O megaempresário carioca Jorge Paulo Lemann, de 78 anos de idade, e o suíço supercampeão do tênis Roger Federer, de 36 anos, são lendas vivas de suas áreas de atuação. Com atividades tão distintas, seria natural imaginar que a relação entre eles poderia parar por aí. Mas existem muitas afinidades e semelhanças. Ambos vivem a maior parte do tempo na Suíça, aos pés dos Alpes, e são verdadeiros apaixonados pelo esporte das raquetes. Afinal, Lemann, hoje dono de uma fortuna estimada pela Bloomberg em US$ 30 bilhões e controlador de gigantes corporativos como AB Inbev, Kraft Heinz e Burger King, foi em sua juventude um tenista semiprofissional, campeão nacional e representante do Brasil na Copa Davis, nas décadas de 1960 e 1970. Não foi, no entanto, com essa experiência esportiva, mas, sim, com uma vida de investimentos bem-sucedidos e de poucos fracassos que ele conseguiu ajudar Federer a dar uma guinada para sua brilhante fase atual da carreira.

Federer chegou a considerar a aposentadoria em 2014. O suíço sentia o peso da idade e não conseguia mais vencer o seu principal rival, o espanhol Rafael Nadal, para quem havia perdido cinco jogos seguidos. Foi quando Lemann sugeriu que ele começasse a usar estatísticas em seu jogo. “Como um grande esportista, Federer acha que joga só por instinto”, contou Lemann, em evento em dezembro passado para promover o seu Instituto Tênis. A reportagem da DINHEIRO estava na platéia. “Falei que valia a pena olhar mais para as estatísticas.”

Jogando pelo futuro: o Instituto Tênis apresenta o esporte para crianças de escolas públicas, com o objetivo de massificar a prática (Crédito:Divulgação)

Os resultados nas quadras, com o método Lemann, vieram rapidamente. A análise de dados de jogos, realizada pela equipe técnica de Federer, ajudou o tenista a voltar ao seu desempenho de mais alto nível. E, principalmente, a vencer cinco jogos consecutivos contra Nadal, desde 2015. Como? O suíço passou, por exemplo, a adotar estratégias como rebater bolas sem força, para não permitir o contra-ataque do espanhol. A estatística mostrava que Nadal devolve muito bem bolas anguladas. Então, sempre que se sentia em dificuldades, Federer passou a jogar a bola no centro, para Nadal rebater com o seu braço esquerdo. “A estatística ajuda não só a olhar como joga o adversário, mas como melhorar o próprio jogo”, ensina Lemann.

A história de como ajudou um supercampeão a se superar exemplifica a abordagem do empresário para suas atividades, com princípios que valem tanto na esfera empresarial, quanto na área social. Um dos 30 homens mais ricos do mundo, Lemann pode ser considerado um fenômeno para os negócios tão grande quanto Federer é para o tênis. Mas, nos últimos tempos, ele tem dedicado cada vez mais esforços para atividades de alcance comunitário e social no Brasil. São duas as frentes, o esporte e a educação, por meio do Instituto Tênis, a Fundação Estudar e a Fundação Lemann. E, para ter resultados, ele não conta só com a intuição ou o com seu talento empresarial, mas com uma estratégia obsessiva de busca por melhores resultados, com a adoção de metas claras e o uso da estatística. Lemann é conhecido por ser o maior garoto-propaganda da meritocracia corporativa no Brasil. Seu estilo está baseado em ouvir mais do que falar, e na disciplina. “A minha mãe e meu professor chileno de tênis foram meus grandes incentivadores para que continuasse tentando sempre”, afirma Lemann. “Ele me dizia para não jogar para a plateia, mas jogar para ganhar.”

Conselho de campeão: o tenista suíço Roger Federer, em partida contra o rival Rafael Nadal, em 2017, a quem passou a vencer depois de receber dica de Lemann (Crédito:AFP Photo / Nicolas Asfouri)

Seus diferentes institutos têm algo em comum: começaram de forma informal, com doações diretas do empresário para quem o procurava; foram estruturados gradativamente; e agora vêm ganhando porte e ampliando suas fontes de financiamento. Ao mesmo tempo, se esforçam para fazer mais com menos, uma marca das empresas altamente rentáveis controladas pela 3G Capital, empresa de investimentos de Lemann e seus dois grandes parceiros de negócios, Marcel Hermann Telles e Carlos Alberto Sicupira. No Instituto Tênis, não há trégua para as bolinhas, nem para os números. Luiz Mattar, que chegou a número 55 do ranking mundial de tênis, em 1991, e se tornou CEO e fundador da empresa de serviços integrados de tecnologia Tivit, é um dos que apoiam a metodologia implantada por Lemann.“O trabalho do instituto sempre foi um sonho para nós, jogadores, de ter uma equipe para ajudar no desempenho, de juvenil à profissional”, diz Mattar. “Isso vai trazer resultados. Eu sempre levava para a quadra a estatística na cabeça. Quando estava perdendo um game de 15 a 30, eu sacava sempre aberto para evitar erros.”

