O empresário que estreou na política herdando uma dívida de R$ 35 bilhões diz como fará para elevar a receita perdida pelo estado após a tragédia de Brumadinho

Romeu Zema nunca havia ocupado cargo público antes de ser eleito governador de Minas Gerais, aos 54 anos. Natural de Araxá, o político do partido Novo comandou durante toda a vida adulta o Grupo Zema, que incluía desde lojas de autopeças para carros até postos de gasolina. Ao completar 100 dias na Cidade Administrativa, sede do governo estadual, esse estreante na vida pública ainda tenta contornar a falta de recursos de uma administração quebrada. Até o momento, o 13º salário que os servidores mineiros deveriam ter recebido no ano passado não foi pago. A solução foi propor um parcelamento em 11 meses. Para piorar, o rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, esfacelou uma das principais fontes de arrecadação do estado — a mineração. Somente a entrada no plano de socorro da União poderá abrir um caminho para a viabilidade de seu governo. E isso deve incluir a venda de estatais como a Cemig, de energia.

DINHEIRO – Sua gestão encontrou uma série de passivos ocultos no caixa do governo. Qual é a conta final?
ROMEU ZEMA – Encontramos um estado com R$ 35 bilhões de compromissos atrasados, não pagos, incluindo aí o 13º salário dos servidores. Hoje, já resolvemos uma parte. Ainda há R$ 7 bilhões de dívida com os municípios, que serão pagos em 30 meses a partir do ano que vem. E contamos com o plano de recuperação fiscal junto à Secretaria do Tesouro Nacional. Ele é essencial para sanarmos as dificuldades financeiras do estado. Hoje, 67% da folha está comprometida com pessoal. Esse número só foi levantado agora.

DINHEIRO – Isso quer dizer que a Lei de Responsabilidade Fiscal não funcinou?
ZEMA – Todos os governadores vinham maquiando as contas públicas e apresentando 60% do valor devido. Ficaram tapando o sol com a peneira. Agora a população sabe, nós abrimos a caixa preta e estamos mostrando a dura verdade que temos de enfrentar.

DINHEIRO – E como vocês planejam resolver essa questão?
ZEMA – Reduzir gastos, dinamizar a economia, simplificar a vida de quem trabalha. Não há nenhuma regra de ouro. Estamos fazendo todo o possível para economizar e ampliar a arrecadação sem aumentar impostos. Isso depende da melhoria da atividade econômica. Mas, no que diz respeito às medidas de austeridade, estamos fazendo o que está ao alcance. O estado é muito grande e pequenas despesas ocorrem em toda máquina pública, que tem quase 400 mil funcionários. Há falta de controle em algumas áreas, desperdício, ineficiência… Mas gradativamente estamos melhorando. Com a reforma administrativa, que reduziu o número de secretarias de 21 para 12, economizaremos R$ 1 bilhão nos quatro anos. Isso dá mais de R$ 20 milhões por mês. Essa talvez seja a medida mais expressiva de redução de despesa. Há milhares de outras em andamento. Ainda assim, não será o suficiente para corrigir o rombo.

“A mineração foi demonizada desde a tragédia de Brumadinho. Mas não podemos tratar a solução de forma emocional” 224 pessoas morreram e 69 estão desaparecidas após barragem de rejeitos da Vale se romper em Brumadinho (Crédito:AP Photo/Leo Correa )

DINHEIRO – O que falta para Minas Gerais aderir ao plano de socorro do governo federal?
ZEMA – O plano de recuperação fiscal vai ajudar muito. Estamos falando de aproximadamente R$ 8 bilhões por ano de alívio. Estamos também pleiteando, junto ao governo federal e em conjunto com vários estados, algum tipo de repasse referente à Lei Kandir [de incentivos às exportações] e aos royalties do petróleo. A situação de Minas talvez seja mais grave, mas muito estados estão caminhando pra se tornar uma Minas Gerais num futuro próximo. Rio Grande do Sul não está tão diferente de nós. Tivemos uma deterioração geral das contas estaduais. A Reforma da Previdência vai ajudar muito porque o grande problema dos estados hoje é o pagamento dos aposentados.

DINHEIRO – O senhor prometeu reduzir pelo menos 4 mil cargos comissionados. Como está a implementação dessa medida? Ela é factível?
ZEMA – Não tenho o número exato porque essa mudança está sendo feita diariamente entre autarquias que nós não temos controle direto. Já devemos ter reduzido acima de 10 mil cargos e esse processo vai continuar porque havia muita gordura desnecessária nesse caso.

DINHEIRO –De qualquer forma, o senhor disse que só a austeridade não é suficiente, e que seria necessário aumentar receitas. Existe algum plano para isso?
ZEMA – Estamos trabalhando para simplificar a tributação em Minas Gerais, que é a mais complexa do Brasil. Já geramos em fevereiro mais de 26 mil novos postos de trabalho. É lógico que seria prematuro falar que é tudo fruto do nosso esforço, mas com certeza uma parte já é. Tenho dedicado muito do meu tempo para atrair novos investimentos, porque o único compromisso que eu fiz na campanha, foi de gerar 150 mil novos cargos por ano, postos de trabalho. Com esse estado austero atrairemos investimentos. O valor de mercado da Cemig saiu de R$ 10 bilhões para mais de R$ 20 bilhões, a Copasa de R$ 5 bilhões para mais de R$ 8 bilhões. Quando você sinaliza que vai fazer as coisas da forma correta, com austeridade, vê que já tem resultado.

