Sem jornalistas na sede, nenhum contato e mascarados. Após cinco dias e quatro noites de negociações, marcadas por reprovações e divergências, os líderes europeus finalmente alcançaram seu plano de recuperação econômica.

– Sexta-feira, 17 de julho –

“É o nosso projeto europeu que está em jogo”, alertou o presidente francês, Emmanuel Macron, ao chegar a Bruxelas para a primeira cúpula presencial desde o confinamento.

Na sala do Conselho, distantes um do outro, 24 homens e cinco mulheres de máscara se cumprimentaram com cotovelos, acompanhados por no máximo quatro pessoas de sua equipe.

Dois eram aniversariantes: o português António Costa (59) e a alemã Angela Merkel (66), que ganhou vinho, chocolates e um exemplar de “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago.

Merkel previu negociações “muito difíceis”.

O holandês Mark Rutte, líder dos países “frugais” – Holanda, Dinamarca, Áustria e Suécia – que defendem um plano menos ambicioso, viu apenas “50%” de sucesso.

O dia começou suavemente, por sete horas. Tudo ficou tenso no jantar, quando Rutte definiu uma condição: direito de veto para o desembolso da ajuda do plano de recuperação.

Sua posição, vista como “muito dura e pouco construtiva”, irritou seus colegas. Ele descreveu “um ambiente um tanto febril”.

– Sábado, 18 de julho –

Os “frugais”, inflexíveis, incomodam.

“Todos devem fazer pequenas concessões. Alguns países não entendem”, disse um diplomata. “Estamos em ponto morto”, assegurou o italiano Giuseppe Conte.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, apresentou uma nova proposta de consenso com acenos aos “frugais”, como controle mais rígido dos planos nacionais, mas com mais nuances do que o de Rutte.

Os líderes discutem o assunto com Michel, ao longo do dia, no 11º andar da sede do Conselho.

No final do jantar, Macron e Merkel se reúnem com os líderes desses países e da Finlândia. A reunião é “muito difícil”, a ponto de ambos decidirem sair.

Boatos de que Macron pediu que preparassem seu avião, caso decidisse retornar para Paris. Um holandês ironiza: “Ouvi dizer que Rutte pediu para inflar as rodas de sua bicicleta”.

– Domingo, 19 de julho –

“Existe muita vontade (…) mas é possível que nenhum resultado seja obtido hoje”, disse Merkel no domingo, visivelmente pessimista.

As discussões bilaterais continuam, com um golpe baixo. Alguns líderes “frugais” alertam os países do sul que, “sem acordo, terão o mercado financeiro contra eles na segunda-feira”, relatou um diplomata.

Às 19h, Michel convocou os 27 para um jantar de trabalho com uma mensagem: “Através da ruptura, apresentaremos o rosto de uma Europa fraca, minada pela desconfiança”.

Irritado por três dias de discussões estéreis, Macron atacou o “egoísmo” dos “frugais”, que “colocam em risco o projeto europeu”. E voltou a ameaçar abandonar as negociações.

Comparou Rutte ao ex-primeiro-ministro britânico David Cameron por sua posição dura nas cúpulas, que não impediu o Brexit. E criticou o austríaco Sebastian Kurz por se levantar, em pleno jantar, para atender uma ligação.

Pouco antes da meia-noite, Michel suspendeu o jantar por 45 minutos. A pausa durou seis horas, marcadas por novas bilaterais.

Outro boato começa a se espalhar. Os “frugais” estariam divididos. Resposta imediata: uma foto de todos eles, sorrindo no Twitter.

– Segunda-feira, 20 de julho –

Às 6h, Michel reuniu os 27 novamente para anunciar uma proposta revisada dentro de oito horas, tempo de dormir um pouco.

Kurz sai cedo do Conselho, comemorando um “resultado muito bom” e magnânimo com Macron: “É compreensível que algumas pessoas, quando não dormem muito, acabem perdendo os nervos”.

“Não estamos aqui para sermos convidados para aniversários (…) Cada um está aqui para defender os interesses de seu próprio país”, disse Rutte à imprensa holandesa.

Macron foi mais “cauteloso”, mas admitiu que, apesar de “momentos muito tensos”, existe um “espírito de compromisso”.

A dinâmica parece ter mudado. Após mais um dia de negociações bilaterais, Michel finalizou sua nova proposta, que apresentou aos 27 no jantar, mas “ainda há detalhes a fechar”, segundo uma fonte europeia.

– Terça-feira, 21 de julho –

Às 5h31 (00h31 de Brasília), Michel tuitou “Acordo!”, depois de mais uma noite sem dormir. As negociações duraram mais de 90 horas.