Vinte e nove dias após assumir o cargo, o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão nesta sexta-feira em meio a divergências com o presidente Jair Bolsonaro. A saída de Teich no auge da pandemia do novo coronavírus expõe a fragilidade de Bolsonaro, que enfrenta uma crise atrás da outra na política e na economia e, com a popularidade em queda, já admite que precisará de apoio no Congresso para “salvar” o governo.

O presidente pretende fazer um pronunciamento na noite de hoje, em rede nacional de rádio e TV, para defender a volta à “normalidade” e o retorno ao trabalho no momento em que o desemprego cresce e partidos já se articulam para pedir o seu impeachment (mais informações na pág. A11). O estopim da nova crise – que levou à saída de Teich – foi a decisão do presidente de mudar o protocolo de uso da cloroquina no combate à covid-19. A doença já deixou mais de 14 mil mortos no País.

Pressionado a ampliar a prescrição do medicamento, apesar da falta de comprovação sobre sua eficácia para tratar o coronavírus, Teich já havia avisado Bolsonaro, na tarde de anteontem, que era preciso aguardar a conclusão de estudos científicos. Não adiantou: em transmissão ao vivo, naquela noite, Bolsonaro disse que faria a mudança no protocolo. “Quem manda sou eu”, afirmou a auxiliares. “Não vou ser um presidente pato manco.” Teich confidenciou a amigos que, naquele momento, já havia chegado ao seu limite e que tinha um nome a zelar.

No dia em que o governo completou 500 dias, Teich pediu demissão. Foi o nono ministro a deixar a Esplanada – o último deles havia sido o ex-juiz Sérgio Moro, que comandava a Justiça e, ao sair, há 22 dias, acusou Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. O caso motivou abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que agora se debruça sobre o conteúdo do vídeo de uma reunião ministerial, e pode abrir caminho para o afastamento do presidente ou um processo de impeachment (mais informações na pág. A12).

Nomes

O presidente almoçou ontem com a médica Nise Yamaguchi, defensora do uso da cloroquina em pacientes contaminados pelo coronavírus. O Estadão apurou, no entanto, que o diálogo não correspondeu à expectativa do Planalto e, com isso, a indicação dela para a vaga de Teich perdeu força. Outros nomes citados são os do deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex- ministro da Cidadania, e do almirante Luiz Froes, diretor de Saúde da Marinha.

Ontem à tarde, em um breve pronunciamento, Teich preferiu não polemizar com o presidente, embora também discordasse dele sobre outros temas. O médico sempre defendeu o isolamento social para evitar a disseminação da doença, enquanto Bolsonaro quer afrouxar a quarentena.

“A vida é feita de escolhas e eu hoje escolhi sair”, disse Teich. (mais informações nesta página). Em sua curta passagem pelo ministério, o médico foi várias vezes desautorizado por Bolsonaro. Na segunda-feira, por exemplo, ele se mostrou surpreso ao saber de um decreto incluindo salões de beleza, academias e barbearias na lista de atividades essenciais que deveriam reabrir. “É fogo, hein?”, lamentou Teich.

Em guerra com governadores e com o Supremo, Bolsonaro procura agora um ministro da Saúde com perfil conciliador, que possa ajudar o governo a vencer a batalha da comunicação, vista como perdida até aqui. Alçado à condição de ministro interino, o general Eduardo Pazuello terá a missão de assinar o novo protocolo da pasta, liberando o uso da cloroquina (mais informações na pág. A8).

“A única coisa que sei é que foi um mês perdido, jogado na lata do lixo”, afirmou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.

Pouco tempo

Ao se demitir nesta sexta, Nelson Teich se tornou o ministro que menos tempo ficou no comando da Saúde desde a redemocratização. Foram 29 dias. Ele comandou o ministério por menos dias até que um interino: José Carlos Seixas (35 dias, em 1996). Entre os ministros efetivos, o segundo na lista de permanências mais curta é Marcelo Castro (205 dias, entre 2015 e 2016). Outros três interinos lideraram o ministério por menos tempo: Saulo Pinto Moreira (10 dias, em 1993); José Agenor Álvares da Silva (15 dias, em 2016); e José Goldemberg (19 dias, em 1992). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.