Havia pelo menos quatro Walker (Asha, Marisa, Rachel e Steve) e cinco Wang (Crystal, Jinglan, Luping, Olivia e Wendy) em meio a outras 250 pessoas inscritas para falar no SXSW — isso apenas entre aqueles com sobrenome começando com a letra W. Pouca gente percebeu o peso do que propôs a senadora Warren, democrata por Massachusetts. O SXSW, festival que mistura tecnologia, música e muita gente falando, foi realizado de 8 a 17 de março em Austin (Texas, EUA). Uma busca no Google mostra a aderência muito maior, por exemplo, de Olivia Wilde, atriz que também palestrou: 158.000 resultados, 25% mais que uma busca similar com o nome da senadora. Mas Elizabeth Warren fez história.

A partir do que disse ali ela fez surgir, em menos de três meses, a hecatombe que acaba de atingir quatro das cinco maiores empresas americanas de tecnologia – até metade de junho, apenas a Microsoft escapa da fúria. Parecia uma ação orquestrada. Começou com o Departamento de Justiça (DOJ), que mirou Apple e Google, a partir do argumento de que ambas dominam as lojas de aplicativos para celulares. Em 2018, esse segmento movimentou US$ 100 bilhões. Desse bolo, 45% ficaram nas mãos da Apple e 25% foram para o Google, o que dá 70% das receitas globais. Nos Estados Unidos, a performance de ambas sobe para 95% de todo o mercado, de acordo com o Sensor Tower. Se isso não é concentração…

Paralelamente à investida do Departamento de Justiça contra Apple e Google, e pelos mesmos motivos (investigação antitruste), a Federal Trade Comission (FTC) passou a investigar Amazon e Facebook. Não será preciso spoiler: é guerra mesmo.

De um lado o Poder Judiciário, do mesmo lado uma agência reguladora independente. E o que já seria dor de cabeça suficiente para as empresas envolvidas ficou ainda pior a partir da segunda-feira 10, com entrada do Poder Legislativo no octógono desse MMA entre Estado e gigantes da tecnologia, já que parlamentares criaram um comitê bipartidário (sim, democratas e republicanos do mesmo lado). Eles também farão uma investigação antitruste e sobre comportamento anticompetitivo, para averiguar se as empresas sufocam, copiam soluções, compram rivais ou dão vantagem a seus próprios produtos e serviços dentro de suas plataformas. O deputado democrata David Cicilline, que preside o subcomitê antitruste dentro da Câmara, disse que será feita “uma ampla investigação dessas plataformas digitais para identificar como o mercado está falhando e o que será preciso em termos de ação legislativa”.

Sua fala diz mais do que parece à primeira vista. Na prática, as empresas investigadas sabem que cresceram de forma exponencial e as leis, mesmo as que regulam os mercados, ficaram rapidamente obsoletas para suas formas de atuação. Por si só a legislação antitruste não seria capaz de punir nenhuma delas porque nos Estados Unidos ela só pode ser invocada se causar prejuízo de preço ao consumidor — o que está longe de acontecer com muitos serviços que são oferecidos gratuitamente ou mesmo se uma dessas companhias rouba uma ideia ou compra uma startup antes que se torne rival. Nada disso significa preços mais altos.

Em março, antevendo ou se precavendo, Mark Zuckerberg, fundador e principal executivo do Facebook, disse em um artigo veiculado no The Washington Post – cujo dono é o fundador da Amazon, Jeff Bezos – que “as regras que governam a internet permitiram que uma geração de empreendedores construísse serviços que mudaram o mundo e criaram muito valor, e é hora de atualizar essas regras para definir responsabilidades claras para pessoas, empresas e governos daqui para frente.”

VIOLAÇÕES A melhor tradução para o que o deputado Cicilline disse, e Zuckerberg antevê, é que, para enquadrar as empresas, as leis precisam mudar. Ao contrário das investigações do Departamento de Justiça (Apple e Google) e FTC (Amazon e Facebook), o Congresso não tem poder de execução sobre violações antitruste. A investigação da Câmara, no entanto, pode ajudar a mudar as leis, dar mais poder aos reguladores ou mesmo conceber novas agências para fiscalizar as empresas do Vale do Silício.

Independentemente do resultado, uma investigação antitruste equivale a frear — e repensar — todos os passos que as empresas sob cerco dariam. E além desse combo Judiciário-Legislativo, há o Poder Executivo. Em tese, ele nada pode decidir nem em um frente nem em outra. Mas o crítico Donald Trump sempre se mostrou, em entrevistas a veículos amigos ou tuitadas, um agente fortemente engajado para que o cerco sob elas existisse.

