A discórdia entre os membros do clã Maksoud ocupa lugar desconhecido entre a profundidade de romances russos e a pantomima de um programa de TV aberta, em que parentes brigam e se acusam sem pudor. Como disse Leon Tolstoi, “todas as famílias felizes se parecem; cada família é infeliz à sua maneira”.

Por isso mesmo, acompanhar cada novidade da disputa pela herança da família que construiu um dos hotéis mais emblemáticos do País, o Maksoud Plaza, desperta certa crueldade voyeur. No capítulo mais recente, em novembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) validou o casamento do empresário Henry Maksoud (morto em 2014) com Georgina Celia Maksoud, de 64 anos, pelo regime convencional de separação de bens, transformando a viúva em herdeira universal do patrimônio – estimado em pelo menos R$ 900 milhões.

Ao menos Claudio, um dos filhos do fundador, discorda da decisão e, segundo seu advogado, pretende levar a briga pela herança ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A 5ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP reverteu o entendimento anterior sobre o tema – de maio de 2018, pela 5ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo. Na ocasião, a decisão foi embasada na Lei 12.344, de 2010, que diz ser obrigatório o regime da separação total de bens em casamentos em que uma das partes tem 70 anos ou mais.

Em 2011, quando se casou com Georgina, Maksoud já passava dos 80 anos. “Mas, em 2ª instância, a Corte entendeu que a união estável entre eles vinha desde 1981. Ou seja, levou em conta a relação pregressa dos dois. Assim, ela tem os mesmos direitos que o resto da família em relação ao testamento. É uma decisão importante porque pode ter repercussão em outros casos pelo Brasil”, disse o advogado Márcio Casado, que representa Georgina e também Henry Maksoud Neto, atual administrador do hotel. “Após a decisão, Georgina me escreveu dizendo que para ela foi um acalanto. Afinal, foi o reconhecimento de 33 anos de união ininterrupta”, completou Casado.

A relação do empresário e Georgina começou em meados dos anos 1980, no período mais glamouroso, mais “Frank Sinatra” da história do Maksoud e da família, quando ela ainda era manicure do próprio hotel e fazia as unhas dele e também de sua mulher, Ilde. O casamento com Ilde terminaria em 2003 – e anos depois ele assumiria a relação com Georgina.

O clã. A morte de Maksoud, em abril de 2014, aos 85 anos, vítima de câncer no pulmão, é um ponto de partida para entender o imbróglio. No testamento, apontou Henry Maksoud Neto como seu sucessor nos negócios e determinou que 50% do patrimônio fosse dividido entre ele e Georgina. Os filhos do primeiro casamento, Roberto e Claudio, que foram excluídos da administração do hotel, não aceitam a condição e ainda pretendem dividir a herança só entre eles. Mais do que isso: Henry Neto, que viveu com o avô desde os 5 anos, não tem relação com o pai, Roberto. “Se tem relação, é de ódio”, disse uma pessoa próxima de Roberto.

Ao longo do processo, os filhos levantaram suspeitas sobre as condições em que o pai teria decidido o testamento, acusando Georgina de dopá-lo, falsificar sua assinatura e até de mantê-lo em cárcere privado. Como se não bastasse, em 2016, uma outra filha, Vera Lúcia Barbosa, fruto do relacionamento de Maksoud com uma cozinheira que trabalhava na casa da mãe dele, foi reconhecida como herdeira. Ela acabou “negociando” sua parte da herança.

E ainda não terminou. Claudio, tio de Henry Maksoud, vive no hotel da família há mais de 20 anos – mora lá graças a liminar. É dele um dos capítulos mais sem charme da saga. Ele acusa o sobrinho de tentar arrancá-lo do quarto em que vive de um jeito pouco convencional, promovendo cortes de energia elétrica, de ar-condicionado e impedindo que ele use uma série de serviços. “Chega a ser desumano. Claudio passa por problemas de saúde e precisa viver com uma aposentadoria de R$ 3,5 mil – já que ainda não tem acesso a sua parte da herança”, comenta o advogado Danilo Alexandre Mayriques.

Em nota, o Maksoud Plaza contestou a versão: Claudio tem “posse frágil, baseada em liminar – já há sentença determinando sua saída e pagamento de diárias e despesas adicionais” e não há permissão para “uso gratuito de serviços como lavanderia, internet, TV a cabo, telefonia, massagens, heliponto”. Ainda disse que não foi cortada a luz e que há ventilação no quarto. “Quanto à herança, é importante frisar que o inventário ainda está em andamento.”

Disputa sem fim. Mayriques, um dos advogados de Claudio, diz que a última decisão, que transformou Georgina em herdeira universal, “não faz sentido”. Ele afirma que os representes de Claudio já entraram com embargos declaratórios em relação à sentença. Depois, a ideia é recorrer ao STJ ou ao STF. Os representantes legais de Roberto não quiseram falar com o Estado, mas a tendência é que sigam a mesma linha de contestação. A novela continua.

ENTENDA

Auge

O hotel começou a funcionar em 1979 e logo virou referência de luxo e ostentação. Em 1981, Henry Maksoud contratou “o cantor mais famoso do mundo” para fazer show ali: Frank Sinatra. Após a apresentação, Sinatra declarou que aquele era “um dos hotéis mais sofisticados” que ele havia visitado. Também se apresentaram por lá artistas como Sammy Davis Jr., Buddy Guy, Ray Conniff e Julio Iglesias. Já em termos de hóspedes famosos, o hotel recebeu de Catherine Deneuve ao roqueiro Axl Rose.

Decadência

Uma administração considerada temerária, dívidas trabalhistas, brigas na família e o surgimento de muitos apart-hotéis em São Paulo deixaram o hotel em maus lençóis. A família quase perdeu o imóvel, que chegou a ir à leilão em 2008. Na época, não houve compradores.

Recomeço

Mais recentemente, o Maksoud iniciou um processo de recuperação. O hotel voltou a se transformar em um ponto de referência em São Paulo.