De tolo, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, não tem nada. Encarregado de redigir uma medida provisória capaz de ser vista como uma minirreforma tributária, ele fez horas extras com um grupo de oito técnicos nos últimos três meses. Na sexta-feira 30, deixou seu gabinete às 5 horas da manhã, voltou às 9h30 para fazer acertos finais e, à tarde, faturou politicamente para o governo. Em entrevista coletiva, anunciou o fim da cobrança cumulativa do PIS, atendendo a uma antiga grita do empresariado. O que não ficou claro naquele primeiro momento, mas pode ser verificado na leitura dos 103 artigos da MP 66, é que Everardo também conseguiu na mesma tacada ampliar ainda mais os poderes dos fiscais da Receita. Nas normas antielisão demarcadas no texto, operações de fusões ou dissociações entre empresas que resultarem em ganhos fiscais para o contribuinte poderão, simplesmente, ser ignoradas pelo Leão. ?Criamos uma situação nova para enfrentar a dissimulação?, disse Everardo à DINHEIRO na quinta-feira 5. ?Se descobrirmos que empresas se juntaram ou se separaram apenas para pagar menos impostos, o fiscal está autorizado a autuar.? Para dar um basta à cumulatividade da cobrança do PIS na cadeia produtiva, que entrará em vigor 90 dias após a publicação da MP no Diário Oficial, na segunda-feira 2, outra vez o secretário da Receita jogou de forma a não perder. A alíquota que era de 0,65%, cobrada várias vezes, passou a ser de 1,65% na cobrança única. ?Tentei conseguir um resultado neutro, mas se haverá ganhos ou perdas para nós só o futuro vai dizer?, disse Everardo. Não é o que pensa o ministro da Fazenda, Pedro Malan. Na quarta 4, quando anunciou a elevação da meta do superávit primário de 2002 para 3,88% do PIB, atendendo aos termos do pacote de ajuda de US$ 30 bilhões do FMI, Malan disse acreditar que a minirreforma vai resultar, sim, em mais arrecadação. ?Fizemos as contas e constatamos que a reforma gera caixa adicional?, afirmou. Nos cálculos do ministro, a nova meta de superávit implica em
R$ 1,69 bilhão a mais, este ano, nos cofres do governo.

 

Entre empresários e tributaristas, a minirreforma de Everardo despertou análises contraditórias. ?O fim da cumulatividade abre um importante precedente para que o Brasil deixe de exportar impostos?, aplaudiu o empresário Jorge Gerdau. ?Estou confiante. Ganhamos mais competitividade para enfrentar o mercado externo.? Gerdau foi um dos principais incentivadores de Everardo no período de redação da medida provisória. Diante dos que achavam que uma decisão desta natureza deveria ser tomada pelo próximo governo, o empresário tomou o caminho contrário. ?É melhor que essa reforma seja feita por você, porque se ficar para o próximo ano perderemos muitos meses até que o novo secretário fique por dentro do assunto?, confidenciou Gerdau ao próprio Everardo num telefonema a Brasília.

 

Na opinião da advogada tributarista Luciana Galhardo, sócia da banca Pinheiro Neto, o secretário foi um pouco longe demais na redação da MP. ?Os dispositivos antielisão são claramente inconstitucionais?, acredita ela. ?Não se pode punir empresas que, cumprindo as formalidades legais, consigam abater impostos. Isso é legítimo.? Prevendo uma profusão de pendengas judiciais, a Receita produziu na MP 66 um artigo que valeu a Everardo Maciel um elogio por escrito do Fundo Monetário Internacional, recebido na semana passada. O artigo em questão estabelece que as empresas que abrirem mão de recursos judiciais terão descontos no recolhimento de impostos na forma de bônus de adimplência fiscal. ?Se entrar e ganhar a questão, não tem problema. Mas se perder, perde também a chance de obter um bom desconto?, explica o secretário, sorriso maroto no canto da boca. Para conseguir embasamento teórico para a minirreforma, ele montou em Brasília, este ano, um amplo seminário internacional sobre tributação no qual as razões do Leão foram defendidas por técnicos dos órgãos arrecadadores de vários países. ?Tenho o respaldo de gente de peso?, lembra o secretário, sempre atento à possível avalanche de ações de inconstitucionalidade. Do jeito que ficou, a minirreforma promete representar alívio fiscal para indústrias com longas cadeias produtivas e penalizar os setores de serviço, nos quais as margens de lucro costumam ser grandes. Nada muda para os bancos e para as microempresas que optam pelo sistema Simples. Como é natural, antes mesmo dos primeiros resultados já há quem a ataque de frente. ?Isso não é reforma. É um remendo?, diz o deputado Germano Rigotto. Quanto ao secretário, nenhum abalo. ?Pedia-se o fim da cumulatividade de impostos? Estamos atendendo, e isso é saudável.?