Poucas coisas são tão previsíveis no Brasil de hoje quanto o problema fiscal que nos espera em 2023. Depois do ímpeto gastador do presidente Jair Bolsonaro e as indicações dele e do ex-presidente Lula (os primeiros colocados na pesquisa eleitoral) de que o teto dos gastos já não cumpre sua função inicial, é bem provável que a âncora fiscal como conhecemos hoje desmorone de vez ano que vem. E a conta vai ser alta. Se com o teto em vigência o governo atual já deu um jeito de deixar escapar R$ 210 bilhões para cima do limite dos gastos da União, imagina sem ele. E esse é só o começo. A estimativa é que, sem uma nova e eficiente métrica de controle, é possível que esse número ano que vem supere os R$ 500 bilhões.

E essa cifra seria veneno para as contas públicas, porque tiraria do mercado a sensação de que o governo tem sob controle a relação de receita e despesa. E o fato é que os dois principais corredores na disputa eleitoral parecem não dar exatamente a atenção que o tema merece. No caso do atual governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, até tenta mostrar que possui algum cabresto nas contas públicas, mas seu discurso tem sido cada vez mais esvaziado pelos companheiros de governo. Na última semana, chegou a ser ventilado a possibilidade do Chicago Boy apresentar para o ano que vem uma solução alternativa ao teto, mas sem detalhes sobre como seria. Na avaliação do head de análise política da XP Investimentos, Richard Back, caso Bolsonaro seja reeleito e Guedes continue na Economia, ele terá menor poder do que no começo do primeiro mandato. “O Centrão não vai ajudar a reeleger o Bolsonaro e entregar a agenda do governo para o Guedes.” Na prática isso significa gastar mais e não contingenciar mais.

R$90 bilhões cifra que já estourou este ano o teto de gastos. o valor envolve dinheiro para precatórios da União

Emerson Cari, economista e consultor da Minoria na Câmara dos Deputados, estima que o problema possa mais que dobrar de tamanho em 2023. “Com os precatórios e os benefícios sociais pulando para fora do teto, abre-se um precedente incrível para aumentar essa conta”. E isso já está encaminhado. Hoje a base governista, em especial o Centrão, tem tratado de assuntos no tom do passa boi, passa boiada. Um deles envolve jogar para fora do teto, por exemplo, todo recurso considerado essencial. Ou seja, mais dinheiro para educação, saúde e segurança. “O problema do Brasil não é gastar pouco. É gastar mal. Alguém acha que colocar mais dinheiro na educação vai melhorar o ensino? Não vai”, disse Cari.

LULA NA JOGADA Enquanto o Centrão calcula o peso e a medida do teto de gastos para aguentar quando ele cair de vez, o PT do ex-presidente Lula também precisa encarar essa pedra (ou rachadura) no sapato. O primeiro ano de governo de um personagem tão marcado quanto Lula, em especial por seu apelo social, não poderia ficar amarrado em um teto, principalmente no primeiro ano de governo.

COM POVO, SEM TETO Equipe econômica do ex-presidente Lula pensa em soluções para manter o controle fiscal, sem afetar investimento público. (Crédito:Ricardo Stuckert )

Mas o petista sabe também que chutar o teto é aumentar a incerteza do mercado, e ele não quer isso. Ainda que seu programa de governo não trate diretamente do tema, Lula tem recebido algumas ideias sobre como lidar com a limitação de investimentos determinada pelo teto. Uma alternativas envolve o tempo das restrições, mudando sua validade de um para quatro anos. Ou seja, o presidente teria uma gordurinha para gastar acima do teto e a liberdade de escolher quando e como o faria, ao longo de seu mandato. Segundo Back, da XP Investimentos, há na mesa ainda outra alternativa. “Ela surgiu nas primeiras discussões da campanha do Lula, que foi a ideia de excluir investimentos da meta de superávit primário. Mas o problema é que aí tudo vira investimento.”

Com esse cenário, o ele entende que será difícil que o mercado bote fé em uma política fiscal sólida e comprometida no próximo ano. “Não vemos nenhum tipo de explosão irresponsável com o fiscal acontecendo, mas vai ser pior: o mercado vai olhar o fiscal por um enquadramento aquém do que tínhamos em 2017.” Independentemente de quem chegar à frente na corrida eleitoral, o novo presidente do Brasil pegará uma casa com o teto rachado e poderá escolher simplesmente maquiar, reconstruir o telhado ou ignorar a rachadura que só cresce. E todas as alternativas terão impacto no lar de todos os brasileiros.