O clima de tensão, provocado pela decisão de boa parte dos países do mundo em adotar o isolamento social por causa da pandemia do coronavírus, e o risco até de um colapso – em alguns casos, de desabastecimento – estão gerando uma enorme procura nos Estados Unidos pela compra de armas de fogo e munições. O portal Ammo.com, de vendas on-line de munição, observou alta de 434% nas transações entre 23 de fevereiro a 23 de março comparadas ao período imediatamente anterior (24 de janeiro a 22 de fevereiro), de acordo com reportagem da BBC. Lojas de armas espalhadas pelo país divulgam movimento no mínimo 25% maiores em relação a meses anteriores. Um lojista de Tulsa, Oklahoma, verificou elevação de 800%. Os percentuais seguem o aumento de infectados nos Estados Unidos – os americanos têm o maior número de casos confirmados no mundo (cerca de 200 mil) e o terceiro maior número de mortes, (4,5 mil), atrás apenas de Itália (acima de 13 mil) e Espanha (cerca de 9 mil), em dados da quarta-feira 1º.

Essa tendência – justamente pelo medo de que, em uma situação de desabastecimento, haja uma onda de saques em mercados e residências – vem sendo percebida também pela empresa brasileira Taurus, a quarta companhia que mais vende armamentos nos Estados Unidos. De capital aberto, ela só revelará os primeiros números de 2020 provavelmente em maio, na divulgação do balanço do primeiro trimestre, mas o presidente Salesio Nuhs já detecta procura maior por causa da Covid-19. “A gente vem sentindo isso muito fortemente nos Estados Unidos, devido ao medo das pessoas provocado pelo isolamento”, diz.

Daniel Hill, um gerente de cozinha de 29 anos citado por uma reportagem do The New York Times, é um desses casos. Ele nunca tinha comprado uma arma. Mas na semana passada estava numa loja de armas na Carolina do Norte, escolhendo duas: uma semiautomática AR-15 e uma pistola Taurus 9mm. Seu temor: que o vírus pudesse levar ao colapso da ordem pública, com saques e roubos e “tudo terminando, como em um filme de zumbis”, onde a sociedade “simplesmente não terá mais nenhum senso de legalidade”. Com esse tipo de sentimento de pânico, a conse-quência é a alta na demanda. Os números da Taurus devem seguir o ritmo do resultado de 2019, que, pela primeira vez em sete anos ,registrou lucro líquido. Foram R$ 43,4 milhões, contra prejuízo de R$ 59,9 milhões de 2018. A empresa fechou 2019 com aumento de 18,3% na receita operacional líquida, com R$ 999,6 milhões.

PODER DE FOGO Salésio Nuhs afirma que a fábrica americana, na Geórgia, inaugurada no ano passado, está preparada para mais do que dobrar a capacidade de produção. No ano passado, a Taurus produziu cerca de 1,2 milhão de armas de fogo (889 mil em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, e 310 mil na unidade americana), o que corresponde a mais de 5 mil unidades diariamente. E é justamente no volume de vendas que os americanos mostram seu literal poder de fogo: do 1,3 milhão de armas da Taurus vendidas no ano passado, 1,1 milhão foi para os Estados Unidos, 132 mil no mercado brasileiro e 70 mil para os demais países. O apetite americano não tem equivalente. Há 120 armas para cada grupo de 100 habitantes no país. Na Europa, são cinco para cada grupo de 100.

Mas os planos de crescimento da empresa incluem livrar-se um pouco da dependência do mercado americano. Um acordo assinado em janeiro deste ano durante missão do governo brasileiro à Índia vai por esse caminho. Ele prevê a criação, ao lado da Jindal Group, de uma joint-venture que permitirá fabricação e comercialização de armas no país asiático. Com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia tem 1,4 milhão de policiais e 7 milhões de agentes de segurança particulares.

“A legislação brasileira é uma das mais restritivas do mundo. Os protocolos são muito morosos” Salesio Nuhs,CEO da Taurus.

No caso da pandemia em solo brasileiro, a fabricação de armas não sofreu interrupção por conta dos decretos estaduais de quarentena, já que o setor de defesa é considerado essencial. Com 2,3 mil funcionários no Brasil e 300 nos Estados Unidos, a empresa adota medidas de segurança sanitárias com os colaboradores. “O que mais importa para nós é a preservação da vida e a saúde das pessoas. Checamos a temperatura dos funcionários e adotamos turnos, além de termos criado equipe de gestão de crise e adotarmos todas as ações indicadas pelo Ministério da Saúde”, diz o executivo.

Em relação a outro tema bastante sensível para a companhia, a flexibilização da posse de armas, o presidente da Taurus lembra que a medida faz valer o resultado do referendo das armas em 2005, em que 64% votaram pela manutenção do comércio de armas de fogo e munição no Brasil. “A legislação brasileira é uma das mais restritivas do mundo. Ninguém imagina que 200 milhões de pessoas irão comprar revólveres, mas o que não é possível é perder esse direito”, diz Nuhs. Mesmo assim, o presidente afirma que os processos burocráticos são enormes. “Os protocolos são necessários, mas são muitos morosos. Não dá para demorar seis meses para o comprador receber o produto por conta da burocracia”, afirma.

No comando da empresa há dois anos, Salesio Nuhs diz que a Taurus superou episódios envolvendo reclamações em relação à qualidade do seu armamento, mesmo com o governo de São Paulo que, segundo ele, não aceitou troca de 6 mil submetralhadoras, compradas em 2011 e que apresentaram defeitos, ter judicializado a questão. “Esse problema ocorreu na gestão anterior à minha e a empresa ofereceu armamento para realizar a troca, o que não foi aceito. Mas a Taurus hoje resgatou a imagem de ter um produto de qualidade”, assegura. O que, segundo ele, pode valer caso ocorra a abertura do mercado de armamentos no Brasil. “Somos a quarta marca mais desejada do setor nos Estados Unidos e participamos de licitações no mundo inteiro. Não temos receio de concorrência”, declara.