Dizem os pessimistas que nada é tão ruim que não possa piorar. E o relatório da Proposta de Emenda à Constituição 23, também conhecida como PEC do Calote, é a prova disso. Depois de passar na Câmara com o grave problema fiscal de se criar uma despesa fixa sem apresentar um aumento contínuo na arrecadação (e por esse motivo garantir apenas um ano do novo Auxílio Brasil) Fernando Bezerra (MDB-PE), relator do texto no Senado, resolveu “dar um jeito”. Em uma aula de descaso com as contas públicas, em vez de apresentar uma alternativa de receita que custeie o programa social, ele determinou que o Bolsa Família turbinado será permanente, e todo o gasto com políticas públicas sociais será, deliberadamente, jogado para cima do tão trincado teto dos gastos. Especialistas ouvidos pela reportagem foram categóricos ao assumir que subestimaram a capacidade do Senado em piorar um projeto que já veio bem ruim da Câmara.

E se na teoria o argumento de “tirar do teto as despesas com políticas sociais” parece um retumbante afago às camadas mais vulneráveis da população, na prática ela prejudica mais severamente o pobre. Isso porque as âncoras fiscais são ferramentas importantes para que todo e qualquer governo se mostre responsável e com essa mensagem abra espaço para confiança do empresário e do investidor, acalmando indicadores sensíveis às classes menos abastadas, como inflação, juros e emprego.

Quando cria-se uma regra em que todo gasto social será jogado para cima do teto de gastos estimula-se a ideia de que todo e qualquer despesa, se vier embalado em uma ação social, pode ficar de fora da régua que controla o endividamento do governo federal, deixando investidores receosos da capacidade do governo de honrar seus compromissos, por exemplo. Segundo Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa, mais uma vez, o Brasil escolheu o caminho mais fácil. “Os formuladores do teto queriam que, além de guiar a trajetória dos gastos, em algum momento fosse tão restritivo que se revisse as prioridades das despesas da União”, disse. “Mas, quando esse momento chegou, colocaram ‘um zíper na camisa de força’.”

Pedro Ladeira

“Hoje é indiscutível a necessidade de garantir um espaço acima do teto para custear o programa de transferência de renda” Fernando Bezerra Relator da PEC 23 no senado.

Na toada de gastos sociais, o senador também elencou prioridades para o governo gastar os recursos que superarem o teto de gastos, são eles: Auxílio Brasil; despesas atreladas ao salário mínimo; BPC (Benefícios de Prestação Continuada); gastos constitucionais com saúde e educação; transferências para os demais poderes; despesas para financiar o programa de desoneração da folha de 17 setores da economia, nessa ordem. Segundo ele, a necessidade de abertura do espaço para o Auxílio Brasil permanente é indiscutível. “Tanto em termos do tamanho do público-alvo atendido quanto em termos do valor mensal dos benefícios às famílias.”

Outra mudança incluída pelo senador é relacionada aos precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), cujos credores são os estados e municípios. O tema foi alvo de críticas por prejudicar diretamente professores e servidores da educação. Houve ainda uma mudança no cálculo da inflação, fazendo o valor para cima do teto subir de R$ 96 bilhões para os R$ 106 bilhões.

BRIGA PERDIDA Ministro Paulo Guedes diz que até queria manter o teto, mas foi vencido pela política. (Crédito:Mateus Bonomi)

Em Brasília, Jair Bolsonaro foi questionado se o texto não descumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Quem está acusando disso é aquele que falou que é inadmissível o povo estar pegando osso para comer. E quando a gente quer buscar uma maneira de atender, acusam”, disse. Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu ser melhor ampliar um pouco os gastos sociais do que respeitar estritamente o teto. “Eu perdi secretário da Receita, perdi gente que acha que tinha de ter sido respeitado estritamente o teto. Eu disse: é melhor fazer uma aterrissagem mais suave no fiscal, mas atender mais o social”. Durante audiência na Câmara, Guedes disse que a Economia não tem a última palavra. “Todo mundo sabe que eu queria manter o teto.” Dias antes, o ministro afirmara que o texto medida era politicamente oportunista, mas tecnicamente defensável.

A perspectiva do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) é que vá para o plenário na terça-feira (30), onde poderá passar por novas alterações e atingir, vão dizer os pessimistas, um nível ainda mais baixo.