O executivo mineiro Roberto Carvalho passou os últimos 32 anos com um crachá da Samarco pendurado no bolso da camisa. Entrou para o quadro de funcionários da companhia assim que recebeu o diploma de engenheiro pela Universidade Federal de Ouro Preto, na primeira metade da década de 1980. Torcedor de carteirinha do Cruzeiro e devoto de Nossa Senhora da Conceição, desde o acidente com a barragem da empresa, Carvalho passou a ser visto com mais frequência na Igreja Matriz de Ouro Preto, tradicionalmente frequentada por turistas interessados em conhecer as obras de Aleijadinho (1730-1914). “É naquela igreja que me casei e onde dobro os joelhos para fortalecer e renovar minhas esperanças, principalmente em um momento difícil como o que estamos passando”, disse Carvalho, que assumiu a presidência da Samarco, após o afastamento do presidente Ricardo Vescovi, dois meses depois do acidente. “Afinal, sem fé a gente não conseguiria seguir em frente.” Acompanhe, a seguir, os principais trechos de sua entrevista, concedida na cidade mineira de Mariana.

Por que o sr. aceitou a presidência no momento mais difícil da empresa?
Não tinha como recusar. Comecei minha carreira nessa empresa, em 1985. Além disso, a Samarco sempre enfrentou desafios. Toda vez que a Samarco faz uma grande expansão, surge alguma crise.

O que causou o acidente, incompetência ou imprudência?
Vou te falar o mesmo que falei em depoimento no Ministério Público Federal. Sou diretor da Samarco desde 2001. Participei de todas as reuniões de conselho da Samarco, sem nenhuma exceção, na Austrália, na Europa, em Dubai. Nunca foi citado, nunca, em nenhum momento, que a barragem estava em risco. Dentro de nosso sistema de governança, nós tínhamos uma equipe com geotécnicos do Brasil, do Canadá, do mundo todo, que vinha pelo menos uma vez por ano para avaliar tudo que estava sendo feito na barragem. Então, realmente todo mundo quer saber qual foi a causa do rompimento. Falar em combinação de uma série de fatores parece vago. Mas realmente foi isso.

Mas houve problemas durante a construção da barragem…
Tivemos um problema inicial no dreno, que foi reparado. Depois, houve problema em uma ombreira da barragem. Foram acontecendo coisas, como acontece em toda obra, mas foram corrigidas. Todas as correções seguiram as mais rígidas cartilhas de engenharia.

Mesmo assim, não foi suficiente para evitar uma tragédia…
Infelizmente, não. Desde o dia do acidente, nós assumimos a nossa responsabilidade. A barragem é da Samarco e somos responsáveis por ela. Nunca questionamos isso. Logo depois do rompimento, começamos uma gigantesca operação para alojar as famílias que ficaram desabrigadas. Então, tudo isso foi muito pesado. Desde o início, a gente entendeu a nossa responsabilidade, o impacto na sociedade e assumimos integralmente as ações de reparação dos danos e tentar, de certa forma, minimizar o sofrimento que foi causado. As vidas perdidas, infelizmente, não temos como recuperar, a não ser o esforço de resgatar os corpos. Uma situação muito difícil.

Se assume e lamenta pelos estragos, por que se recusa a pagar as multas?
São coisas distintas. As multas, no ambiente que elas foram emitidas, sempre geram muita controvérsia. Seja lá quem for multado, tem o direito de contestar e recorrer do pagamento, até mesmo de uma multa de trânsito. Então, uma coisa é assumir a responsabilidade. Outra coisa é pagar multas com valores que não concordamos. A Samarco não deixou de pagar porque não queria desembolsar o dinheiro. Nós desembolsamos mais de R$ 2 bilhões no ano passado em iniciativas de reparação. Colocamos os desabrigados em hotéis, depois alugamos e mobiliamos casas para eles. Todas essas ações custaram mais do que o valor das multas. Fizemos acordos com os municípios, com o Estado, com a União. Para pagar multas, temos de ter certeza de que aquele valor é adequado.

Essa postura não prejudica a restauração da imagem e da reputação da Samarco?
O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes. Poucos conheciam a Samarco. Depois do acidente, formaram opinião através das notícias na mídia, por tudo que foi publicado e exibido. Esse é um ponto que precisamos trabalhar. Fizemos estudos em várias regiões do País e percebemos que a grande maioria é favorável à volta das operações da Samarco. Mas a restauração da imagem é um trabalho gradual. A população recebeu as notícias negativas.

Então, o sr. acha que a imprensa tem sido injusta com a Samarco?
É difícil falar em justiça em uma situação como essa. Uma coisa que aprendi é que temos de entender as diferentes visões do problema. Uma coisa somos nós, que vivemos 24 horas da Samarco, outra coisa é uma pessoa que nunca ouviu falar o nome da empresa e assistir na televisão que o Rio Doce acabou. Que o Rio Doce morreu.

Não morreu?
O Rio Doce já estava em uma situação extremamente preocupante porque nenhum município ao longo rio faz tratamento de esgoto. O Rio Doce já estava com falta de água há muitos anos. A partir do rompimento, tudo passou a ser culpa da Samarco. Então, é difícil eu falar o que é justo ou injusto. Para mim, olhando só pela perspectiva da Samarco, acho que foi injusto. Muito se divulga o que foi danificado, mas não se mostra o que foi feito.

