No fim de janeiro, o italiano Pietro Labriola, então CEO da operadora TIM Brasil, convocou os principais executivos de seu staff para uma reunião de última hora. A pauta não era o lançamento de um novo pacote de dados ou a compra da Oi. Tratava-se de uma despedida. Labriola queria agradecer pelo empenho do time desde que assumiu a presidência da operação, em 2019, e comunicar que estava de malas prontas para a Itália. Como um autêntico italiano, o executivo que até então era conhecido pelos colegas pela mão de ferro na gestão e por raramente distribuir elogios, chorou. “Não tive como não me emocionar nessa transição”, afirmou Labriola à DINHEIRO, em sua primeira entrevista como chefão global do grupo. “Trabalhei muito para construir uma empresa que pudesse ter o potencial para ser a líder, e só puder fazer porque tive um time incrível.”

A Telecom Italia terá de decidir se lança um plano de reestruturação, com venda de ativos e divisão em duas empresas, ou se aceita a proposta de venda parafundos internacionais (Crédito:Divulgação)

O retorno de Labriola à terra natal não será, muito provavelmente, enredo de um romance como Comer, Amar, Rezar — filme de 2010, protagonizado pela atriz Julia Roberts. O desafio será colossal. Com uma dívida de curto prazo de 29 bilhões de euros, a companhia terá de ser reestruturada por completo. E a complexidade da missão aumenta na medida em que as dívidas crescem na contramão das receitas. No ano passado, o faturamento da companhia foi de 17,7 bilhões de euros, 1,6% menor que os 17,9 bilhões de euros de 2020, mas quase 45% abaixo dos 30,7 bilhões de 2019, antes da pandemia. Para relembrar, a Itália foi o primeiro país europeu a ser atingido pela Covid. Regiões importantes, como Calábria, Piemonte e Lombardia impuseram um pesado lockdown de quase três meses para conter a doença.

UMA TIM QUE VAI MUITO BEM Com ações negociadas na B3 e na Nyse, a TIM Brasil dobrou seu valor desde 2017 (Crédito:Divulgação)

O sufoco da quinta maior empresa da Itália contrasta com os números da TIM Brasil, que tem 66,5% do seu capital nas mãos da Telecom Italia. Desde 2016, o valor de mercado dobrou. Passou de R$ 16,5 bilhões, em junho daquele ano, para os atuais R$ 33,4 bilhões. A TIM é vista como resiliente pelos investidores. Entre 2019 e 2020, a operadora ficou estável com receita anual de R$ 17,2 bilhões. Em 2021, de janeiro a setembro (balanço consolidado mais recente), o faturamento de R$ 13,2 bilhões representou crescimento de 5,3% em comparação com o mesmo período de 2020.

As cifras foram puxadas, principalmente, pelo aumento da base de clientes de telefonia móvel. Na modalidade pós-paga, a mais rentável para as operadoras, houve alta de 2,9% em número de linhas e de 5,3% em receita. Ao todo, a TIM Brasil chegou a 51,6 milhões de clientes no País, aumento de 0,9% no acumulado de janeiro a setembro. Somada a uma forte redução de custos operacionais, o lucro líquido no período disparou 21,4%, com R$ 474 milhões. A empresa, com a saída de Labriola, está sob a gestão de Alberto Griselli, desde 2019 o Chief Revenue Officer (CRO) da companhia.

As dificuldades da Telecom Italia e o desempenho positivo da TIM Brasil credenciaram Labriola para assumir a cadeira ocupada pelo compatriota Luigi Gubitosi por apenas oito meses. Ele havia sido escolhido pelo conselho em abril de 2021 para um mandato de três anos, mas acabou demitido por não conseguir implementar um plano de retomada. O clima tenso vai aumentar a pressão sobre Labriola por resultados rápidos.

