A manhã da quinta-feira 21 foi marcada por várias coincidências. A Polícia Federal executou mandados de prisão expedidos dois dias antes pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Bretas mandou encarcerar preventivamente o ex-presidente Michel Temer, Wellington Moreira Franco, ex-ministro das Minas e Energia de Temer, e mais oito indiciados, dois deles com prisões temporárias. Coincidentemente, Moreira Franco é padrinho da esposa do deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. E, coincidentemente, a prisão ocorreu dois dias depois de Maia ter batido de frente com o ministro da Justiça, Sérgio Moro. O presidente da Câmara empurrou para o segundo semestre a reforma na segurança pública proposta por Moro. Aquele que, coincidentemente, foi o responsável pela Lava Jato. No meio de tantas coincidências, uma consequência: a piora das expectativas do mercado. Às 13 horas da quinta-feira, dia 21, o Índice Bovespa estava a 95.700 pontos, queda de 2,3%. Na mesma toada, o dólar subia 1,9% para R$ 3,823.

A prisão de Temer tem relação com a campanha eleitoral de 2014. Em junho de 2018, o empresário José Antunes Filho, sócio da empreiteira Engevix, relatou que João Batista Lima Filho, mais conhecido como Coronel Lima, pediu a ele R$ 1 milhão para a campanha da chapa Dilma-Temer em 2014. Em troca do dinheiro, a empreiteira seria subcontratada pela estatal Eletronuclear para realizar obras na usina de Angra 3. Bretas já investigava os contratos milionários da Eletronuclear. Um dos acordos, de R$ 162 milhões, foi firmado com a empresa escandinava AF Consult que, por sua vez, tem a Argeplan Arquitetura e Engenharia como sócia no Brasil. O Coronel Lima é um dos sócios da Argeplan, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que ele é apenas um laranja de Temer. Ao ficarem sem mandato, o ex-presidente e Moreira Franco perderam a prerrogativa de foro privilegiado. Por isso, as denúncias foram enviadas à primeira instância.

Refazendo as contas:: a prisão de Michel Temer, Wellington Moreira Franco e mais oito investigados por corrupção não deve facilitar a aprovação da reforma da Previdência, que é só o que interessa ao mercado financeiro neste momento (Crédito:Reprodução/TV Globo)

Em dezembro de 2018, Raquel Dodge, procuradora-geral da República, denunciou Temer por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. São cinco apurações abertas e três delas envolvem a Argeplan. As outras duas envolvem a Fibria Celulose, que atua no Porto de Santos, com valores em torno de R$ 15 milhões, e PDA Engenharia, outra empresa do Coronel Lima. A Construbase, que também atua no porto, repassou R$ 17,7 milhões à Argeplan em 58 transferências suspeitas. Deve haver mais por vir. Em sua sentença, Bretas afirma que Temer é “líder de uma organização criminosa” que atua há mais de 40 anos no Rio. de Janeiro “Ele é o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos”, escreveu o magistrado.

MUDANÇA DE CENÁRIO Para os especialistas do mercado, os solavancos nos preços são mais que uma reação momentânea à notícia e podem indicar um ponto de inflexão, uma mudança em direção a um cenário mais adverso para a aprovação da reforma da Previdência. “Se os políticos interpretarem a decisão como um enfrentamento com o Congresso, isso pode agravar a crise institucional e atrapalhar a votação das reformas”, diz Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Corretora. O movimento foi amplificado pelo momento do mercado. Pablo Spyer, diretor da gestora de recursos Mirae Asset, diz que a bolsa estava caindo e o dólar vinha em alta desde o início do pregão. “A prisão exacerbou esses movimentos e ampliou a realização de lucros”, diz Spyer. Para ele, a notícia não teria o mesmo impacto na bolsa se ela não se encontrasse em sua máxima histórica. “Uma queda já era esperada antes desse evento, mas o movimento foi amplificado por conta disso”, afirma o diretor da Mirae.

Segundo Silveira, como as denúncias não são novas, há riscos de que a decisão da quinta-feira seja interpretada pelo Congresso como uma provocação deliberada, cujas consequências ainda são difíceis de prever. O MDB divulgou uma nota oficial logo após a prisão, em que critica asperamente a decisão. Na nota, o partido “lamenta a postura açodada da Justiça, à revelia do andamento de um inquérito em que foi demonstrado que não há irregularidade por parte do ex-presidente da República, Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco.” Já o senador Major Olímpio (SP), líder do PSL no Senado, colocou mais lenha na fogueira. “Com a prisão de Temer e de alguns de seus ministros, estaremos dando a certeza para a população brasileira que nós estamos no caminho de a lei ser cumprida”, disse ele. “Na Justiça, não interessa se é ex-presidente, ministro, membro do Poder Executivo, Legislativo e até mesmo do Judiciário, aí nosso interesse também na CPI Lava Toga”, disse Olimpio.

Enquanto as imagens do transporte de Temer em direção ao aeroporto de Guarulhos eram reprisadas nas telas das corretoras, os operadores já tentavam colocar no preço a probabilidade de uma eventual rebelião do MDB, que tem uma ala muito ligada a Temer, e do DEM, de Maia. Juntos, os dois partidos possuem 63 deputados, bancada maior do que os 52 do PSL de Bolsonaro. E esses votos podem fazer muita falta, ou custar muito caro, na hora de negociar os pontos da reforma.

Colaboraram: Hugo Cilo e Lucas Bombana