Há algo de errado, muito errado, nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Não apenas porque o secretário do Tesouro, Paul O?Neill, disse há alguns dias que o Brasil não deveria ter ajuda do Fundo Monetário Internacional caso necessite dela. Nem pela grosseria que se seguiu, quando o presidente Fernando Henrique ligou no mesmo dia para queixar-se de O?Neill com George W. Bush e sequer foi atendido pelo presidente americano. Esses dois fatos são graves, mas não são tudo. Pior do que a irresponsabilidade de O?Neill, cujas declarações aprofundaram a crise de confiança financeira em relação ao Brasil; pior do que a desatenção de Bush, que, afinal, é o homem mais solicitado do mundo e não se sente à vontade com FHC; pior do que isso tudo é a sensação de os Estados Unidos estarem dando de ombros para o que se passa no Brasil. Aliás, estão de costas voltadas também para Argentina, Uruguai, Peru… e todos os demais países que não sejam úteis à cruzada antiterrorista em que os EUA estão metidos desde 11 de setembro. E se isso parece ruim, basta ligar para Mark Weissbrot, do Center for Economic Policy and Researche, em Washington, para descobrir que há hipóteses ainda mais sombrias. ?É pior do que negligência?, afirma o diretor da ONG americana. ?O governo americano e o mercado estão punindo a Argentina e enquadrando o Brasil de Lula. É para que o resto do mundo saiba que não haverá tolerância com a moratória ou com desvios da rota econômica liberal.?

Em outras palavras, a teoria conspiratória em curso diz que o País está sendo vítima de uma espécie de neoterrorismo, pelo qual as decisões da sociedade ou do Estado brasileiro ? na economia, na política e nas relações internacionais ? são sabotadas por ações coordenadas de agentes externos. Parece demais? Não quando se lê o artigo de Edwin Truman publicado na quarta-feira 26 no Financial Times. Nele, o diretor da Divisão de Finanças do Federal Reserve americano afirma que o Brasil necessita e deve ter ajuda ?abundante? do FMI e dos bancos privados durante a transição (que ele imagina turbulenta) até o próximo governo. Mas impõe uma condição: o FMI deveria solicitar ?por escrito? dos candidatos à Presidência uma declaração ?em que seriam definidas as políticas econômicas que seus governos adotariam em caso de vitória?. Especificamente, diz ele, o Fundo deveria exigir um superávit primário de 4,75% do PIB e a manutenção da ?política de metas inflacionárias realista?. É aceitar isso ou enfrentar a quebradeira, diz Truman. A comparação nem vale, mas se alguém tentasse extorquir algo semelhante dos candidatos à eleição presidencial americana seria taxado de quê? Louco? Terrorista?

Pois o artigo de Truman, segundo o empresário Mário Garnero, que acaba de voltar dos EUA, representa exemplarmente o pensamento da elite econômica americana sobre o Brasil: o País fez muito e fez direito, merece ajuda, mas tem de se ajudar aprofundando o ajuste e as reformas liberais. Ou… Garnero participou de uma reunião fechadíssima no Colorado, à qual estiveram presentes pessoas como Alan Greenspan, o vice-presidente Dick Cheney e Larry Lindsey, assessor econômico da Casa Branca. Lá, pôde constatar, primeiro, que o Brasil não está na lista de prioridades americanas. Segundo, que as pessoas que pensam o Brasil temem que o País esteja à beira do colapso, por causa dos frágeis fundamentos econômicos e das eleições. A elite tem consciência de que o Brasil é importante para eles ? foram US$ 60 bilhões de investimento direto americano apenas nos últimos cinco anos ? e que um escorregão brasileiro pode criar ondas capazes de sacudir os mercados financeiros globais. Mas a ideologia dominante na Casa Branca diz que não se deve fazer nada sobre isso. ?Eles estão testando uma nova doutrina?, afirma Diego Guelar, embaixador argentino em Washington. ?Ela diz que os países inseridos no mercado devem resolver seus problemas ou quebrar sem ajuda.? Assim, Argentina e Brasil teriam de pagar suas contas e se virar, sem esperar clemência ou apoio. Isso estaria por trás da rigidez quase fanática que transparece nas constantes declarações do secretário O?Neill sobre a Argentina. E mais recentemente sobre o Brasil. ?Não é acidente ou negligência. É doutrina?, diz Guelar. Na quinta-feira passada, Marco Damiani, diretor da Sucursal de DINHEIRO em Brasília, falou sobre o assunto com Willian Perry, ex-chefe do Conselho de Segurança dos EUA. O veterano insider sustenta que apesar dos percalços o Brasil é visto em Washington como uma ?ilha de tranqüilidade? e que a ninguém interessa que o País quebre. Tanto é assim que em meados de julho estará desembarcando em Brasília, para aparar arestas, o subsecretário de Assuntos Hemisféricos do Departamento de Estado, Otto Reich. Formado na escola do anticomunismo da América Central, ligado à comunidade cubana de Miami, ele terá oportunidade de verificar, in loco, que o Brasil é um país capitalista e amigo. E que Copacabana não fica na baía dos Porcos. Logo, não é o caso de agredir nem de virar as costas ao País.

* Com reportagem de Fabiane Stefano