Para muitos ambientalistas, o ano de 2019 foi o mais complexo na história da sustentabilidade brasileira. Não bastassem os problemas internos – queimadas na Amazônia, derramamento de óleo, defensivos agrícolas e outros –, a conferência mundial do clima COP25 não tirou um documento conclusivo. Ou seja, não há como cobrar alinhamento do governo com novas diretrizes em 2020. Com o ciclo de fracassos na pauta ambiental, fica a impressão de que o divórcio entre o governo e a biodiversidade do país vai continuar.

Para o presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, Ricardo Young, 2019 foi um ano marcado pela má vontade do governo com o meio ambiente. “Temos um presidente que enxerga a pauta ambiental com obscurantismo e não acredita em mudanças climáticas.” Ele qualifica a gestão de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, como oportunista e deselegante. “Salles é um político antissocial que só se interessa pelo dinheiro dos países desenvolvidos, e que mesmo assim tomou a decisão esquizofrênica de acabar com o fundo Amazônia.”

Para Young, a hipótese de que o governo não está gerenciando a causa ambiental com a devida atenção vai fazer a responsabilidade cair em outras mãos: a transformação em 2020 ficaria nas mãos dos setores produtivos e da sociedade civil.

Essa seria uma oportunidade de incorporar uma cultura de autogestão e responsabilidade, segundo avalia Deivison Pedroza, CEO do grupo Verde Ghaia. No entanto, ele admite que ainda existe uma falta de visão nas empresas brasileiras, que esperam por determinações legais para cumprir seus compromissos ambientais.

De olho no Congresso

Um fator crucial para 2020 são as pautas ambientais que devem ser votadas no Legislativo. André Lima, advogado e coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que acompanha de perto os assuntos que devem ser prioridade no Congresso, afirmou que no começo do ano devem ser votadas a MP 900/2019, medida que transforma as multas ambientais em fundos, e a MP 910/2019 que fala da regularização fundiária.

Outra pauta sensível que está na agenda é o Licenciamento Ambiental, que impactará empreendimentos econômicos, e, segundo Lima, já tem o aval de Rodrigo Maia.  Retornam ao congresso os seguintes temas: Código Florestal, que deve ter mudanças significativas, e a Lei de Pagamento de Serviços Ambientais, que regulamenta a possibilidade de financiar ações positivas para o meio ambiente.  “Se uma propriedade rural protege florestas além do que a legislação obriga, com esta lei será possível ter contratos com o poder público que viabilizem uma remuneração pela conservação de florestas”, exemplifica Lima.

Já a Lei de Saneamento, de acordo com Lima, deve ser cobrada pela sociedade com especial atenção para os candidatos às eleições municipais.

Empresas e ODS

Para os ambientalistas, o setor privado deve liderar os avanços em sustentabilidade para 2020.  Young destaca que o mercado exportador, especialmente de proteína animal, pode ditar as tendências, isso porque o comércio exterior está sujeito às regulações internacionais, mais restritivas.

A indústria, especialmente automobilística, deve assumir o desafio de ter menos emissões, investindo na produção de veículos elétricos.  Grandes marcas mundiais já tem o norte do mercado de carbono no seu radar e devem pautar suas montadoras ao redor do mundo com a mesma bússola.

Segundo Pedroza, a energia limpa e a economia colaborativa são valores de um novo comportamento do consumidor que veio para ficar. “Teremos uma era de consumo compartilhado (automóveis, bicicletas, patinetes), tudo isso deve interferir no processo industrial. As grandes montadoras vão começar a alugar”. Ele afirma que essas mudanças de comportamento do consumidor terão um grande impacto nas cadeias produtivas de alimentos, embalagens e setor automotivo. Outra tendência será a democratização de energia fotovoltaica, que deve se tornar mais popular entre os setores de baixa renda.

Segundo Young, alguns Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), projetados pela ONU, devem pautar 2020.  Entre estes: ODS 11 (cidades sustentáveis), ODS 6 (água e saneamento), ODS 15 (que levanta discussões sobre florestas) e ODS 3 (saúde e bem-estar).

Desafios

O Brasil iniciará o ano com desafios. Para começar, de acordo com os especialistas, precisa limpar sua imagem internacional nas questões ambientais. Depois, fazer valer o cumprimento da lei de Resíduos Sólidos, o que pode provocar uma mudança de mentalidade dos brasileiros sobre reciclagem.

Um assunto que gera preocupação entre os especialistas é o Acordo de Paris e a redução de emissões. Segundo Pedroza, o controle da poluição por partículas de CO2 não tem sido feito de forma correta desde 2001.

Para Young, serão necessárias duas décadas para o Brasil ter uma economia 100% sustentável. Contudo, 2020 apresenta um terreno fértil para implantar iniciativas inovadoras nas áreas de tecnologia limpa, biossegurança e biotecnologia.

Pedroza enxerga uma saída no estabelecimento de um Compliance de Sustentabilidade. “Atualmente as empresas têm o departamento de compliance totalmente desconexo do de sustentabilidade, colocando as instituições sob riscos de cometer crimes ambientais, e de não atualizar as licenças”, diz.

O estabelecimento de um Compliance de Sustentabilidade pode auxiliar as empresas a enfrentar as burocracias da legislação ambiental brasileira. De acordo com Pedroza, o Brasil é uma fábrica de normativas. Atualmente existem em torno de 64.212 normas ambientais vigentes no país. Dessas, cerca de 11 mil são federais, 22 mil estaduais e 28 mil municipais.  Enquanto o setor empresarial luta para lidar com o entendimento das burocracias, Pedroza destaca que é preciso construir um sentimento de empatia social, com educação ambiental nos lares e nas escolas.

“Vejo melhorias em 2020, por motivo das eleições municipais, porque a sociedade civil deve cobrar mudanças a partir das ODS”, conclui Ricardo Young.