No começo do ano, as previsões da balança comercial avistavam um céu de brigadeiro. Falava-se em superávit de US$ 5 bilhões. Ao longo do ano, esse número foi encolhendo até que, na semana passada, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, reconheceu em clima de constrangimento que a balança comercial vai ficar no zero a zero. Ele, porém, não disse tudo. ?Poderá haver um déficit de uma ou duas centenas de milhões de dólares?, admitiu na quarta-feira, 25, a secretária de Comércio Exterior, Lytha Spíndola. A culpa é do petróleo, cuja alta dos últimos meses representou, segundo o governo, um peso de US$ 3 bilhões às importações do Brasil. Apesar do volume de petróleo e derivados ter diminuído em 6% este ano, segundo dados da Petrobras, a cotação internacional do óleo triplicou, acarretando o bilionário gasto extra. Outro fator que colocou as projeções ladeira abaixo foi o preço das commodities agrícolas, como café, laranja e soja, que não reagiram segundo o esperado. ?A combinação desses dois termos de troca foi muito desfavorável ao País?, diz Luiz Fernando Lopes, economista-chefe do Chase Manhattan. Este ano a situação só não vai pior para a balança comercial porque a Vasp, sem condição de bancar suas dívidas, devolveu aeronaves no valor de US$ 370 milhões, que nas contas externas entram como exportação. Outra ironia é que quem deveria promover o saldo positivo está indo contra ele. Há duas semanas, Tápias adquiriu um Porsche 911 Turbo, ao preço de US$ 296 mil, dando sua contribuição pessoal ao déficit da balança.

Biô Barreira

Horny, da Voith siemens: sem seguro e garantia bancária, a empresa não exporta máquinas
Durante 2000, o ministro veio a público e reviu suas previsões sobre a balança quatro vezes. Nas duas primeiras aparições, reduziu a meta de superávit. Na terceira, avisou que não iria mais palpitar sobre o saldo e na última, anunciou o empate. Trata-se do segundo ano consecutivo em que o governo, com ufanismo, promete superávit e não cumpre a meta. No início do ano passado, o Brasil teria um saldo positivo de US$ 11 bilhões, mas na verdade fechou o ano com déficit de US$ 1 bilhão. A dúvida, agora, é de quanto poderá ser o saldo negativo, principalmente em razão do aumento das importações por conta das festas de final de ano. O Citibank, que em janeiro trabalhava com o cenário otimista de US$ 3,5 bilhões de superávit, prevê hoje um déficit de US$ 1,1 bilhão até dezembro. Os números ruins já contaminaram até as projeções para 2001. O banco americano espera para o ano que vem um saldo negativo de US$ 1,6 bilhão. ?Por enquanto, o impacto do desempenho pífio da balança será compensado pelo investimento estrangeiro direto?, diz o economista Otaviano Canuto, professor da Unicamp. Segundo a Sociedade Brasileira de Empresas Transnacionais (Sobeet), o Brasil vai totalizar US$ 28 bilhões em investimento internacional até o fim de 2000, dinheiro utilizado para adquirir e expandir empresas brasileiras. O mesmo valor deverá se repetir no ano que vem. ?Se em 2002 a balança não der superávit, o cenário será terrível?, diz Canuto. Isso porque essa é a data que os especialistas acreditam que o fluxo dos investimentos estrangeiros começará a arrefecer, comprometendo o balanço de pagamentos, que desde o começo do ano mantém um déficit de US$ 24 bilhões.

A vida real das empresas que se dedicam à exportação também ajuda a explicar a frustração no resultado da balança comercial. ?É um mau negócio exportar no Brasil. Dá trabalho, custa caro e é burocrático?, diz Pedro Motta Veiga, consultor da Funcex. Outro problema que atormenta os exportadores brasileiros é a falta de seguro ao crédito. A Voith Silmens exporta máquinas que custam até US$ 100 milhões e são pagas em oito e dez anos. Como a empresa não consegue seguro para prazos tão longos, que no País é feito exclusivamente pela Sociedade Brasileira ao Crédito de Exportação (SBCE), a Voith comercializa apenas com clientes garantidos por bancos internacionais de primeira linha. ?Sem essas garantias não podemos exportar?, diz Edgar Horny, diretor-presidente da companhia. Esse efeito é pior para pequenas empresas como a indústria baiana Peval, que exporta US$ 6 milhões em mármores e granitos para os Estados Unidos. A empresa também abdicou da cobertura do seguro por conta do custo e das exigências da SBCE, que excluía a maioria dos clientes da Peval de cobertura. Sem o seguro, elas não têm acesso a linhas oficiais como Proex e BNDES-Exim. ?As pequenas e médias empresas vão ficar excluídas do mercado internacional?, avalia Reinaldo Sampaio, diretor-financeiro da empresa.

A saída é pela Ásia
O Brasil está buscando do outro lado do planeta uma alternativa para reanimar a estrangulada balança comercial. Este mês, o governo reiniciou o processo de aproximação comercial com países da Ásia, interrompido após a crise que abalou a região em 1997. Uma missão diplomática brasileira está percorrendo Japão, China e Coréia do Sul desde o último dia 12 para abrir o diálogo, mostrar as vantagens dos produtos brasileiros e do Mercosul e preparar a viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso à região, programada para janeiro. ?A retomada da aproximação entre o Brasil e a Ásia pode dar um novo impulso às relações comerciais?, diz o diretor-geral para Ásia e Pacífico do Itamaraty, Edmundo Fujita. A missão encabeçada pelo subsecretário de integração do Itamaraty, José Alfredo Graça Lima, vai encontrar laços comerciais frouxos. Exemplos:

? As vendas para o Japão caíram 28% entre 1996 e 1998 e são de US$ 2 bilhões.
? No caso da China, as exportações caíram 25% entre 1995 e 1999. No ano passado, foram de apenas US$ 905 milhões, 1,8% das vendas do Brasil para o exterior.
? As exportações para a Coréia do Sul sofreram uma queda de 44% desde 1996 e ficaram em US$ 467 milhões no ano passado.

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Estudo feito pelo governo e obtido por DINHEIRO mostra que, entre os fatores responsáveis por essa mudança, estão a relação de troca desequilibrada e o aumento do protecionismo na Ásia. Para o Japão, por exemplo, vende alumínio e café e importa bens de capital, automóveis e celulares. Com a Coréia do Sul a situação não é mais vantajosa. O quadro é o mesmo para os outros países. ?Os empresários brasileiros não estão explorando o potencial da região por causa da distância e do desconhecimento?, diz o embaixador do Brasil em Seul, Sergio Serra. Abrir as portas para os produtos brasileiros nesses grandes mercados consumidores não será tarefa fácil. O estudo do governo denuncia que ainda há muitas barreiras protecionistas a serem derrubadas por ali. Na Coréia, há um movimento contrário a produtos importados, sob estímulo do governo. Ele inclui a divulgação de informações falsas sobre a qualidade dos produtos importados e sobre a margem de lucro praticada em sua comercialização. Os técnicos do governo também detectaram problemas na inspeção aduaneira na China. ?As taxas cobradas sobre o mesmo produto podem variar entre os diferentes portos de entrada. Logo, o montante cobrado depende de negociações entre firmas e os agentes alfandegários chineses?, diz o texto. No caso do Japão, uma das reclamações diz respeito à quarentena que produtos agrícolas precisam fazer caso seja detectado insetos nas cargas. Conclusão do estudo: reverter a relação com a Ásia vai exigir, além das conversas sobre tarifas, a diversificação sobre a pauta de exportação brasileira.