17/08/2018 - 11:00
Recentemente, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Corte máxima da Justiça brasileira, aprovaram por sete votos a quatro um reajuste salarial em benefício próprio de 16,83%. Com o aumento, que precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Michel Temer, os contracheques dos excelentíssimos juízes passarão de R$ 33,7 mil para R$ 39 mil. É um salário de marajá para a quase totalidade dos brasileiros. Em sua defesa, os magistrados alegam que o índice é uma mera reposição do poder aquisitivo relacionado às perdas de 2009 a 2014, como explicou o ministro Marco Aurélio Mello, um dos que votaram a favor do reajuste.
Em muitos casos, porém, os salários pagos aos juízes brasileiros são só a ponta do iceberg de suas remunerações. Tudo porque eles recebem uma série de gratificações e de bonificações que aumentam em muito os já recheados contracheques dos integrantes do Poder Judiciário. São os chamados penduricalhos, verbas sob a forma de auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-livro, auxílio-paletó e vários outros, pagos com dinheiro dos contribuintes. Por conta disso, os doutores de toga ganham muito acima do teto constitucional do funcionalismo público, definido exatamente pelo salário dos ministros do STF.
Esses penduricalhos custaram R$ 890 milhões aos cofres públicos entre janeiro e novembro de 2017, segundo levantamento do Estadão Dados. De cada quatro juízes, três recebem auxílio-moradia, independentemente da cidade onde trabalham e do fato de possuírem ou não residência própria. A remuneração média desse grupo de magistrados foi, no período, de R$ 42,5 mil. Nessa conta, auxílios, gratificações e pagamentos retroativos têm peso significativo e chegam a representar um terço do rendimento mensal. Pior: como não são considerados parte do salário, os juízes não pagam imposto de renda sobre esses adicionais, o que significaria uma renúncia fiscal de R$ 360 milhões por ano, segundo estimativa do jornal O Estado de S. Paulo.
Há outros embaraços para aprovar o reajuste dos ministros do STF. Como seus ganhos balizam o teto salarial do funcionalismo público, eles produzem um efeito cascata sobre as contas públicas. Estimativa realizada pelas consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado calcula uma fatura extra de até R$ 4 bilhões, a ser dividida União e Estados. Não bastasse isso, os vencimentos dos juízes brasileiros estão longe de serem modestos, se comparados com o de outros países. Um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça mostrou que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do país (que era de R$ 2.154 no fim de 2017). Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, € 65,7 mil por ano. O valor equivaleria a cerca de R$ 288 mil – ou R$ 23,9 mil mensais, o que significa quase R$ 10 mil a menos do que o atual salário de seus colegas brasileiros, sem o reajuste.
Outro agravante para um reajuste, nesta altura do campeonato, é o estado de calamidade do setor público, cujo déficit primário deve atingir R$ 139 bilhões em 2019. Além disso, a lei do teto dos gastos deve apertar o já apertado orçamento. Um estudo da Fundação Getulio Vargas mostrou que a máquina pública pode parar para cumprir o novo texto constitucional, que permite só gastar o que foi desembolsado no ano anterior corrigido pela inflação. Na letra fria da lei, não há nada que impeça o aumento. Moralmente, no entanto, a mais alta Corte da Justiça brasileira deveria ser um exemplo neste momento de penúria do País.