçada, um contraste com os arranha-céus, estacionamentos e o ritmo acelerado do coração da metrópole. Parar o carro na rua é motivo suficiente para se chamar a polícia, brinca a moradora local, Jeniffer Preston-Bell, ao receber DINHEIRO em sua residência. A frase é um exagero, mas traduz a sensação de calmaria. Em sua casa, a porta da frente passa o dia aberta. Só é trancada quando o único dos quatro filhos que voltou a morar com a mãe chega, no fim da noite.

Preston-Bell tem autoridade para se sentir segura. Ela nasceu e morou a maior parte da vida na casa que o pai comprou no bairro, para onde voltou há cerca de dez anos para cuidar da mãe. Hoje, sua principal companhia é a irmã mais velha, com quem costuma ir às missas no domingo. Ela se sente orgulhosa do estilo de vida que leva no bairro, mas sabe que em breve as coisas podem mudar. Mesmo com algum ressentimento, Preston-Bell torce pelas mudanças que podem ocorrer na região caso Chicago vença a disputa para sediar a segunda sede da Amazon, que deve empregar cerca de 50 mil profissionais, com investimentos de US$ 5 bilhões. “A segunda sede da Amazon trará bilhões de dólares em investimentos e criará dezenas de milhares de empregos altamente remunerados”, disse Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, ao jornal The New York Times.

Disputa acirrada: da esquerda para a direita,, a cidade americana de Birmingham e as canadenses de Ottawa e Calgary estão entre as 238 que tentam seduzir os investimentos da Amazon

A concorrência foi aberta no início de setembro, deflagrando uma corrida frenética entre as cidades. Ao todo, 238 candidatas estão no páreo, nos Estados Unidos, Canadá e México. A vencedora será anunciada no ano que vem, após uma análise do grupo comandado por Bezos, uma potência com faturamento de US$ 136 bilhões em 2016. Até lá, o tema seguirá em destaque. Não só pelas campanhas exóticas de prefeitos para atrair a atenção da gigante, mas também como um símbolo das transformações da economia dos Estados Unidos e um estímulo para debates entre os americanos sobre seus valores mais tradicionais.

No caso da moradora de Villa Park, o maior receio quando o assunto é a Amazon se resume ao destino das lojas que ela costumava visitar no shopping de Oak Brook, a menos de um quilômetro de sua casa. O temor é que elas sigam o mesmo caminho das outras redes de varejo físico ameaçadas pela força do e-commerce. Só neste ano, 19 grupos varejistas pediram falência nos EUA – a Toys R Us, tradicional cadeia de brinquedos foi a mais recente. A ressalva não esconde o fato de Preston-Bell ser, ela própria, uma assinante da rede de Bezos. “Talvez as lojas físicas se tornem uma coisa do passado”, diz ela, que admite fazer uma compra online na Amazon a cada sete transações.

A sedução da Big Apple: na corrida pela Amazon, a cidade de Nova York converteu a iluminação pública nas cor laranja característica da gigante do e-commerce (Crédito:C. Taylor Crothers)

Em Villa Park, Preston-Bell é, aliás, uma representante ativa da nova economia. Ela trabalha como motorista da Uber e aluga quartos de sua casa pelo Airbnb. Isso talvez ajude a explicar seu apoio à candidatura pela segunda sede da empresa. “Qualquer coisa que nos traga empregos de qualidade é positivo.” Ela não gostaria que a prefeitura repetisse a falha do passado, quando perdeu uma disputa para sediar o museu do cineasta George Lucas por questões burocráticas. A esperança é que a vinda da Amazon contribua para interromper o êxodo de jovens.

A fuga de jovens – e a diminuição da população – é um dos maiores desafios de Chicago. A cidade tenta contornar a situação com políticas amigáveis aos imigrantes, como a criação de um visto regional em parceria com universidades. “Há um esforço grande na batalha pela Amazon”, afirma Sarah McElmurry, diretora de imigração no Chicago Council of Global Affairs. “Se você não tem força de trabalho, não é competitivo. O prefeito tem plena consciência disso.” Para vencer a disputa, porém, é preciso mais. A lista de demandas da companhia inclui desde a preferência por cidades com mais de 1 milhão de habitantes até uma distância de 45 minutos para aeroportos internacionais com voos diretos para Seattle (sede atual do grupo) e outros. É difícil saber o que determinará a escolha. As especulações vão desde rede de ciclovias a atmosfera descontraída do local.