Criado por Lemann em 2002, o Instituto Tênis tem uma meta agressiva: levar um brasileiro ao topo do ranking mundial até 2031. Para atingir as metas mais amplas, é preciso buscar metas menores e individuais de curto prazo. Por exemplo, antes de chegar a um campeão mundial, o plano é colocar um tenista formado no centro de treinamentos de Alphaville, nos arredores de São Paulo, entre os cinco do Brasil e formar um top 20 do ranking mundial de juvenis. Os jovens treinados pela entidade também têm metas de horas de sono, estudos e alimentação correta, além das técnico-táticas. “A cultura no Brasil é que se está dando resultado não é preciso prestar atenção aos detalhes”, diz Cristiano Borrelli, diretor responsável pelo instituto. “Mas a gente não fica satisfeito com o atleta que, mesmo ganhando, não esteja se alimentando bem. Sabemos que, mais cedo ou mais tarde, surgirão problemas por causa disso.”

Fernando Chacon, diretor do banco Itaú: “Podemos criar uma cultura competitiva que seja replicada por todo o Brasil” (Crédito:Divulgação)

O Instituto Tênis tem orçamento de R$ 6 milhões. Se forem contabilizados esse investimento com os da Equipe Guga, de Gustavo Kuerten (também um dos conselheiros da entidade de Lemann), e o da Confederação Brasileira de Tênis, o montante destinado a aprimorar o esporte no País chega a R$ 16 milhões (US$ 5 milhões). Nos EUA, esse valor alcança US$ 18 milhões. Já a federação australiana tem verba de US$ 12 milhões. “É uma disputa dura”, diz Borrelli. “E é mais caro para nós, porque o mundo do tênis está lá fora e temos de enviar os atletas para competir com os melhores.” É nesse ponto que fazer mais com menos representa toda a diferença.

O conceito de orçamento base zero, aplicado por Lemann na Ambev, que consiste em todo ano rever a grade de despesas da empresa e replanejar o ano seguinte, foi adaptado para ser utilizado no instituto. Na entidade, a revisão não é de janeiro a dezembro, mas sempre que há renovações de projetos, toda a estrutura passa por reavaliação. Outro mantra da Ambev também é aplicado a meritocracia. Não se trata, aqui, de dar incentivos financeiros para as pessoas de melhor desempenho e demitir quem vai mal, como nas empresas do bilionário. No caso, os tenistas que se aplicam mais e demonstram talento têm mais chances de competir os torneios mais importantes.

Cristiano Borrelli, diretor do Instituto Tênis: “A cultura no Brasil é que, se está dando resultado, não é preciso prestar atenção aos detalhes” (Crédito:Divulgação)

Dos 45 atletas treinados atualmente, três – João Lucas Reis, Igor Gimenez e Matheus Pucinelli – foram escolhidos para disputar a categoria juvenil no Aberto da Austrália, torneio do circuito grand slam que acontece neste mês em Melbourne. Apesar do foco no esporte de alto desempenho, Lemann acredita que sua ação tem um caráter de impacto maior para o Brasil, pois estimula os líderes do futuro. Como ele, naturalmente. “O tênis foi superimportante para mim. Ensina a ter disciplina, a focar, a correr atrás para chegarmos a objetivos. Me ensinou a perder e analisar porque perdi, e o que poderia fazer para ganhar”, explica Lemann. “Quem lê os jornais falando de mim, parece que a minha carreira foi só de vitórias. Mas fali aos 26 anos e quase uma segunda vez, anos depois”, insiste.

Esse tipo de lição faz parte dos ensinamentos do instituto, com o objetivo de propagar, por meio do esporte, uma cultura de alto desempenho que se popularize. “O primeiro objetivo é formar atletas, mas também de massificar o tênis, como fez bem o vôlei no País”, diz Fernando Chacon, diretor de marketing do Banco Itaú, o maior patrocinador do Instituto Tênis. O executivo também reza pela cartilha do bilionário. “O esporte é transformador. Podemos criar uma cultura competitiva que seja replicada no Brasil inteiro, para formar grandes atletas e grandes pessoas”, afirma Chacon. O projeto de massificação do tênis já atingiu 23 mil crianças, em 18 escolas e 12 clubes pelo Brasil. “O esporte também cria ídolos e exemplos positivos, algo do qual o Brasil está carente”, completa Borrelli.