A última vez que uma empresa de tecnologia ficou sob a mira do Departamento de Justiça foi há 27 anos. Em 1992, ainda no governo Bill Clinton, a Microsoft foi investigada se abusava de seu poder de mercado com o sistema operacional Windows e o navegador Internet Explorer. A proposta de solução apresentada à época se assemelha à pedida agora pelos senadores democratas Elizabeth Warren e Bernie Sanders ou por gente que conhece bastante bem essas companhias, como o cofundador do Facebook Chris Hughes: separar as empresas e vendê-las em partes. O deputado Cicilline disse que nenhuma saída está descartada, mas vê a divisão como “ação de última instância”. No caso Microsoft, o DOJ ganhou uma decisão para dividi-la (uma unidade de sistemas operacionais e outra de aplicativos), mas o Tribunal de Apelações rejeitou a ideia de que desmembrar seria solução para frear práticas anticoncorrenciais. Isso levou a um acordo em que a empresa concordou em compartilhar APIs com terceiros.

LOBBY Contra a Microsoft estava apenas o DOJ. Não o Executivo, com pressão pública, nem o Legislativo, com pressão compartilhada por democratas e republicanos. Por isso, as quatro grandes — que formam o acrônimo Gafa (Google, Apple, Facebook e Amazon) — começaram a reforçar suas operações de lobby para lutar em Washington. Segundo o The New York Times, elas gastaram US$ 55 milhões com lobistas em 2018, o dobro dos US$ 27,4 milhões gastos em 2016 e, obviamente, espera-se muito mais a partir de agora.

O corpo político americano e especialistas não parecem ver na diminuição de uma empresa, por meio de sua divisão e venda, como algo positivo. Está no DNA liberal o ‘quanto-maior-melhor’. O que eles querem também não parece estar na saída à europeia, de tirar dinheiro estudando a criação de leis de taxação de lucros ou aplicando multas bilionárias – somente o Google tem quase um tricampeonato nesse quesito, na Europa, sendo punido em 2017 (multa de 2,4 bilhões de euros), 2018 (4,3 bilhões) e 2019 (1,5 bilhão).

O fator monetário tem sua aderência americana, é claro – a própria FTC iniciou no ano passado apuração sobre uso indevido de dados de 50 milhões de usuários do Facebook pela empresa Cambridge Analytica e a rede social anunciou, em abril, que separa US$ 3 bilhões para um futuro acordo, mas que o valor pode chegar a US$ 5 bilhões. Mais que dinheiro, porém, o corpo político americano parece inclinado a estabelecer controles sobre as empresas. A presidente da Câmara, deputada democrata Nancy Pelosi, resumiu o sentimento ao dizer que “a era da autorregulação acabou.” Parece mais oportuno o controle.

Para isso, no entanto, será preciso criar ambiente junto à opinião pública, que não costuma ver em excessos de regulações algo saudável a ambientes democráticos e assim evitar que novas leis sejam percebidas como controle estatal ou, pior, tenham sido criadas por interesses dos políticos. A turma de gigantes tecnológicos conseguiu desagradar democratas (e qualquer pessoa mais à esquerda), por questões normalmente relacionadas à privacidade e à violação de direitos, e desagradar republicanos (e a turma mais à direita), que vê nessas plataformas ambientes que podem suprimir ou patrulhar espaços de fala mais conservadores ou extremistas.

É provável que todos os principais executivos de Alphabet (Google), Amazon, Apple e Facebook sejam convocados ao Congresso ainda em 2019. Numa situação nada confortável, já que suas empresas conseguiram unir de Trump e seu ex-assessor Steve Bannon à turma da esquerda (para os padrões dos EUA): Alexandria Ocasio-Cortez, Nancy Pelosi, Bernie Sanders e Elizabeth Warren.

William Kovacic, ex-presidente da FTC, resumiu o cenário de forma precisa ao dizer que embora democratas e republicanos “possam discordar sobre a abordagem específica que deve ser tomada dos dois lados da Avenida Pensilvânia você tem uma coalizão ampla e impressionante que diz: ‘acerte-os com mais força’”. Não é preciso nem buscar no Google pelo que elas enfrentarão. Por ora, esse horizonte sombrio ainda não reflete em seus valores de mercado. As quatro empresas valem, juntas, US$ 3 trilhões. E entre o início de junho e o dia 12 suas ações acumulam alta média de 7,7%.