Como value investor, escrever sobre a Tesla é um verdadeiro contrassenso. Acredito que não há, negociando nas bolsas americanas, algo mais distante do conceito de Value Investing. Em geral, procuramos investir em empresas geradoras de lucro operacional, com histórico estável de pagamento de dividendos e que estejam negociadas em bolsa abaixo do seu valor intrínseco. Apesar de a companhia ter gerado lucro operacional nos últimos quatro trimestres, quando ajustados pela venda de créditos regulatórios os últimos dois teriam sido negativos. Sobre dividendos, nada a comentar. E sobre estar abaixo ou acima do valor intrínseco, o mercado parece ter a resposta: a ação saiu de U$ 200 dólares há um ano, para uma máxima de U$ 1.600 há poucos dias.

O mercado nem sempre está certo, mas não escutá-lo é um erro. Resolvi, então, revisitar o assunto.

Vamos começar pelo posicionamento competitivo e as tendências de mercado. Aqui as coisas são favoráveis à empresa, como já eram um ano atrás. A Tesla é first mover, ou seja, é a primeira empresa que, de maneira bem-sucedida, conseguiu colocar de pé uma linha de produção de classe mundial de veículos totalmente elétricos. Os carros são elegantes e bem projetados, e o modelo de entrada, o Model 3, custa cerca de US$ 35 mil, valor bem próximo da média de preço de carros novos vendidos nos Estados Unidos.

Quanto a tendências de mercado, a venda de carros elétricos tem subido ano após ano. Em 2019, foram vendidos 2,2 milhões de unidades, um crescimento de 400% em apenas quatro anos. O potencial desse segmento, no entanto, é muito maior: os carros elétricos representam apenas cerca de 2,4% do mercado global de veículos automotores.

Outro ponto importante: os investimentos em pesquisa e desenvolvimento necessários para a produção de um veículo elétrico passam, necessariamente, pela geração e conservação de energia. Esse fato em si gera outras linhas de negócios relacionadas a energia renovável e a baterias, que podem ser aplicados a uma série de outras indústrias. Quem entra no site da Tesla hoje vê, ao invés de modelos de veículos, a foto de uma casa com o telhado coberto por painéis solares. O título do banner diz: “Energia solar no seu telhado por apenas U$ 1,49/Watt”. Dá até a impressão de ter entrado no site errado.

O próximo ponto a ser analisado é o quanto o consumidor é fiel ao produto, ou seja, seu grau de customer captivity. Aqui entramos em terreno desconhecido: a olhos de agora, não se pode dizer o quão fiel o consumidor é à marca porque a competição ainda é muito baixa. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Tesla vende mais de quatro vezes o número de carros do que todas as outras marcas juntas. Podendo escolher entre um GM, BMW ou Nissan elétricos, é uma incógnita saber se o consumidor continuaria fiel à Tesla.

Nessa linha, o próximo ponto a ser analisado são as barreiras à entrada, ou seja, qual a facilidade que outras marcas teriam para entrar nesse mercado. Por ser uma indústria que usa capital de maneira muito intensiva, a concorrência seria naturalmente limitada. Além dos fabricantes tradicionais de veículos, no entanto, empresas de tecnologia como Apple e Amazon (para as quais capital não falta) poderiam facilmente querer se arriscar nessa aventura. Seria grande a probabilidade de um fiel consumidor da Apple trocar seu Tesla por um “Apple Car”. A fidelidade do consumidor à Apple, na minha visão, é muito maior que a fidelidade do consumidor à Tesla.

Finalmente, para qualquer value investor, a administração da companhia é um fator extremamente relevante. Aí entramos na personalidade polêmica, caótica e genial de Elon Musk. Em geral, tenho medo de gente que não tem medo. Elon Musk parece ser o tipo de pessoa que não tem temores, o que o leva a tomar riscos tais como investir em uma empresa de veículos elétricos – ou até mesmo em viagens espaciais. O sujeito que não tem medo de nada corre riscos exagerados, muitas vezes com chances não superiores a 50% de darem certo. Quando acertam, ficam bilionários. Quando erram, explodem. Correr esse tipo de risco não funciona em Value Investing. De qualquer maneira, o fato é que, por enquanto, o balanço é favorável a Musk: a Tesla acabou de se qualificar para fazer parte do S&P 500, o índice mais representativo do mercado de ações americano.

Há pontos muito positivos no modelo de negócios da Tesla, mas há também muitos riscos. Na minha visão, poucas coisas mudaram nesse balanço de um ano para cá. A única coisa que sofreu uma grande alteração foi o valor de mercado da companhia. Para valer perto de US$ 300 bilhões, tudo, mas absolutamente tudo, precisa dar certo. E isso é muito improvável.

A análise mais sensata que escutei sobre a Tesla vem de Charlie Munger, o sócio de Warren Buffett na Berkshire Hathaway. “Tenho dois pensamentos sobre a Tesla: eu nunca compraria a ação, mas também nunca a venderia a descoberto”. E foi além: “Nunca subestime alguém que se superestima. Acho que Elon Musk é peculiar. Ele pode se superestimar, mas não vai estar errado o tempo todo”.

Eu não poderia ter dito melhor. Musk pode até acertar, mas eu continuo sem querer pagar para ver. Boa sorte para ele.