Mas o rompimento de uma barragem da Samarco matou 19 pessoas, destruiu um distrito, encheu os rios de lama, matou peixes, comprometeu o abastecimento de várias cidades. Ninguém foi preso, não pagou nenhuma multa…
É preciso esclarecer que a barragem é um mecanismo vivo. Existe todo um manual de operação de uma barragem, assim como um avião. Tudo que foi feito seguiu os mais rígidos critérios de auditoria e licenciamento existentes até então. Mas havia um processo que vinha acontecendo dentro da barragem que, em minha opinião, foi o ponto principal da causa do rompimento, que o monitoramento padrão não captou. A infiltração gerou um processo de liquefação. O pequeno abalo sísmico que aconteceu instantes antes, desencadeou o rompimento.

Como consertar esse desastre?
Sem dúvida nenhuma é o maior desafio pelo qual a gente já passou. Não tem nada que a gente queira mais do que reconstruir tudo que destruímos, principalmente a confiança da sociedade e de nossos empregados. Tem muita coisa que foge do nosso controle. Esse processo é complexo para todo mundo. Não tem um dia sequer que a gente não lamenta por ter provocado uma situação dessa magnitude.

Existe risco de um novo rompimento?
Nenhum. Depois do acidente, o monitoramento passou a ser totalmente diferente. Além do nível de água, se monitora qualquer deslocamento, por menor que seja, através de radares, de drones, de satélites. Então, isso é o aprendizado que fica após um episódio desses. Foi uma surpresa. Tinham coisas acontecendo na barragem que a gente não conhecia, e que agora teremos que conhecer. Fica o aprendizado de que as ferramentas que tínhamos ao nosso alcance não eram suficientes.

Por que a Samarco tem legitimidade para voltar a operar?
Porque nós temos a certeza e a garantia da segurança da nossa operação com essas ações que estamos executando. Não se pode abrir mão de um ativo desse, valioso. A Samarco faz falta para Minas Gerais, faz falta para o Brasil. A reputação terá de ser reconstruída, de forma segura e eficiente. Mas não existe forma de recuperar a reputação. A Samarco aprendeu com o erro, assim como quando uma companhia aérea sofre coma queda de um avião, corrige processos e segue em frente. Queremos demonstrar para a sociedade que reconhecemos a nossa responsabilidade, pedimos desculpas e queremos recomeçar.

Por quanto tempo as acionistas, Vale e BHP, vão bancar a Samarco parada?
Essa pergunta é difícil de eu te responder. Estamos mostrando para as acionistas que a Samarco tem condições de voltar a operar, uma vez conseguido as licenças. Até agora, os sócios têm nos suportado financeiramente, injetando recursos para capital de giro, investimentos e manutenção das despesas necessárias. No primeiro semestre, de janeiro a junho, desembolsaram 230 milhões de dólares. (Após a entrevista, a Vale divulgou uma linha de crédito de US$ 76 milhões à Samarco, e estimou outros US$ 174 milhões às ações da Fundação Renova. Os mesmos valores foram definidos pela BHP Billiton).

A empresa pode fechar?
A gente pensa em muita coisa. Mas, desde o início, a Vale e a BHP uniram esforços, o que nos deixou claro que teríamos o suporte deles.

Não saiu barato para a Samarco, do ponto de vista financeiro, esse acidente? A British Petroleum, por exemplo, pagou multa de US$ 20,8 bilhões pelo vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2015. A Samarco, até agora, não pagou nada…
A questão de multa, como eu disse, não quer dizer que vamos deixar de pagar. Esse é um processo que está acontecendo e que tem que ser solucionado, sem dúvida nenhuma. O acordo que fizemos não limita o desembolso. Não há um teto para os gastos. O acordo estabelece uma série de medidas para reparar o que precisar ser reparado. Então, onde não pudermos reparar, vamos compensar. Não estamos falando de cifras, mas de iniciativas.

Como a Samarco vai recuperar o Rio Doce?
Ainda está sendo discutido o que é melhor fazer com os resíduos depositados no fundo do rio. O rejeito não é tóxico. O que matou peixes foi asfixia pelo material em suspensão. Existe um grupo, com vários especialistas e ambientalistas, estudando o que é melhor fazer. Vamos entrar com máquinas dentro do rio e remexer o fundo? Isso pode ser pior. Em alguns trechos existe depósito de um metro de rejeito. Em outras partes, uma camada de 20 centímetros.

Quando, afinal, a Samarco volta a operar?
Eu já falei tantas datas, e não cumpri nenhuma delas. É muito difícil saber. A gente conhece um processo de licenciamento dentro de um ambiente normal, mas hoje não estamos em um ambiente normal. Depois do rompimento da barragem, tudo é mais difícil. Não é fácil conseguir nem mesmo uma simples assinatura de um fiscal ou de uma anuência de órgãos reguladores. Eles precisam ter segurança legal, política e social. Por isso, a volta da operação não depende apenas de nós, por mais que estejamos cumprindo tudo que está sendo exigido e que estejamos fazendo tudo o que precisa ser feito, mesmo sem uma determinação de fora. Mas eu sou otimista. Acredito que será em 2018.

Quando voltar a operar, como a empresa quer ser vista?
A Samarco tem condições de voltar e quer ser vista como uma empresa segura. Não haverá uma vírgula de dúvida em relação à nossa operação. A sociedade pode ter certeza que estará segura convivendo com a Samarco operando. Nenhum desafio se compara a esse, de reconquistar a confiança. Tenho pesadelos com o acidente. Perco o sono até hoje.