A maior parte das mudanças empresariais ocorre por necessidade, busca pelo progresso ou por uma causa. A transformação do Grupo ETG reúne esses três motivos, segundo o CEO Gabriel Rodrigues, brasileiro que comanda a companhia atuante nos Estados Unidos. Ele precisou deixar de lado sua vocação para apoio tecnológico de eventos esportivos e de entretenimento desde que essas atividades ficaram praticamente paradas em decorrência da pandemia de Covid-19. O faturamento de R$ 10,3 milhões em 2019 estancou no início deste ano. Para garantir novas receitas, voltou ao Brasil e incorporou à ETG a empresa Testes Moleculares, que presta serviços de testagem em massa.

A companhia utiliza a metodologia PCR, considerada no mercado como padrão-ouro no diagnóstico, pois a confirmação é obtida por meio da detecção do RNA do vírus Sars-CoV-2 na amostra analisada. O RNA é transformado em DNA, que é amplificado. Os processos são robotizados, com Inteligência Artificial. “No mundo esportivo vivemos sob pressão, com prazos curtos e cobranças por qualidade. É isso que trago para a área de saúde neste momento, que pode contribuir para o combate ao coronavírus”, afirma Rodrigues, que prestou serviços em edições do Super Bowl (final da liga de futebol americano), Oscar, Copa do Mundo, Olimpíadas e Jogos Pan-Americanos. “Também vejo esse trabalho na área da saúde como uma missão cívica.”

A empresa aposta em dois diferenciais. Primeiro, a capacidade de realizar 100 mil desses exames por dia, com resultados em cinco horas – geralmente esse tempo é de 24 horas a 48 horas. Segundo, a montagem rápida da estrutura, que pode ser itinerante. O primeiro laboratório da empresa está na cidade de Parauapebas, no Pará, onde estão sendo realizados 1,5 mil testes diariamente – 1,5% da capacidade da empresa. Os exames, que nas redes privadas de clínicas pelo País chegam a custar de R$ 200 a R$ 500, estão sendo realizados gratuitamente no município.

SOLUÇÃO ENXUTA Com 100 profissionais e custo de R$ 20 milhões, laboratório itinerante atende a 1,5 mil pessoas por dia em Parauapebas (PA). (Crédito:Divulgação)

Mas não existe mágica. A mineradora Vale é patrocinadora do projeto, promovido em parceria com a prefeitura local. Os moradores fazem o agendamento pela internet do dia e horário de atendimento e recebem o resultado pelo aplicativo no celular. Os casos positivos são notificados à administração pública para as providências sanitárias e de saúde. Na primeira fase do projeto, em execução, o objetivo é testar 18 mil pessoas, dos 210 mil habitantes, espalhados por 6.885 quilômetros quadrados. Até segunda-feira (22) a cidade registrava 8.941 infectados e 114 mortes por Covid-19. Para montar a unidade em Parauapebas foram comprados equipamentos modernos, principalmente dos Estados Unidos, que utilizam tecnologia de ponta com testes automatizados, robotizados e gerenciados por Inteligência Artificial. Isso permite a padronização de dados e proporciona rapidez na conclusão dos processos. São 100 profissionais envolvidos, entre atendentes, produtores, enfermeiros e biomédicos.

Agora, Gabriel Rodrigues procura outros parceiros para levar os laboratórios itinerantes para outras localidades do Brasil. O investimento em equipamentos e mão de obra gira em torno de R$ 20 milhões. “Como no esporte, sempre estamos atrás de patrocínio”, compara o executivo, que também tem desenvolvido técnicas para melhorar os processos já estabelecidos. Em estudos da Testes Moleculares, foi criado sistema de UV (ultravioleta) para esterilizar máscaras usadas pelos profissionais da saúde e, assim, evitar o desperdício de material. “Podemos contribuir com uma saúde mais eficiente”, afirma, ao criticar a falta de incentivo em ciência e pesquisa no território nacional.

A empresa tem um enorme campo de atuação no País, neste momento em que o coronavírus avança e ultrapassou 1,2 milhão de contaminados, com mais de 54 mil óbitos, até a quarta-feira 24. Mas e o pós-pandemia? Como a companhia se mantém? Gabriel Rodrigues afirma que há lacunas no setor de saúde para serem explorados, ao apontar a biologia sintética – ciência capaz de sintetizar organismos – para a produção de insumos e a própria tecnologia molecular, que tem sido cada vez mais utilizada para diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças. Biomédica e professora da Universidade do Vale do Taquari (RS), Gabriela Kniphoff da Silva Lawisch avalia que esse é um mercado em constante crescimento, principalmente para profissionais, pois as técnicas de biologia molecular têm se mostrado mais sensíveis, específicas e rápidas do que outras metodologias de diagnóstico. “As contribuições são imensas, principalmente no diagnóstico e na pesquisa”, diz a especialista, em publicação do Conselho Regional de Biomedicina da 5ª Região, que abrange o estado gaúcho e Santa Catarina.

GABRIEL RODRIGUES CEO diz que ainda há lacunas na área da saúde. (Crédito:Divulgação)

O trajeto, porém, pode ser árduo para a Testes Moleculares, já que pela frente terá de encarar gigantes e tradicionais companhias do setor de saúde, como a indústria farmacêutica. “É o caminho. Não é só Covid-19. Não sou paraquedista”, diz Rodrigues. Nessa trilha, tudo pode mudar novamente. Afinal, “nada é permanente, exceto a mudança”, como já dizia o filósofo Heráclito de Éfeso, 2.500 anos atrás.