Para aprimorar a gestão, tanto o Instituto Tênis como a Fundação Estudar contaram com consultoria da Falconi, empresa do guru da gestão Vicente Falconi. Em conjunto com Lemann, ele criou nos anos 1990 a chamada “cultura Ambev”. Na época, a empresa ainda era somente a Brahma, mas seu modelo de gestão, meritocracia, disciplina de execução e desempenho virou referência para praticamente nove em cada dez administradores de grandes empresas brasileiras. Além do uso da estatística e do incentivo financeiro forte para os funcionários de melhor desempenho, a Falconi prega a estratégia “Plan, Do, Check, Act”, que consiste em planejar, executar, checar os resultados e agir para aprimorá-los. A metodologia foi aplicada no Instituto Tênis e na Fundação Estudar há dois anos.

Vencido esse desafio, agora a meta é ampliar a arrecadação e melhorar a comunicação para atrair apoiadores às iniciativas sociais de Lemann. No Instituto Tênis, ele contribui atualmente com menos de 5% do orçamento. Em 2012, a verba era de R$ 1 milhão. Agora, para 2018, a expectativa é arrecadar R$ 7,2 milhões. Para atingir o novo objetivo, a entidade criou uma espécie de programa de sócio-torcedor. Nos últimos 40 dias, foi batida a meta de atrair 50 pessoas para apoiar o projeto com mensalidades de R$ 25 a R$ 300 por mês. Por ora, a maior parte do orçamento continuará vindo de patrocinadores corporativos, incluindo o Itaú, a Vivo e o laboratório Aché. Todos ajudarão a ampliar o centro de treinamento, das quatro quadras atuais para oito, sendo que duas deverão ser cobertas.

Já, na Fundação Estudar, o desafio após a implementação da metodologia de metas globais, por área e pessoais, é a mensuração dos resultados dos projetos de formação de lideranças. “É uma métrica bem subjetiva. Por isso, buscamos pesquisadores da FGV, que estão fazendo um trabalho extensivo de criação de metas”, afirma Anamaíra Spaggiari, gestora de produtos da Fundação Estudar. As iniciativas de Lemann na educação são divididas em duas organizações. A Fundação Estudar oferece bolsas de estudos e incentiva os jovens, por meio de seus portais na internet, a aprimorar a sua formação no exterior.

Já a Fundação Lemann está voltada à melhoria do ensino público, por meio de sugestões de políticas, formação de professores e desenvolvimento de tecnologias educacionais. Ela já fez, desde 2011, aportes em diversas startups da área, como Geekie, Rota dos Concursos e Kaltura. Também traduziu conteúdos da Khan Academy, lições de matemática desenvolvidas pelo professor americano Salman Khan, e os tornou disponíveis para as escolas públicas brasileiras. Lemann ainda criou o fundo Gera Venture Capital. Com R$ 1 bilhão para investir em educação, direcionou R$ 100 milhões à compra de quatro colégios e montou a Escola Eleva, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, que tem a pretensão de ser um modelo desse segmento no País.

Frente da educação: A – prédio da universidade Harvard com o nome de Lemann / B – escola Eleva, criada pelo fundo gera no Rio de Janeiro, planeja virar referência de qualidade / C – o bilionário em sala de aula, em São Paulo

A primeira das iniciativas de Lemann nessa área foi a Fundação Estudar, que surgiu em 1991 em cima da percepção de que não havia muito controle e metodologia na quantidade de bolsas de estudo que o empresário distribuía para jovens talentosos. Com a participação de Telles e Sicupira, a fundação já apoiou mais de 600 bolsistas em cursos de graduação e pós-graduação, inclusive no Exterior. Dentre eles, alguns executivos afinados com a cultura Ambev acabaram se tornando nomes fortes do império de Lemann, como os CEOs Carlos Brito, da AB Inbev, Bernardo Paiva, da Ambev, e Bernardo Hees, da Kraft Heinz.

Para garantir que mais executivos de grande desempenho como eles sejam formados e que jovens tenistas se tornem campeões do futuro, as entidades de Lemann estão cada vez mais parecidas com o seu fundador – um empreendedor incansável, capaz de dar um conselho transformador até mesmo a Roger Federer, considerado o maior tenista da história. O negócio, inclusive no esporte, é jogar para ganhar.