Em meio a uma nova tensão entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e a oposição democrata, na Ucrânia há a preocupação de perder o apoio de seu principal aliado contra a Rússia.

Enquanto a Ucrânia se mostra prudente antes do primeiro encontro, nesta quarta-feira, entre seu presidente, Volodymyr Zelensky, e Donald Trump, em Nova York, os especialistas se preocupam com um eventual esfriamento dos Estados Unidos à medida que se aproxima uma cúpula crucial com Vladimir Putin.

“Há riscos, é claro”, admite o cientista político Volodymyr Fesenko. “Este escândalo se sobrepõe a toda a agenda bilateral”, lamenta Aliona Getmanchuk, diretora do Centro Nova Europa, em Kiev.

Donald Trump é acusado de ter pressionado Zelensky em uma ligação telefônica em julho para tentar prejudicar seu rival Joe Biden, vice-presidente americano de 2009 a 2017, atualmente favorito democrata para as presidenciais de 2020.

A oposição democrata suspeita que Trump, segundo revelações de um lançador de alertas membro dos serviços de inteligência americano, pediu para a Ucrânia uma investigação sobre a suposta corrupção que envolve o filho de Joe Biden e ameaçou suspender a ajuda militar em caso de rechaço.

Embora Trump tenha finalmente confirmado que a conversa tratou da acusação de “corrupção” contra Biden, negou ter feito pressão e classificou as acusações de “ridículas” nesta terça.

Hunter Biden trabalhou de 2014 a 2019 para o grupo ucraniano Burisma, grande produtor de gás que pertence a um oligarca pró-russo.

O grupo foi alvo de uma investigação dirigida por um procurador ucraniano, cuja destituição foi exigida por Joe Biden – grande promotor das reformas na Ucrânia durante sua estadia na Casa Branca.

Questionados pela AFP, dois especialistas ucranianos de energia indicaram não ter registro de nenhuma atividade – suspeita, ou não – de Hunter Biden na Ucrânia. Alguns veículos de imprensa consideram que sua presença no conselho de vigilância de Burisma deveria proteger a empresa de processos judiciais.

De acordo com o portal ucraniano Evropeiska Pravda, Trump “recomendou” a Zelensky “cooperar” em uma investigação sobre os Biden, sem exigir abertamente, nem ameaçar com a suspensão da ajuda militar.

Em resposta, o presidente ucraniano “deixou claro que não tinha direito nem poder para influenciar” na Justiça, afirma o site.

Diante do escândalo, a Presidência ucraniana ficou em silêncio, deixando as reações prudentes para Vadym Prystaiko, ministro de Relações Exteriores.

“Sei do que falaram, e acho que não houve pressão”, garantiu nesta sexta-feira Prystaiko, uma declaração replicada por Trump no Twitter.

– Parceiro vital –

O cientista político Volodymyr Fesenko celebrou a “boa reação” da Ucrânia de “não se envolver e comentar o mínimo” para preservar seus apoios republicanos e democratas.

A especialista Aliona Getmanchuk é, contudo, mais reservada e aponta que a “Ucrânia não verá nada de bom do governo antes do fim do primeiro mandato de Trump. E não estamos seguros de ter um bom começo se Biden ganhar a eleição”.

Os Estados Unidos são parceiros vitais para a Ucrânia desde a crise com a Rússia, que em 2014 anexou a península da Crimeia e apoia separatistas no leste ucraniano, em uma guerra que deixou mais de 13 mil mortos.

Os Estados Unidos impuseram sanções contra a Rússia, apoiando a Ucrânia política e financeiramente, principalmente por meio de assistência militar de mais de US$ 1 bilhão.

Nesse contexto, Zelensky deve se reunir pela primeira vez com seu colega russo, Vladimir Putin, em uma cúpula de quatro participantes, com França e Alemanha, para avançar no processo de paz na Ucrânia.

Como o presidente francês, Emmanuel Macron, iniciou uma aproximação com a Rússia, os analistas ucranianos temem que os ocidentais pressionem a Ucrânia a fazer concessões nessa reunião.

“Sem apoiar obrigatoriamente a Rússia, Trump pode assumir uma posição neutra”, que “seria do interesse de Putin”, estima Getmanchuk.

Para outros, o assunto poderia proteger a Ucrânia de qualquer “punição” americana. “Trump não se arrisca a fazer isso porque a mídia vê isso como uma vingança. E quem precisa de um novo escândalo antes da (eleição) presidencial?”, questiona Evropeiska Pravda.