Setores da indústria e do comércio veem como prematuro apontar a intensidade e a duração do impacto da pandemia do coronavírus na economia brasileira. Situação bem diferente à encontrada no mercado da aviação. Responsável pela injeção de R$ 131 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2018 (os números referentes ao ano passado não foram divulgados), o ramo adota estratégias para minimizar os efeitos da queda na demanda. Quadro delicado diante de cenário nada animador desenhado pela consultoria australiana Capa-Centre for Aviation. Os especialistas avaliam que a Covid-19 levará a maioria das empresas aéreas globais ao estágio de recuperação judicial até o fim de maio. Já as perdas mundiais em receitas no ano podem superar US$ 113 bilhões (R$ 587 bilhões pela cotação de quarta-feira 18), segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo. No Brasil, Azul, Gol e Latam devem deixar de arrecadar, no mínimo, R$ 7 bilhões, valor que pode aumentar à medida que a crise se estender. “É algo sem paralelo na história”, diz Thiago Carvalho, membro da Comissão de Direito Aeronáutico da Ordem dos Advogados do Brasil e sócio do D’Andrea Vera, Barão e Carvalho Advogados. “Nem os atentados de 11 de setembro (nos Estados Unidos) fizeram tamanho estrago.” Ele diz que é difícil avaliar o potencial de prejuízos da pandemia no setor aéreo ou mesmo em outros segmentos. Mas uma coisa é certa: “Os impactos serão dramáticos.”

A saúde financeira das empresas de aviação foi tema de discussão entre a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) e o governo federal. A entidade apresentou uma série de medidas que visam minimizar as consequências da Covid-19, como redução de PIS/Cofins sobre querosene de aviação, o fim
da incidência do imposto na venda de passagens aéreas, a desoneração da folha de pagamento, a redução nas tarifas do Departamento de Controle do Espaço Aéreo e Infraero, além da suspensão temporária dos pagamentos, entre outras reivindicações. Mas as primeiras medidas adotadas por parte da União estão longe de contemplar o que as companhias pedem. Na quarta-feira 18, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, afirmou que o governo vai alterar as regras de reembolso de passagens – por meio de Medida Provisória (MP), as empresas terão prazo de até 12 meses para devolução do dinheiro dos consumidores que fizerem a solicitação até 31 de dezembro –, os vencimentos de outorga previstos para este ano poderão ser liquidados até 18 de dezembro e serão postergadas as cobranças de tarifas de navegação das companhias, assim como os pagamentos programados para o período entre este mês e junho, que serão transferidos para setembro a novembro.

Enquanto isso, as empresas adotam estratégias para viabilizar as operações após a queda acentuada na procura por passagens. O pacote contempla redução da capacidade consolidada (diminuição da operação, do número de voos e de assentos ofertados), aumento do número de aeronaves em terra, suspensão de rotas e postergação de pagamentos. As decisões tentam aliviar a situação de um setor que acumula prejuízo de R$ 11,2 bilhões desde 2015 e visam evitar a falência de algumas companhias, a exemplo do que aconteceu com a Avianca Brasil em 2019. “Manter o avião no solo, por exemplo, impacta em economia de mão de obra e de combustível. O querosene de aviação corresponde a quase 30% do custo operacional”, afirma Carvalho. “Os encargos trabalhistas também não são baixos. Ao cortar emporariamente voos, a companhia minimiza perdas.”

AZUL A aérea interromperá as atividades em algumas de suas bases entre o dia 21 deste mês e 30 de junho. São os casos das praças de Bariloche (Argentina), Lages (SC), Guarapuava, Pato Branco, Ponta Grossa e Toledo (PR), Valença (RJ), Araxá (MG), Feira de Santana e Paulo Afonso (BA) e Parnaíba (PI). Também suspendeu os voos internacionais que partem de Belém, Belo Horizonte e Recife. Apenas os que saem de Campinas (SP) estão mantidos. A capacidade consolidada –a oferta do servico em si (voos e assentos) – foi reduzida entre 20% e 25% neste mês e poderá atingir 50% em abril e nos meses seguintes, até que a situação se normalize.