DINHEIRO – O rompimento da barragem de Brumadinho impactou a mineração, uma das principais fontes de arrecadação de Minas. Como responder a isso?
ZEMA – Promoveremos no próximo dia 17 o evento “Como Conciliar Preservação Ambiental, Desenvolvimento, Segurança e Mineração”. Será em Belo Horizonte, com as presenças do ministro de Minas e Energia, do presidente da Agência Nacional de Mineração e do Governador do Espírito Santo. Vamos começar a tratar a questão de forma técnica. A mineração foi de certa forma demonizada desde a tragédia de Brumadinho e com certeza a população ficou indignada. Mas não podemos tratar a solução de forma emocional. Temos que mostrar que na Austrália, no Canadá, em outros países, há mineração segura e que há tecnologia para isso. Vamos trabalhar para que esse impacto [econômico] que vai existir não seja tão forte quanto poderia ser. E lembrando que a Assembleia Legislativa agiu rápido, sancionou a lei que torna as barragens mais seguras, aumentou o grau de exigência. O setor de mineração vai ser reinventado no estado. Essas mudanças no grau de segurança vão exigir grandes investimentos das empresas e isso vai gerar movimentação econômica também.

DINHEIRO – O que o senhor chama de reinvenção?
ZEMA – Temos definido somente que a Vale, a maior mineradora no estado, fará investimentos da ordem de aproximadamente R$ 5 bilhões na desativação de barragens, na adoção de medidas de segurança. Tudo isso gera esse movimento econômico na atividade.

DINHEIRO – O estado falhou no episódio de Brumadinho?
ZEMA – Não. Vamos deixar isso bem claro. O que aconteceu em Brumadinho é a mesma coisa que você ter uma área rural, pedir autorização ambiental para desmatar uma parte para construir um prédio e amanhã esse prédio desabar. A culpa é de quem concedeu a licença ambiental? Ou do engenheiro que fez o prédio? Há muito desentendimento com relação a isso. O que a Secretaria do Meio Ambiente fez e continua fazendo é analisar o impacto ambiental da barragem. A Secretaria do Meio Ambiente não analisa as características técnicas da barragem, isso é coisa para o CREA, para a engenharia. Então o que aconteceu ali foi um acidente de engenharia que provocou uma catástrofe humana e uma tragédia ambiental.

“Pediremos aos deputados o poder para privatizar a Cemig e a Copasa”A oposição tentará impedir a venda das empresas de energia e saneamento básico mineiras

DINHEIRO – Não caberia ao Estado, a partir de agora, ser também responsável pela vistoria da engenharia de qualquer tipo de obra, seja uma barragem, seja um prédio residencial ou uma fábrica?
ZEMA – Na legislação federal, já existe a Agência Nacional de Mineração. Sou contra o retrabalho estadual de fiscalização, pois as duas entidades estariam checando uma só coisa. É o mesmo que você precisar de uma identidade para ir ao cinema e outra para poder se apresentar em qualquer local que não aquele. O que a gente tenta é simplificar a vida de quem produz, mas da forma correta, sem descuidar da segurança.

DINHEIRO – O senhor citou a tentativa de atrair investimento, mas o estado está quebrado. Como conseguirá convencer investidores?
ZEMA – Nesses primeiros 100 dias, já atraímos a abertura de duas cervejarias, uma fábrica de embalagens de alumínio, uma de vidro. O estado tem uma boa infraestrutura, tem bons profissionais, mão de obra. Está no centro do Brasil, daqui você vende para São Paulo, para Brasília, para o Rio de Janeiro, para Salvador. Temos uma segurança muito melhor do que a média do Brasil e programas de tributação que deixam as empresas bem competitivas. Outro grande investimento é a futura geração de energia solar no Norte do estado. Temos o melhor índice de insolação do Brasil, uma região que chove muito pouco, onde os terrenos ainda são relativamente baratos.

DINHEIRO – Como será o plano de privatizações? A Cemig estará no pacote?
ZEMA – Primeiramente vamos privatizar as subsidiárias da Cemig, que não dependem de aprovação da Assembleia Legislativa. E, mais tarde, pediremos aos deputados o poder para privatizar a Cemig e a Copasa, que dependem de referendo para ser vendidas. O valor das empresas ainda vai subir. Temos consultorias que demonstram que, na medida em que implementarmos ações de melhorias, a avaliação de mercado pode subir de 20% a 40%.

DINHEIRO – O Partido Novo propõe o fim da antiga política, o fim de cabide empregos. Não é uma incoerência que integrem sua gestão políticos como Custódio Matos [Secretário de Governo, ex-deputado estadual] e Carlos Eduardo da Silva [Secretário de Saúde, candidato a deputado federal]?
ZEMA – Considero que todos eles foram escolhidos pelos seus méritos, passaram por um processo seletivo. O Custódio Matos é secretário de relacionamento político. Quem nós deveríamos ter colocado lá? Alguém que vem do meio, que conhece a política, ou um engenheiro? Estamos colocando para nadar quem é peixe. Para voar, quem é águia. Aí questionam: “Vocês colocaram alguém da velha política”. Mas para fazer política tem que ser alguém que é da área. Eu fiquei durante o mês de novembro e dezembro junto com João Amoêdo, com consultores de recursos humanos entrevistando dezenas de pessoas. Eu diria que poucas vezes se fez no Brasil um secretariado tão profissional quanto o nosso aqui.