Ao fechar em alta de quase 1% e bater os 67 mil pontos na quarta-feira 2, o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, voltou ao patamar que atingira em 17 de maio, antes da delação do empresário Joesley Batista, que levantou suspeitas sobre o presidente Michel Temer. Os investidores anteciparam uma situação que representaria outro resgate ao período pré-denúncia, de menor pressão sobre o chefe do Executivo. Desde que o teor das gravações de Joesley veio à tona, Temer teve o cargo ameaçado, o que interrompeu a agenda econômica e lhe obrigou a focar esforços exclusivamente para se manter no poder.

A sua permanência foi garantida na quarta-feira passada, horas depois de o pregão da B3 fechar, com o veto da Câmara ao pedido para investigá-lo por corrupção passiva, por 263 votos contra e 227 favoráveis ao prosseguimento da apuração. O peemedebista colocou à prova seus mais de 30 anos de experiência política e assegurou uma nova chance para avançar com a pauta de reformas necessárias à retomada do crescimento econômico. A economia e a estabilidade foram citadas pela maior parte dos deputados como argumento para apoiar Temer, bem como o fato de que ele voltará a ser investigado pela Justiça após a conclusão do mandato. Na prática, porém, os parlamentares responderam aos esforços de articulação do Executivo, com a tradicional distribuição de emendas parlamentares, ofertas de cargos e atendimento de demandas de bancadas e setores específicos.

Temperatura elevada: deputados de oposição discutem com governistas durante a votação da denúncia contra o Presidente Michel Temer (Crédito:Lula Marques/AGPT)

O governo teve de fechar os olhos para temas do Congresso caros ao ajuste fiscal, como a traição dos deputados no Refis, que relaxou as regras e reduzirá a arrecadação, e o adiamento da reoneração da folha de pagamentos. Não se tratava apenas de dar sustentação ao presidente, mas sim de abrir espaço para projetos estruturais, como a reforma da Previdência. “O Brasil está pronto para crescer ainda mais e o crescimento que começou, virá”, afirmou Temer após a votação na Câmara. “Aqueles que tentam dividir os brasileiros, erram.” Ainda que os riscos políticos permaneçam no radar e que o resultado tenha se descolado da opinião pública – 81% dos brasileiros defendiam a investigação formal do presidente, segundo o Ibope –, analistas enxergam uma nova janela ao governo. Temer pode voltar a contar com o benefício da dúvida do mercado.

A equipe econômica sabe que o intervalo é curto e já aproveitou para relançar o debate sobre a Previdência. Segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a votação deve ser finalizada até outubro. Meirelles sinalizou ainda com a apresentação iminente da reforma tributária. “Estamos trabalhando duro na reforma tributária e ela vai ser apresentada proximamente”, afirmou, na quinta-feira 3. “Se até lá a Previdência não tiver sido votada, a gente pode votar a tributária primeiro.” O placar da votação da denúncia era visto como um termômetro do apoio do presidente no Congresso e uma referência para a apreciação do texto que revisará as aposentadorias. Para que seja aprovado na Câmara, são necessários 308 votos a favor, em duas votações. Nas contas dos analistas, se consideradas as dissidências de PSDB e DEM na votação de quarta-feira, poderia se chegar ao número necessário para a Previdência.

Maratona de articulação: em semana decisiva, Temer dedicou a maior parte do tempo em contato com bancadas da Câmara. Na foto, com deputadas, na quarta-feira 2 (Crédito:Marcos Corrêa/PR)

Na sexta-feira 4, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmou que o placar da votação “dá segurança” para avançar nas reformas. “A Previdência é a agenda principal da área econômica.” São baixas, porém, as chances de que o texto atual da reforma seja apreciado. O mais provável é uma mudança mais tímida, com a instituição de idade mínima e a unificação dos regimes (leia mais aqui). “Não é o fim da crise política, mas o governo saiu vitorioso”, diz Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. “A habilidade no Congresso, o uso da máquina pública, para angariar apoio, tudo isso funcionou. Abre-se espaço para andar com a agenda econômica.” A reforma da Previdência é essencial para estancar a trajetória crescente da dívida pública. Sem ela, o governo corre o risco de estourar o teto dos gastos em 2022.

