Seria surpreendente esperar que o Brasil conseguisse finalizar negociações bilaterais às vésperas das eleições. Mais improvável ainda seria se o processo fosse fruto de discussões estendidas por menos de um ano, em contraste com as conversas como as do Mercosul e União Europeia, que já duram mais de uma década. Seria inesperado, mas aconteceu. Autoridades chilenas e brasileiras oficializaram, no dia 20 de outubro, um acordo de facilitação de comércio para reduzir barreiras não tarifárias entre os dois países, considerado inédito pela diplomacia brasileira. As outorgas finais e aprovações parlamentares devem sair até dezembro, menos de nove meses após a sugestão da proposta, idealizada em abril, na Cúpula de Lima, pelos presidentes Michel Temer e Sebastian Piñera.

O tratado complementa a relação com o sexto maior parceiro econômico do Brasil. Um acordo de 1996 já havia derrubado as tarifas sobre produtos vendidos ao Chile. Barreiras não tarifárias, como burocracia excessiva e regulamentações diferentes, continuavam a gerar transtornos para empresários. “Todos nós estamos cansados de ouvir reclamações do setor privado sobre a morosidade do processo aduaneiro, de toda a papelada necessária”, diz Michel Arslanian Neto, ministro diretor do Departamento de Integração Econômica Regional do Ministério das Relações Exteriores. “Esse tratado busca melhorar exatamente essa área.”

Entrada facilitada: ao lado do petróleo, os carros são um dos principais produtos vendidos pelo Brasil para o Chile

Um exemplo é o uso da Certificação de Origem, documento que comprova que um produto é de fato brasileiro e dá acesso ao mercado chileno com a isenção das tarifas. Hoje, a certificação deve ser preenchida em papel e o processo de liberação de um produto demora três dias, de acordo com cálculos do Itamaraty. A partir de agora, o documento será preenchido digitalmente e o tempo de espera previsto é de 30 minutos. Esse é um dos itens abordados no acordo, considerado amplo para a diplomacia brasileira. Outras mudanças seriam a facilitação para a permanência de chilenos no Brasil e vice-versa – hoje é necessário visto para períodos longos – , além da isenção das tarifas de roaming para ligações entre os dois países (mais detalhes no quadro ao final da reportagem). “O ambiente se tornará especialmente vantajoso para pequenas empresas, que desistem por causa de tanta burocracia”, afirma Diego Ignacio Gómez, diretor-executivo da Câmara de Comércio Brasil-Chile.

Embora a economia brasileira seja sete vezes maior que a chilena, o parceiro andino, dono de um PIB de US$ 481 bilhões, comprou neste ano US$ 4,6 bilhões em produtos nacionais, principalmente carros e derivados de petróleo. O novo acordo também olha para o Chile como via de acesso a outros mercados. “Esse novo tratado pode ser visto como uma forma de o Brasil ficar mais próximo da Ásia, que é o nosso maior parceiro comercial”, afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O Chile faz parte da Parceria do Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), um gigantesco acordo de livre comércio que envolve ainda o México, Peru, Canadá e Japão. O novo acordo Brasil-Chile segue parâmetros muito parecidos com os do TPP.

O governo brasileiro espera aproveitar o sucesso do novo tratado para avançar em novas iniciativas internacionais, independentemente das possíveis mudanças após as eleições. “Esse acordo certamente servirá como referência para diversas outras negociações que o Brasil conduz, no nível bilateral ou em conjunto com o Mercosul”, afirmou à DINHEIRO o secretário de Comércio Exterior do Ministério de Comércio e Serviços (MDIC), Abrão Neto. Que daí possam sair mais surpresas positivas para ampliar mercados às empresas brasileiras.