UEM SOMOS? DE ONDE viemos? Por que estamos aqui? As três questões que regem a existência da humanidade já levaram muitos ao divã de um analista. Mas o que diria Sócrates, incansável formulador de tais perguntas e grande crítico da riqueza material, se soubesse que um dos males que mais afligem a psique do homem hoje é justamente aquilo que ele mais abominava? O dinheiro. Endividamento sem controle, consumismo exacerbado, avareza em excesso, vício em Bolsa de Valores e tantos outros distúrbios parecem invadir o cotidiano das pessoas. Muitos não se dão conta de que se trata de uma patologia até o momento em que seu comportamento começa a afetar a vida das pessoas ao seu redor. Outros precisam de um baque profissional para perceber até que ponto o dinheiro domina suas vidas. A terapia financeira, ainda pouco difundida no País e com número escasso de profissionais especializados, surge como uma opção para o investidor sanar suas inquietações pessoais, que muitas vezes se originam em sua relação com o dinheiro.

Um dos distúrbios mais comuns é a oneomania, também conhecida como compulsão por gastar. Na sociedade consumista atual, o dinheiro não é coadjuvante. Ora se está trabalhando para ganhá-lo, ora planejando onde gastá-lo. “A sociedade do consumo nos obriga a ir ao shopping para comprar o que não precisamos, com o dinheiro que não temos, para impressionar quem não conhecemos e ser aquilo que não somos”, filosofa o psicólogo Waldemar Magaldi Filho, autor do livro Dinheiro, Saúde e Sagrado (Ed. Soleto, R$ 39,50). Magaldi não atende somente pacientes com distúrbios relacionados a questões financeiras, mas admite que tais problemas têm estado assustadoramente presentes no cotidiano das pessoas que freqüentam seu consultório. São empresários, diretores e profissionais do mercado financeiro. Muitas vezes, não passam por apertos financeiros, mas isso não significa que dinheiro não seja um problema para eles. “Tenho um paciente que vem de uma família muito rica, mas não consegue aproveitar a riqueza. Quando vai a um restaurante caro, fica indignado com os preços e fica só pensando no lucro que os donos estão tendo”, conta Magaldi.

Histórias como essa não são tão recorrentes como a de pessoas endividadas que se afundam em depressão por não poder manter perante a sociedade a vida que costumavam ter. Nesses casos, se o distúrbio não for controlado, pode trazer conseqüências trágicas. Em 2003, o assassinato da família carioca Wunder chocou a opinião pública e levantou questões sobre até que ponto a imagem social domina os indivíduos. Empresário, Waldo Wunder estava afundado em dívidas devido à má gestão de sua empresa e a uma sucessão de empreendimentos falidos. Consumido pela depressão e o desespero de não poder manter o status social, executou a mulher e as duas filhas e se matou. Freud explica? Antes de chegar a esse extremo, ajuda clínica e prescrição de medicamentos podem ser vitais. “A psicanálise ajuda, pois esclarece como a cabeça do indivíduo funciona. Além disso, explica por que ele tem esse comportamento de consumo e quais são suas vulnerabilidades”, diz a psicóloga econômica Vera Rita de Mello Ferreira.
 

O empresário Fernando Maldonado Segarra, 42 anos, chegou ao ponto de precisar ser medicado. Problemas de gestão e fatores externos levaram seu negócio, a loja de equipamentos esportivos Training Tennis, à beira da falência. “Vi meu faturamento cair 50% da noite para o dia e eu não tinha reservas”, conta. Segarra vendeu seu carro, ficou inadimplente, tirou os filhos de um colégio caro e colocou-os em um mais barato. Os juros de renegociação de dívida com fornecedores consumiam todo o seu orçamento familiar e ele se desesperou. Além da terapia, se inscreveu no Grupo Dirigido de Psicodinâmica, criado pelo empresário Luiz Fernando Garcia, que ajuda executivos a enfrentar problemas nos negócios. Após o tratamento, sua situação financeira melhorou, mas ainda é difícil. “Descobri onde erro e quem eu sou”, diz. “E ainda pude ver o tanto de amor que existia dentro da minha casa. Se não fosse por isso, não teria conseguido superar.”

Ao contrário de Segarra, o empresário Ely Behar, 35 anos, não esperou chegar ao fundo do poço para procurar ajuda. Antes, aumentou as sessões de terapia para entender onde estava errando. “Sempre fui um planejador e tive uma relação saudável com o dinheiro. Tinha que entender o que estava acontecendo comigo”, afirma. A terapia reichiana surtiu o efeito esperado. “Eu não tive que fazer grandes mudanças no meu padrão de vida nem queimar as minhas reservas”, diz. Para quem se encontra em situação de endividamento e acha que é hora de terapia, terá que desembolsar, no mínimo, R$ 200 por sessão. Mas se ainda não é o momento de procurar ajuda psicológica, o livro Terapia Financeira (Ed. Gente, R$ 19,90), de Reinaldo Domingues, ensina uma metodologia de controle de gastos que pode ser aplicada por qualquer um. Domingues não é psicólogo, mas engrossa o coro dos especialistas. “Descobrir seu ‘eu’ financeiro é o pontapé inicial para encontrar o equilíbrio”, conclui.

“Somos viciados em crédito”

O especialista norte-americano Brad Klotz publicou no periódico da Associação Americana de Psicologia o estudo O tratamento do comportamento de distúrbio financeiro: resultados de uma tentativa clínica aberta. A terapia financeira ainda engatinha nos EUA, mas, com a crise, a demanda por ajuda aumentou. Ele falou à DINHEIRO:

Quais são os distúrbios financeiros mais comuns nos EUA?
O que vemos em Wall Street hoje já acontecia nas ruas do país muitos anos atrás. Somos uma nação de viciados em crédito. Uma família americana tem em média uma dívida de US$ 9 mil nos cartões de crédito. O excesso de consumo é, portanto, o mal que mais atinge essa população.

A crise vai mudar o comportamento financeiro dos americanos?
Isso depende de como eles reagirão. Alguns sairão da crise em melhor forma, outros com aumento de estresse, e há aqueles que não confiarão mais no sistema financeiro e não investirão mais em ações.

Qual é a parte mais difícil de um tratamento de terapia financeira?
Dinheiro é tabu em nossa cultura. As pessoas querem falar mais da vida sexual do que da saúde financeira. Quebrar o silêncio em relação ao dinheiro é a parte mais difícil.

Como não se deixar controlar pelo dinheiro se vivemos em uma sociedade consumista?
É desafiador, mas é possível. Pois já está provado que não há nenhuma relação entre dinheiro e felicidade. O que realmente faz uma pessoa feliz é satisfação no trabalho e nas relações afetivas.