O cenário fiscal se mostra cada vez mais desafiador. O governo admitiu que pode revisar a meta de déficit deste ano. O rombo, atualmente previsto em R$ 139 bilhões, deve crescer. Os esforços agora são para que fique abaixo dos R$ 159 bilhões do ano passado. Vale lembrar que uma mudança semelhante, em 2015, pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, levou o Brasil a ser rebaixado pelas agências de classificação de risco de crédito (rating). Embora o mercado já viesse trabalhando com um buraco maior neste ano, esse risco não está totalmente descartado, principalmente se houver revisão também no número a ser perseguido em 2018. “O grande problema é que não estamos numa situação normal e, num cenário desses, a meta fiscal é importante”, diz Luis Otavio Leal, economista-chefe do banco ABC.

Fidelidade incondicional: o deputado Wladmir Costa (SD-PA) causou polêmica ao exibir tatuagem com nome do presidente (Crédito:Evaristo Sa / AFP Photo)

Segundo ele, a aprovação da reforma da Previdência poderia minimizar os impactos de uma revisão. “Teria um problema de curto prazo, mas uma âncora no longo. Se não tiver nenhuma das duas, qual é garantia de que a dívida ficará estável?” Mesmo parlamentares da base aliada reconhecem a resistência do Congresso em aprovar mudanças profundas. “O presidente demonstrou força e quórum suficiente para lhe garantir a governabilidade, ainda que o número seja apertado”, afirma o deputado Efraim Filho, líder do DEM. “Agora, será o caso de focar temas que envolvam maioria simples.” Entre os tópicos a serem resolvidos, estão a votação da medida provisória que cria a TLP, no lugar da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) e a reforma política, que deve ser aprovada até setembro, para servir de norte para as eleições de 2018.

BASE DE APOIO Reconfirmado no cargo, o presidente precisará dedicar tempo para recompor a sua base. Tanto para se preparar contra novas acusações da Procuradoria Geral da República, como para ganhar musculatura e prosseguir com as reformas. A votação escancarou o racha no PSDB – 22 deputados apoiaram o governo e 21 ficaram contra – e confirmou a fidelidade do bloco de siglas menores, o chamado Centrão. Um episódio caricato desta semana ilustrou bem esse apoio, em que o deputado Wladmir Costa (SD-PA) exibiu uma tatuagem com o nome de Temer. Costa foi um dos maiores defensores do governo na votação. “Quem é Temer mostra a cara e tatua no ombro”, ironizou no plenário.

Olho na meta: o ministro do planejamento, Dyogo Oliveira. Governo terá de decidir nos próximos dias se revisará a previsão do déficit (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Para o professor de Ciências Políticas da PUC-SP, Pedro Arruda, a margem do governo para angariar apoio da base deve diminuir, uma vez que o espaço se reduz no orçamento. “É preciso considerar os conflitos na própria base, com as disputas dentro dos partidos”, afirma Arruda. No curto prazo, o arrefecimento da crise política deve servir de novo empurrão para os níveis de confiança, uma medida que antecede decisões de investimento. Seria mais um ingrediente a se somar às perspectivas positivas de queda na inflação e nos juros. No mercado, já há quem acredite na Selic mais próxima de 7% ao final do ano. A redução no custo de capital deve começar a gerar maior estímulo para a atividade econômica a partir do terceiro trimestre e contribuir para catalisar o processo de retomada já demonstrado em alguns indicadores, como a produção industrial, que teve o melhor semestre em quatro anos.

“Os indicadores de atividade vêm dando notícias melhores”, afirma Ribeiro, da Tendências. “Com o resultado da votação e o governo colocando a agenda de reformas e de concessões, a expectativa é que a recuperação ganhe tração.” A consultoria, que já trabalhava com o cenário de permanência de Temer, prevê um crescimento de 0,3% neste ano e 2,8% para 2018. O veto à denúncia demonstrou a força do governo. Para os brasileiros, porém, o que mais importa é a capacidade que a gestão atual mostrará para encerrar de vez a recessão. O resgate da confianca poderá recolocar o País nos trilhos do crescimento.