A paulistana Adriana Barros criou a própria editora de livros para publicar as histórias escritas e ilustradas pelo filho autista de 14 anos. Maria dos Santos — ou Maria da Coxinha, como é mais conhecida nas ruas de Fortaleza — pagou os estudos do filho em uma faculdade privada graças às vendas do salgadinho, garantindo que ele fosse o primeiro da família com ensino superior. Brasil afora, essas histórias de sucesso e superação têm em comum o microcrédito. Esses pequenos empréstimos, concedidos para quem não dispõe de relacionamentos bancários tradicionais, são uma ferramenta eficaz para transformar a vida de famílias de baixa renda. As fintechs permitiram elevar a capilaridade do microcrédito de maneira exponencial. Com um clique do mouse investidores nos centros financeiros das grandes cidades conseguem ajudar pequenos empreendedores há quilômetros de distância.

“Sempre cito o exemplo da Maria da Coxinha porque foi o mais marcante em minha trajetória no microcrédito”, diz Bernardo Bonjean, fundador da Avante. A empresa concedeu um empréstimo inicial de R$ 1 mil para que ela comprasse um pequeno fogão a gás e começasse as vendas pelas calçadas da capital cearense. A concessão mais recente, de R$ 30 mil, permitiu à microemprendedora automatizar todo o processo produtivo. A venda do salgado saltou de 30 unidades por semana para quase cinco mil. “O caso dela deixa claro o valor do microcrédito, que é permitir o crescimento do negócio e, a partir daí, mudar a realidade de várias famílias”. Em uma visita a Maria, Bonjean perguntou qual era o sonho dela. A resposta foi que ele já havia sido tinha realizado. Ela trouxe, emocionada, uma foto do filho formado. “Praticamente todos os clientes dizem que seu maior sonho é oferecer uma educação melhor para os filhos”, diz o fundador da Avante. “Eles sabem o poder da educação para mudar a realidade”.

Bonjean fez carreira no mercado financeiro. Foi sócio do banco BTG Pactual e da XP Investimentos. Mas não estava satisfeito. Ele sentia que precisava contribuir com causas sociais em um país tão desigual como o Brasil. “Disputei muitas provas do rally dos sertões e visitei cidades do Nordeste sem nenhuma estrutura”. Durante as expedições, ele notou que haviam ali pessoas que só precisavam de um empurrãozinho para transformar um pequeno negócio em algo muito maior. Ao perceber essa lacuna, deixou o mercado financeiro e, há quatro anos, começou os primeiros microempréstimos. Desde então foram quase R$ 500 milhões para 150 mil tomadores. O tíquete médio é de R$ 2,6 mil com prazo de oito meses. A fintech tem como sócio estratégico a financeira Omni, que fornece o funding para as operações. A taxa de juros varia de 2,5% a 5% ao mês, a depender do risco do projeto, com inadimplência de 6% a 8%.

A taxa de aprovação do crédito é alta, próxima a 70%. Segundo o fundador da Avante, o acesso (por meio de redes sociais e afins) aos dados dos usuários é fundamental para uma análise qualificada. “Nossa proposta é atender uma fatia da população formada por cerca de 50 milhões de microempreendedores da base da pirâmide”, diz Bonjean. “Eles são uma das locomotivas do País, mas ainda invisíveis para o grande banco”. Para desenvolver um modelo de risco apurado, a fintech contou com o auxilio de profissionais versados sobre os padrões de consumo das classes menos abastadas. Um dos sócios é Raphael Klein, da família proprietária das Casas Bahia.

Lemuel Simis, da Firgun: “Oferecemos ao investidor a oportunidade de lucrar fazendo o bem e multiplicando oportunidades” (Crédito:Divulgação)

ORGULHO Em escala menor, mas com propósito semelhante, Fabio Takara e Lemuel Simis iniciaram em outubro de 2017 os microempréstimos com a fintech Firgun. Palavra de origem hebraica sem tradução literal, ela significa o “sentimento de orgulho e alegria ao presenciar a conquista de outra pessoa”. A expressão ilustra bem o negócio da Firgun — uma plataforma digital que conecta microempreendedores e investidores. Foi por meio da fintech que Adriana Barros levantou os recursos para montar a editora e contar as histórias do filho Arthur.

Desde a primeira operação, a fintech concedeu empréstimos de R$ 250 mil. O rendimento ao investidor pode chegar a 12% ao ano. Nada mau em um mercado em que a taxa de juros é a metade disso. “Há o conceito do crowdfunding, em que o investidor doa o recurso em troca de um produto ou serviço”, diz Simis. “Nós fazemos o crowdlending, em que o investidor empresta o dinheiro e o recebe corrigido.” O limite de retorno é estabelecido pela lei da usura, à qual a fintech se submete. Por não ser uma instituição financeira, a Firgun poderia ser enquadrada na prática da agiotagem se cobrasse mais do que isso. A transformação em uma instituição bancária, ou a parceria com uma, está nos planos.

Para obter o empréstimo, o empreendedor tem de realizar uma jornada parecida com a do fundador de uma startup em busca de sócios. É preciso responder um questionário, apresentar um projeto, e um algoritmo avalia se o empréstimo pode ser concedido. Aprovado na primeira etapa, há um segundo filtro da análise para o fluxo de caixa do negócio. A Firgun não libera mais que 15% da renda média mensal e o limite de faturamento é de R$ 200 mil anuais. “Queremos promover um impacto social positivo e há uma linha tênue entre alcançar esse objetivo ou criar mais um problema se o tomador não paga”. Apenas 10% dos empreendedores que acessam a plataforma da Firgun tem êxito. O tíquete médio é ainda menor que na Avante. Gira entre R$ 700 e R$ 800, mas há opções a partir de R$ 25. “Queremos as pessoas de baixa renda também na ponta investidora”.