Os títulos públicos brasileiros do Império e dos primeiros anos da República, usados por empresas nos últimos anos para o pagamento de dívidas na Justiça e na Receita Federal, perderam a vez no mercado. As ações judiciais que davam valor a esses papéis começaram a cair em penca nas cortes e, com isso, nasceu um novo filão para os escritórios especializados em limpar a barra dos endividados. A esperteza do momento é o uso de um outro tipo de títulos antigos, emitidos pelo governo no exterior, em moeda e língua estrangeira, que credores públicos são obrigados a aceitar na Justiça pelo valor de face. A manobra corre o risco de também acabar nocauteada um dia pelo governo, mas, até lá, os endividados terão lucrado ao menos com a interrupção da cobrança de juros sobre impostos devidos. ?Um parecer definitivo só deverá sair dentro de cinco ou seis anos?, especula Diogenes Vistoca, de uma empresa de consultoria especializada em ajudar devedores, a Decisão.

Garimpar títulos da dívida externa exige ainda mais dedicação do que conseguir os papéis internos usados até há pouco. São documentos em francos, libras, dólares e ienes, vendidos originalmente nos países onde essas moedas circulam e em grande parte ainda guardados em baús de famílias de lá. A Decisão publica anúncios em classificados de jornais e revistas europeus como El País, da Espanha, Le Figaro, da França, e Daily Express, da Inglaterra. Nos anúncios, Vistoca se anuncia como colecionador, para não elevar o preço dos papéis. Em média, a compra de um título não custa nem 10% do valor inicial corrigido para preços de hoje. Os donos dos papéis, muitas vezes herdeiros dos compradores originais, não se importam em dar desconto tão grande porque os primeiros vencimentos ocorrerão apenas daqui a 99 anos, em 2100.

Além dos papéis fora do País, há títulos guardados também dentro das fronteiras brasileiras. Os herdeiros das antigas fazendas de café e cana-de-açúcar em Minas Gerais e Pernambuco também são assediados por meio de anúncios em jornais locais. Calcula-se que, no total, há R$ 9 bilhões em títulos desse tipo guardados em poder de herdeiros e colecionadores. É um autêntico manancial de recursos para um negócio que só começou a disparar agora. No governo, há até agora R$ 30 milhões em dívidas com o INSS e a Receita Federal cobertos com esse tipo de manobra.

O ganho para os endividados e imediato, porque a dívida é dada como coberta por uma garantia já no dia seguinte. Os títulos, comprados com descontos tão altos, são entregues a 100% do valor de face. Um papel de 10 libras-ouro de 1900 hoje vale entre R$ 400 mil e R$ 500 mil. O apoio legal está em uma medida provisória recente, a de número 1931, baixada já no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Todas as decisões na Justiça até agora, em primeira instância, foram favoráveis aos endividados.