A participação de Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República pelo PSL, no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 30 de julho, chamou a atenção para um fato preocupante. Independentemente da viabilidade de sua candidatura, apenas por postular o cargo máximo do Executivo, Bolsonaro já seria notícia. Em um país presidencialista como o Brasil, candidatos a ocupar o gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto merecem ser ouvidos. No entanto, seus apoiadores, usuários intensivos das redes sociais, dedicaram os dias seguintes ao programa a desancar, com maior ou menor virulência, os entrevistadores de Bolsonaro. “Comunistas” foi a menos vitriólica das classificações. Outras colocaram em xeque a idoneidade moral e intelectual dos jornalistas.

Viver na democracia requer um exercício diário de paciência. É preciso conviver com quem defende convicções diametralmente opostas às nossas. Por isso, a atuação dos partidários do candidato do PSL nas redes sociais contra a imprensa é preocupante. Não indica apenas falta de tolerância com quem discorda. Mostra também a intolerância com quem faz as perguntas indesejadas. Esse questionamento sistemático é (ou deveria ser) a espinha dorsal do trabalho da imprensa. O jornalista não questiona o entrevistado para provocar. Faz isso para executar bem seu trabalho, socialmente importante, de informar o leitor em vez de repetir o discurso de quem está no poder, ou de quem quer conquistá-lo pelo voto.

Jornalista é um profissional incômodo por definição. Seu dever de ofício é fazer perguntas impertinentes e apontar as contradições nas respostas. Seu trabalho é desmontar as narrativas convenientes que são construídas por poderosos, empresários ou celebridades para iludir, em vez de informar. É alertar para a arapuca do discurso preparado sob medida por marqueteiros regiamente pagos. Ao tratar a imprensa como adversária, os apoiadores de Bolsonaro cometem o erro primário de quem atira no mensageiro que traz uma notícia ruim. O trabalho dos profissionais de comunicação é mostrar claramente quais propostas cada candidato está apresentando para pleitear o voto do eleitor. Esse trabalho não está acima da crítica, mas merece respeito.

O candidato Fulano pode ter ficha na polícia. O candidato Sicrano pode não ter nenhuma experiência administrativa. E o candidato Beltrano pode estar aliado a quem defende execuções sem julgamento por milícias paramilitares. Em qualquer democracia madura, Fulano, Sicrano e Beltrano não seriam considerados aceitáveis para ocupar o cargo pela maioria do eleitorado – desde que a ficha na polícia, a inexperiência e os amigos milicianos sejam fatos comprovados, e não especulação. Se o trabalho dos jornalistas ao apurar e divulgar esses fatos tornar inviáveis as candidaturas dos nomes inaceitáveis, a responsabilidade não é da imprensa. E a democracia ganha.

No Brasil, a política, como o futebol, desperta paixões e frequentemente desanda para a animosidade. É admissível que torcedores de times adversários ou partidários exaltados de candidatos diferentes discutam violentamente entre si. Passada a raiva (ou a embriaguez) tudo deveria voltar ao normal. No entanto, quando a crítica é dirigida aos profissionais que buscam informar o eleitor, há o risco de ampliar o contingente de votantes que farão suas escolhas desinformados. E esse é o maior dos riscos à democracia.