TIM COM CARA NOVA Alberto Griselli, desde 2019 o Chief Revenue Officer (CRO) da companhia, assumiu a cadeira de Pietro Labriola (Crédito:Divulgação)

VENDE OU DIVIDE? A primeira prova de fogo vai ocorrer já em 2 de março, na primeira reunião do Conselho de Administração com acionistas sob novo comando. O CEO terá de avaliar como lidar com a oferta hostil do fundo de private equity americano KKR, feita em novembro do ano passado, de 10,8 bilhões de euros por 100% das ações da Telecom Italia. A proposta representa 0,505 euro por ação, um prêmio de 45% sobre o valor atual dos papéis da empresa. Outros dois fundos internacionais, o Advent e o CVC, também estariam prestes a propor uma oferta. Por enquanto, a proposta concreta do KKR estará condicionada à aceitação de acionistas donos de no mínimo 51% do capital. Os principais acionistas da Telecom Italia são a francesa Vivendi (23,7%), a estatal Cassa Depositi e Prestiti (9,8%) e a Canada Pension Plan (3,1%).
A Vivendi, que teria liderado o processo de demissão de Gubitosi e a contratação de Labriola, não considera a venda para a KKR um bom negócio. É nesse imbróglio que o executivo terá de agir. Em paralelo às negociações de venda ou de fragmentação do grupo no mundo, inclusive uma eventual venda da TIM Brasil ou separar em duas empresas as operações de internet fixa, o CEO terá de apresentar um plano de reestruturação. “Vou colocar à mesa alternativas, olhando para todos os stakeholders”, disse Labriola. “Qualquer mudança na companhia tem que olhar para os acionistas, para os funcionários, os sindicatos, o governo. Vamos planejar tudo isso.”

O que já está planejado por Labriola é o aprimoramento da qualidade dos serviços da companhia na Itália. Em um mercado maduro, disputado por quatro operadoras e 60 milhões de pessoas (28% da população brasileira), a TIM na Itália tentará convencer os clientes a gastar um pouco mais. Para isso, vai investir na expansão do 4G e do 5G, junto da inclusão de produtos adicionais aos planos. Uma das iniciativas será o serviço de concierge. Por menos de 3 euros adicionais, os clientes poderão acionar pelo call center um assistente para reserva de restaurantes, pesquisa de hotéis ou compra de bilhetes para shows. “Mais do que tentar convencer o cliente com palavras, teremos que mostrar a evolução da empresa com fatos concretos.”

EXPERIÊNCIA A estratégia de agregar serviços para ampliar a rentabilidade é algo que deu certo com a TIM Brasil. O segmento de pós-pago TIM Black Família, com plataformas de streaming embutidas aos planos, como Netflix e Deezer (música), e serviços de backup na nuvem já incluídos no pacote, representam 33% das vendas de pós-pagos desde o lançamento. “O pós-pago puro tem de ser um tipo de Mastercard Black. Tem que ser uma experiência, não um pacote de telecomunicação. Quem paga mais tem de ter um serviço a mais”, afirmou o executivo.

A resistência às necessárias mudanças que Labriola vai apresentar já está em formação pelos principais sindicatos italianos. “O que está ocorrendo é inaceitável. Precisamos promover uma forte reação dos trabalhadores do grupo. Diante desse cenário, a única saída é a mobilização”, afirmou Fabrizio Solari, presidente do Sindacato Lavoratori della Comunicazione, que lidera a pressão.

Na visão de Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada no setor, o aprimoramento da gestão, como ocorreu na TIM Brasil, será fundamental para garantir longevidade para as operadoras em mercados onde as receitas têm crescido pouco. “Mas, nos últimos anos, as operadoras têm melhorado muito suas margens, graças ao esforço para reduzir custos e melhorar seus processos operacionais”, afirmou Tude.

Se Labriola conseguir replicar nos próximos dois anos sua bem-sucedida estratégia na TIM Brasil, o executivo poderá ser reconhecido não apenas como o responsável pela consolidação da operadora no mercado brasileiro, mas também como o homem que salvou a Telecom Italia.

ENTREVISTA
Pietro Labriola, CEO da Telecom Italia

“Não será uma corrida de 100 metros. Será uma corrida de 5 mil metros” (Crédito:Bruno e Bia)

Sua ida para Itália estava nos planos?
No mapa de sucessão, sabia que eu poderia ser o candidato interno. Só não imaginava que essas mudanças aconteceriam tão rapidamente. O presidente do grupo na Itália, Luigi Gubitosi, foi nomeado em abril de 2021 como CEO para um mandato de três anos. Por isso, foi uma surpresa.

