Tão nítida quanto à nova tecnologia a ser introduzida no mercado, a briga pela definição do padrão brasileiro de tevê digital ? que permitirá ao usuário, por exemplo, assistir a vários programas ao mesmo tempo e escolher em qual câmera deseja ver um jogo de futebol ? incomoda os dirigentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e empolga os ânimos dos fabricantes e emissoras de televisão. Nos próximos meses, o órgão governamental deve definir qual será a tecnologia em que a nova geração de aparelhos irá funcionar, se o americano, o japonês ou o europeu. A aproximação da data fez com que a TV Globo e diversos fabricantes se articulassem para ter aprovado o padrão que mais lhes apetece. ?A Anatel pretendia resolver isso no ano passado, mas tem adiado a decisão a cada dois meses?, diz Walter Duran, gerente de produtos da Philips e defensor do modelo europeu. ?Os fabricantes precisam de uma postura final para iniciar a produção.? O resultado repercutirá na venda de televisores e equipamentos de vídeo no País e ajudará a definir o sistema para o resto do continente. Em jogo, um mercado mínimo de US$ 14,6 bilhões. É tanto dinheiro que até a diplomacia andou pressionando para que o seu padrão técnico prevalecesse.

A disputa entre os três times envolvidos não se resolveu nem com pareceres técnicos elaborados por pesquisadores brasileiros. De setembro de 1999 a abril de 2000, um grupo de 30 técnicos testou os três padrões. Na divulgação dos resultados, descartaram o americano ATSC (o Advanced Television Systems Comitee, que já foi incorporado por 183 estações de tevê nos EUA) diante da suposta superioridade dos outros dois. Não demorou para que dirigentes da coreana LG e da americana Zenith atacassem a avaliação e a Rede Globo, partidária dos japoneses. ?Os ataques têm sido muito agressivos?, diz Carlos Brito, engenheiro da Globo e assessor da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. ?Por isso o Grupo Técnico e a TV Globo deverão brevemente dar uma resposta contundente, podendo haver medidas judiciais.?

Muito recentes, as três tecnologias ainda estão engatinhando. Até o momento, nenhuma delas se destacou por ter uma eficiência comprovada e uma penetração alta nos países em que são utilizadas. Cada time defende sua tese e usa os argumentos que tem à mão. ?Se adotássemos o modelo americano, teríamos um aumento considerável de demanda e os preços cairiam?, diz Renato Zatz, diretor de novas negócios da LG Eletronics, que está do lado da ATSC americana. A mesma postura, contudo, também é assumida pelos partidários do modelo europeu. A favor dos japoneses está a capacidade de distribuir os sinais para aparelhos móveis, como celulares e televisões que ficam nos painéis dos carros. Nas últimas semanas, a Globo chegou a fazer demonstrações públicas em um ônibus sob o túnel Rebouças, no Rio de Janeiro. Em meio a tanta confusão, uma consulta pública sobre a tevê digital será realizada em abril. ?Nós não estamos com pressa para debater a questão?, diz Renato Guerreiro, presidente da Anatel. ?Nossa decisão pode ser em julho, em outubro ou dezembro.? Quem vai ter de esperar é o consumidor final. Os primeiros aparelhos só chegarão um ou dois anos depois do parecer. ?A tevê digital só terá uma demanda satisfatória daqui a três anos, quando estará acessível para a classe C?, diz Duran, da Philips.