Presente de grego: a cidade de Tucson, no Arizona, enviou a réplica de um cacto de seis metros para a sede da Amazon, em Seattle. A varejista agradeceu, mas devolveu (Crédito:Divulgação)

Em Chicago, cinco áreas já foram mapeadas, uma delas vizinha a Villa Park. Um conselho formado por CEOs de grandes empresas ajudou a montar o plano. Esforços semelhantes se repetem por todo os Estados Unidos. Detroit se associou à vizinha canadense Windsor, com suporte da comunidade empresarial, para uma campanha. Há promessas para construção de um bonde aquático entre os dois centros. A cidade, que já foi um dos centros do capitalismo americano e concentrou um enorme contingente de operários em linhas de produção ainda luta para se reerguer da crise. Em meio às casas abandonadas de Detroit – a população diminuiu a menos da metade em relação ao pico de quase 2 milhões na década de 1950 –, é comum encontrar moradores que se enxergam como vítimas da nova economia e apresentem um ar nostálgico de quando havia oferta de “bons empregos” na região, discurso que ajudou Donald Trump a vencer as eleições no Estado.

A esperança é que a vitória pela Amazon possa simbolizar o renascimento da cidade das montadoras. Para as autoridades locais, só de ficar entre as finalistas já seria interessante, como publicidade. “Imagine o prestígio que não teremos nas próximas ofertas se conseguirmos dizer que fomos uma das finalistas no caso da Amazon”, diz Sandy Baruah, presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Detroit. Algumas campanhas ousadas ganham repercussão nacional. Birgminhan, no Estado de Alabama, construiu três réplicas enormes de caixas da Amazon pelas ruas.

Amazon City?: Jason Lary, prefeito de Stonecrest, no estado da Georgia, prometeu desanexar uma área do município, entregar para a empresa de tecnologia e rebatizar o local com o nome da Amazon (Crédito:Divulgação)

A cidade de Tucson, no Arizona, enviou um cacto de mais de seis metros para a sede atual da companhia – a empresa rejeitou a oferta. O prefeito de Stonecrest, no Estado de Georgia, prometeu desanexar uma área da cidade e criar um município com o nome do grupo. Em Kansas City, Missouri, o chefe do Executivo gravou um vídeo enquanto fazia a revisão de compra de 1.000 produtos. Em Nova York, a campanha de marketing tem chamado a atenção. Todos os dias, durante alguns minutos da noite, tradicionais prédios de Manhattan, como o Empire State Building, são iluminados com a cor laranja da Amazon para sinalizar que a maior cidade dos Estados Unidos está pronta para recebê-la.

OPOSIÇÃO As loucuras feitas por prefeitos revelam a influência e o poder de barganha da empresa. A gigante do e-commerce é hoje a terceira maior varejista do mundo no ranking da revista Forbes, atrás de Walmart e CVS (rede de drogarias). Seu valor de mercado é de US$ 531 bilhões. Aos 53 anos, o fundador Bezos ultrapassou Bill Gates e tornou-se o homem mais rico do planeta neste ano, segundo levantamento da Bloomberg, com uma fortuna de US$ 94 bilhões. O gigantismo dos números embasa críticas de diversos grupos em meio à euforia pela nova sede.

Jennifer Preston-bell (à dir.) e sua irmã terry, moradoras do Villa Park, em Chicago: “Qualquer coisa que nos traga empregos de qualidade é positivo” (Crédito:Divulgação)

Especialistas refutam a necessidade de benefícios fiscais a empresas do porte da Amazon num momento em que o desemprego está em baixas históricas nos Estados Unidos. Também há críticas quanto a falta de transparência nas propostas. Num dos casos mais notórios, o Estado de New Jersey afirmou estar disposto a conceder uma oferta de até US$ 7 bilhões em vantagens para a companhia. Ainda é cedo para traçar estimativas, mas os analistas acreditam que essa possa ser a maior renúncia fiscal da história americana. “A guerra fiscal não é um problema novo, mas a Amazon elevou o processo para outro nível”, afirma Greg LeRoy, diretor da ONG Good Jobs First, que mapeia a guerra fiscal.

Uma coalização de mais de 70 entidades representativas da sociedade civil escreveu uma carta a Bezos e às autoridades para não abraçarem a oportunidade a qualquer custo. Eles cobram da Amazon mais transparência na negociação de benefícios, no pagamento de impostos e na inclusão de minorias na força de trabalho. Há ainda um temor de que a instalação da nova sede acabe elevando demais os custos para moradia. “Nós amamos empregos, amamos tecnologia e amamos conveniência, mas o que vocês estão procurando vai afetar todas as partes das nossas cidades”, afirma a carta. “Nós construímos essas cidades e queremos ter certeza de que continuarão sendo nossas.”