A nomeação se deu pelo seu desempenho à frente da TIM Brasil ou a indicação foi por uma linha de sucessão?
Na verdade, é um mix das duas coisas. Claramente, para ser CEO de uma companhia como é a TIM na Itália, preciso ter experiência como CEO de uma empresa cotada em bolsa. Quem nunca teve essa experiência, dificilmente chegaria ao cargo. Então, esse é o primeiro elemento. O segundo elemento é, sem dúvida, o meu desempenho no Brasil. Porque não podemos esquecer que a nossa empresa de 2015 até hoje dobrou o valor das ações, tendo um target price 50% maior do que o valor atual. Conseguimos também ter mais de 20 meses consecutivos de Ebitda. Como trabalho para o grupo há 20 anos, tenho um conhecimento muito grande da TIM na Itália. Claramente, foi preciso ter experiência, conhecimento da empresa, bom desempenho e habilidade para conduzir uma companhia aberta. Tudo isso pesou.

Dirigir a Telecom Italia será muito diferente do que foi presidir a TIM Brasil?
O contexto na Itália é um pouco diferente. No Brasil, somos um desafiante, um challenger. Na Itália, somos o desafiado, um incumbent. Somos o que sempre fomos, a operadora nacional. Temos a única rede de telefonia e internet fixa do país. Então, temos uma regulamentação muito mais forte comparada com a do Brasil.

E a Telecom Italia é muito maior do que a operação brasileira…
Sim. A TIM é a quinta maior empresa da Itália, depois da Enel, Stellantis…. No Brasil, somos a 27ª do País. Então, dá para se ter uma ideia da importância da TIM para a Itália. O desafio é muito maior. A complexidade é imensa porque também é uma empresa privada e com peso importante no sistema-país. Não estou dizendo que a TIM Brasil não é importante, mas as conexões da empresa na Itália são muito maiores.

O que precisa ser feito para tirar a companhia da dificuldade, com dívida de 29 bilhões de euros?
Muitas coisas. Não será uma corrida de 100 metros. Será uma corrida de 5 mil metros. Na Itália não terei cinco anos para fazer o que precisa ser feito. Tenho que fazer rapidamente, em dois anos. Tenho muita confiança no meu time italiano. Temos capacidade e conhecimento para fazer essa mudança. Estamos avaliando se faz sentido fazer a separação [spin off] da companhia. Além disso, nosso desempenho tem de melhorar. Um dos pedidos que recebi é reposicionar a empresa e melhorar as performances orgânicas. Uma parte muito importante para a solução final na vida da nossa companhia passará pela minha capacidade de alinhar os stakeholders: acionistas, funcionários, sindicatos e governo. Vamos planejar tudo isso.

Como atrair cliente e melhorar as margens num local concorrido e maduro?
Na Europa existem 220 operadoras de telefonia móvel e 80 de telefone e internet fixa. Mas na Itália existem quatro operadoras de telefonia móvel, com uma população de 60 milhões de pessoas. Isso é 28% da população brasileira. O território do Brasil é 27 vezes maior que o da Itália. Então, como as telecomunicações são um business de economia de escala, o desafio no mercado italiano é encontrar o retorno sobre o investimento. Por isso, estamos avaliando incluir no plano que tenho de apresentar no começo de março ao board uma modalidade que nos permita desenvolver uma economia de escala.

Qual vai ser a estratégia?
O desafio da Itália não é muito diferente do desafio do Brasil. Temos que conseguir explicar para o cliente que as telecomunicações são importantes no dia a dia. Para convencer os clientes, temos que entregar um nível de serviço cada vez melhor. Só assim vamos conseguir convencer alguém a gastar mais. Então, minha primeira missão é melhorar o nível de serviço. Os italianos têm que gostar de ficar na TIM porque nunca vão ter problema na ligação, no call center ou na conexão. Hoje, o celular é uma ferramenta importante de trabalho ou na vida pessoal. Se há problema, não posso te deixar 48 horas sem celular. Então, essa é uma microchave para iniciar a mudança.

Se pudesse voltar no tempo, o que faria diferente na TIM Brasil?
Muitas coisas. Sou um cara que coloca muitas coisas na mesa. Então, nunca vou dormir satisfeito. Reclamo sempre comigo mesmo que poderia ter sido mais atento, que poderia ter acelerado mais alguma coisa. Mas para não fazer uma lista, a principal reclamação que faria para mim mesmo é que eu deveria ter acelerado mais as estratégias no Brasil. Olhando para trás, vejo que a empresa estava no caminho certo, mas as coisas poderiam ter sido feitas de forma mais rápida.