RESTRIÇÕES: Aéreas de todo o mundo enfrentam crise sem precedentes por causa do novo coronavírus e adotam medidas em três frentes: estender soluções aos passageiros, reduzir custos internamente e brigar junto aos governos por ajuda durante a crise. (Crédito:Alexandr Kryazhev)

A diretoria optou, ainda, pela não utilização de parte da frota de aviões e o adiamento da chegada de novas aeronaves. Medidas serão implementadas para diminuir o custo fixo de suas operações, que representa algo em torno de 40% do total de custos e despesas operacionais. Uma delas é a postergação do pagamento aos funcionários referente à participação nos lucros e resultados de 2019. “Continuamos focados no ajuste da capacidade, de acordo com a variação na demanda e na preservação de nossa posição de caixa durante esse período desafiador”, afirma o CEO da Azul, John Rodgerson. A companhia adotou plano de licença não remunerada, além de redução de salário de 25% dos membros do comitê executivo, suspensão de contratações e de viagens a trabalho. Antes da crise, a Azul operava 860 voos diariamente para 116 destinos.

GOL Na empresa,a situação não é diferente. A companhia monitora ativamente as buscas por passagens e tendências de vendas. Em fevereiro, observou efeito muito pequeno na procura por bilhetes com o avanço da doença. No entanto, nos últimos dias percebeu declínio mais significativo na demanda em todo o Brasil, o que a motivou a tomar providências mais drásticas, como a suspensão de todos os voos internacionais a partir de segunda-feira 23 até 30 de junho. A empresa voa para Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Estados Unidos, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname e Uruguai. A malha nacional também foi atingida. Será reduzida entre 50% e 60%, podendo chegar a 70% até meados de junho. A Gol operava por dia 750 voos, para 100 destinos nacionais e internacionais.

A companhia promete flexibilizar políticas de marcação e cancelamentos de passagens programadas para até o dia 14 de maio. “Tomaremos todos os cuidados para que haja alternativas flexíveis e convenientes”, afirma o vice-presidente de Vendas e Marketing, Eduardo Bernardes. Os planos de negócios serão mantidos em médio e longo prazos. O vice-presidente financeiro, Richard Lark, diz que “a estratégia nos guiará pelas próximas semanas”. Ele destaca a importância de ajustes para manter o equilíbrio do mercado e a retomada do crescimento após o período de volatilidade.

LATAM Na companhia, houve redução média de 70% nas operações diárias, sendo 90% na malha internacional e 40% na doméstica. Decisão que visa adequar oferta de assentos à demanda e também ao fechamento de diversas fronteiras, casos da África do Sul, Austrália, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, toda a Europa, Israel, Nova Zelândia, Paraguai e Peru. “Se as restrições de viagens, sem precedentes, forem estendidas nos próximos dias, não descartamos diminuir ainda mais as operações”, diz o vice-presidente de negócios e futuro CEO das empresa, Roberto Alvo. A empresa realizava 1,4 mil voos diários, para 145 localidades dentro e fora do Brasil.

Os clientes com os voos já afetados para destinos nacionais e no exterior e com partidas agendadas poderão reprogramar os bilhetes até 31 de dezembro sem custo adicional. Além disso, Roberto Alvo reforça a manutenção do trabalho para garantir a sustentabilidade a longo prazo do grupo e proteger os empregos dos 43 mil funcionários. “No entanto, a escala e a imprevisibilidade dessa crise dificultam a antecipação de resultados. É por isso que vamos exigir o apoio dos governos para superar a maior crise da história nos setores de turismo e aviação civil”, destaca o executivo.

PESSIMISMO Mesmo com todas as decisões adotadas pelas empresas, o especialista Thiago Carvalho não acredita que as medidas evitem demissões no setor, independentemente do apoio governamental. Carvalho cita o fato de as companhias já oferecerem licença não remunerada e colocarem os funcionários em férias. Ele lembra que a situação de risco atinge toda a cadeia do transporte aéreo, com destaque para as empresas de ground handling – aquelas dão suporte em terra para as aeronaves, os passageiros e as bagagens. Carvalho afirma ser prematuro falar em recuperação judicial das companhias, como acredita a consultoria australiana Capa, mas aponta “dificuldade gigantesca” para manter a saúde financeira. “O remédio pode vir por meio de medidas arrojadas do governo federal, que, se tiver um mínimo de sensatez, não vai permitir uma segunda empresa do setor quebrar em tão pouco tempo após a Avianca”, observa. “Seria trágico para o transporte doméstico, impactaria no mercado de trabalho e favoreceria a concentração, que é negativo para qualquer mercado e prejudicial ao consumidor.”