O mundo está com azar. A crise asiática havia ficado para trás, a nau da economia americana parecia ter contornado os rochedos da recessão, mas eis que surge no horizonte uma nuvem de areia: a crise do petróleo. Na quinta-feira, 7, as cotações do óleo no mercado de Nova York atingiram a cifra economicamente obscena de US$ 35,39 por barril. Foi o preço mais alto desde o início da Guerra do Golfo, 10 anos atrás. Quando se lembra que o barril custava US$ 10 no final de 1998, é fácil entender o impacto devastador que a multiplicação dos preços terá sobre a economia global, que consome 76 milhões de barris por dia. A expressão que resume tudo é choque do petróleo. O primeiro foi em 1973, o segundo foi em 1979. Agora está em curso o terceiro ? e o resultado é quase pânico.

 

?Esses preços são inaceitáveis?, disse, na quarta-feira, o secretário americano de Energia, Bill Richardson. Seu país, maior consumidor mundial, já sofreu com a alta do petróleo um impacto inflacionário de 1%. A situação é tão grave que o presidente Bill Clinton e seus auxiliares estão engajados numa intensa diplomacia de DDI com o objetivo de convencer os 11 membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo, a Opep, a elevar a produção de óleo. Na quarta-feira, Clinton ouviu do príncipe saudita Abdullah Bin Ablulaziz, dono das maiores reservas mundiais, que seu país apoiaria a elevação da produção da Opep em 700 mil barris por dia. O sentimento anti-Opep é tão intenso que a União Européia (EU) cogitou denunciar os países do cartel à Organização Mundial do Comércio. Desistiu na última hora, mas ficou o aviso. ?A mensagem é política e alguns países da Opep já entenderam?, disse Loyola de Palácio, vice-presidente da Comissão de Energia da UE. A elevação dos preços dos combustíveis já está causando uma greve nacional de caminhoneiros na França. ?A situação já é desastrosa e as previsões são desalentadoras?, resumiu, na quarta-feira, o diário espanhol El País.

Enquanto isso ocorre no Hemisfério Norte, no Brasil o cenário se anuncia pior. O especialista escocês Thomas Wälde, da Universidade de Dundee, suspeita que a alta dos preços não vai parar por aí: ?Não elimino a possibilidade de aumentos que elevem o preço a US$ 40. E mesmo se os preços continuarem onde estão, já vai significar uma queda acentuada no PIB das economias emergentes?. Ele sublinha: ?Acho que o Brasil é a principal vítima do petróleo mais caro.? Economia industrial de vulto, consumidor que importa entre 20% e 25% do seu consumo diário de 1,5 milhão de barris, o Brasil é muito vulnerável em seu balanço de pagamentos. Entre janeiro e junho deste ano, por exemplo, houve um acréscimo de US$ 669 milhões na importação de derivados, embora o País tenha reduzido suas compras de 11,5 para 8,7 milhões de toneladas. Se a sangria continuar nesse ritmo ? e ela não deve arrefecer antes de seis meses, quando eventuais elevações de produção serão sentidas ? o ex-ministro Shigeaki Ueki, consultor mundial de energia, prevê um rombo adicional de quase US$ 4 bilhões nas contas nacionais. Na Agência Nacional de Petróleo (ANP), porém, refina-se otimismo oficial. ?Esse é um movimento especulativo temporário e o governo não vai decidir com base nele?, afirma Luiz Augusto Horta, diretor da agência. ?Quem fala em US$ 40 por barril está apostando na catástrofe.? Na semana passada, o ministro Alcides Tápias, do Planejamento, disse em São Paulo que a escalada do petróleo forçará a revisão para cima da meta inflacionária de 4% para 2001. O ministro Pedro Malan e o presidente do BC, Armínio Fraga, desmentiram-no imediatamente, mas a afirmação de Tápias reverberou. ?Se o petróleo se aproximar ainda mais de US$ 40, a meta terá mesmo de ser revista?, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp.

Se existe uma vítima principal da alta do petróleo ? o Brasil ? existe também um algoz. É a Opep. Foi o cartel do petróleo quem ergueu os preços até os cumes atuais, que a própria indústria considera ?aberrantes?. Neste final de semana, em Viena, os 11 membros da organização estavam reunidos para decidir o que fazer. Para que o mercado se aquiete, calcula-se que seria necessária uma oferta adicional de pelo dois milhões de barris, mas não é provável que a Opep chegue a isso. Em parte, porque não quer correr o risco de os preços despencarem repentinamente aos níveis de 1998. De outro lado, porque seus membros mais pobres precisam de dinheiro. ?Durante 100 anos vendemos petróleo barato e não ganhamos dinheiro?, afirma o presidente Hugo Chávez. Ele sustenta que os preços pagos pelos consumidores de derivados se devem aos impostos e à política de retenção de estoques das grandes companhias petrolíferas. Já o mercado sustenta que os preços subiram, sim, por conta do cartel, mas que isso só foi possível graças à conjunção de vários fatores: crescimento acelerado da economia americana e européia, recuperação rápida da Ásia e desativação de parte da produção mundial quando o preço estava no fundo, 18 meses atrás. Resulta disso que os estoques americanos estão 39% abaixo do normal, quando deveriam estar repletos para o inverno. Teme-se que se houver uma nevasca temporã os preços poderão disparar a US$ 40 ? levando com eles a esperança de crescimento na economia global em 2001.

Se o passado serve de exemplo, a linha dura da Opep não deveria rejubilar-se com a situação. No início deste século, o Departamento de Justiça americano destroçou a Standard Oil, fundada e dirigida pelo legendário John D. Rockefeller, quando a empresa tentou elevar seus preços. Já pesavam sobre ela toda sorte de acusações de práticas monopolistas e abuso de concorrência, mas não havia apoio popular para processá-la ? pelo simples e bom motivo de que em 20 anos a empresa derrubara os preços da gasolina de 23 para 7 centavos de dólar o galão. Todos sabiam que Rockefeller era um monstro contra seus concorrentes, mas não ligavam. Quando ele pareceu agir como monstro com os consumidores, jogou-se a polícia contra ele. É assim que funciona. Preço. Em 1990 os Estados Unidos moveram seus exércitos para garantir que o Iraque não controlaria o petróleo do Kuwait. Na semana passada, os europeus cogitaram de chamar a OMC contra a Opep. Se a Opep abusar do seu poder de cartel, alguém pode chamar a polícia. Ou o exército.