O crescimento constante da fabricante de calçados de conforto Usaflex chamou a atenção do setor nos últimos anos. Adquirida pela gestora de fundo de investimentos Axxon Group, em novembro de 2016, a empresa gaúcha viu o faturamento saltar de R$ 288 milhões à época para R$ 390 milhões em 2019 – avanço de 35%. Empolgado, o CEO Sergio Bocayuva projetava alta de 15,4% na receita deste ano (para cerca de R$ 450 milhões), mas o cenário mudou com o advento da pandemia. A previsão, agora, é de retração de 40% em 2020 (para R$ 234 milhões), com redução também no plano de expansão física, de 80 franquias para, no máximo, vinte. São 226 unidades no momento pelo País e a meta é chegar a 400 em 2023. “A operação foi muito prejudicada por causa da paralisação de quatro meses (março a junho). E a gente percebe que a retomada será lenta e gradual, talvez inferior ao que tínhamos programado”, diz o CEO.

A companhia é líder de mercado, com 70% de share na produção de calçados femininos de conforto e até 480 modelos lançados anualmente. Com a pandemia, a Usaflex demitiu 820 colaboradores, 25% da mão de obra, que era de 3,2 mil, e a produção foi reduzida de 25 mil pares diários para 18 mil. “Se, a partir de julho, o mercado do Sudeste (que concentra 70% das vendas) retomar o ritmo anterior à pandemia, consigo recontratar até setembro no mínimo 50% das pessoas dispensadas”, afirma Bocayuva.

Como aconteceu em praticamente todos os segmentos, o e-commerce cresceu. No caso, 250%. “Até as lojas que não reabriram continuam performando muito bem com as transações por WhatsApp”, diz. “Fomos um dos patrocinadores do Big Brother Brasil 2020. Como as lojas estavam fechadas na época, o nosso e-commerce vendeu muito.” Mas as transações no canal on-line ainda têm participação irrisória no faturamento, correspondendo a 1% (R$ 3,9 milhões) em 2019 e, neste ano, devem ser de 5% (R$ 11,7 milhões).

FRANQUIADOS A preocupação da Usaflex com a retomada se estende aos seus franqueados. A companhia vai consumir R$ 60 milhões até o fim do ano para financiar o sistema, em ações como apoio técnico e jurídico aos parceiros nas negociações dos contratos com os locadores das lojas. Além do Brasil, a empresa atua em 52 países, por meio de lojas multimarcas, além de 17 lojas licenciadas somente com produtos da Usaflex. No ano passado, as operações internacionais representaram 8% das vendas (R$ 31,2 milhões). Antes da pandemia, a previsão era de que essa participação chegasse a 10% em 2020.

Bocayuva acredita que 30% dos fabricantes do setor calçadista no Brasil (são 6 mil no total) vão quebrar por não terem diferencial competitivo e já trabalhavam com sistema de caixa e liquidez muito frágil. Para ele, a falta de alinhamento de uma estratégia para o combate da Covid-19 pelo governo federal prejudica bastante. “Existe uma incerteza aprofundada pela dinâmica de condução do nosso presidente que gera cria um ambiente conturbado”, afirma. “Mas, quando olho para o futuro, vejo que o Brasil tem enorme potencial. Sou muito otimista.” Apesar desse otimismo, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) prevê queda de 29% no setor em 2020. Serão fabricados 645 milhões de pares, contra 908 milhões de 2019. Segundo o presidente-executivo Haroldo Ferreira, o segmento deve perder até 57 mil postos (são 269 mil diretos) se a crise se mantiver – o setor já demitiu 36 mil pessoas. Esses passos para trás farão o segmento voltar aos patamares de 2004.