“Só é ‘promovível’ quem é substituível!”

Desta forma, me respondeu com firmeza e um discreto sorriso o CEO de uma grande empresa sediada no Rio de Janeiro. A organização acumulava uma coleção de prejuízos nos últimos cinco anos, período no qual foi dirigida por, nada menos, que seis presidentes. A matriz, então, resolveu fazer uma última tentativa de levantar a empresa, antes de tomar a decisão de sair do negócio.

Essa era a missão do CEO com quem eu estava conversando. Ele era um executivo muito bem sucedido na direção da empresa em outro país e foi escolhido para enfrentar a situação e apresentar uma solução definitiva. Em apenas 15 meses, conseguiu virar o jogo pilotando muito bem um programa e tanto de transformação e, pela primeira vez, a empresa apresentou resultado positivo nesse período.

Por isso a minha surpresa quando ele me convidou para um café e revelou o objetivo de me apresentar ao seu sucessor. Argumentei que ele tinha obtido enorme sucesso e questionei por que já pensava em sucessão. Ainda meio que sem entender e hesitante, questionei: “Substituto, sim, mas sucessor já?” Ao perguntar sua idade, descobri que falava com um jovem de 47 anos. Em seguida, indaguei se não seria o momento de saborear suas vitórias e permanecer um pouco mais no cargo. Não à toa sua resposta convicta ecoou muito tempo na minha cabeça e conto essa história visando alertar e inspirar dirigentes que possuem enorme dificuldade em identificar potenciais sucessores. Especialmente aqueles que parecem ter “medo de sombra”.

No mundo corporativo, não há espaço para aquela máxima do cinema de que a sequência nunca é tão boa quanto o primeiro filme. Sabemos que o próximo episódio de um seriado precisa ser melhor que a anterior. No entanto, uma película decepcionante nos custa apenas duas horas de tempo perdido. Porém, na realidade das empresas e no cenário atual, uma continuidade infeliz de um líder no trabalho do antecessor pode por tudo a perder na condução dos negócios. Nesse sentido, comandar a sucessão de forma natural e harmônica é extremamente relevante. E poucas lideranças sabem fazer isso, pois o processo possui diversas armadilhas em fatores importantes que podem, de fato, colocar toda a operação em grande risco. Apostar no improviso não é uma opção, assim como se precipitar na hora da escolha do sucessor em uma instituição.

A maioria das dificuldades provém de uma forma equivocada de pensar e praticar a liderança. É preciso mudar nosso modelo mental para entender que o líder eficaz é quem forma outros líderes e não apenas seguidores. Os líderes competentes e inspiradores são os que possuem gente ao seu redor e não atrás de si. Formar outros líderes é o maior legado que um Líder com “L” maiúsculo pode deixar. E liderar outros líderes é o segredo daqueles que se diferenciam pelo sucesso.

Colocar a teoria em prática não é tarefa simples. A identificação de talentos e a formação de outros líderes exige genuíno interesse no desenvolvimento das pessoas. Esse movimento passa por ajudá-las a remover os obstáculos e se livrar das pedras que as aprisionam. Desta forma, um dos papéis mais importantes dos líderes é investir fortemente na formação de outros líderes e eventuais sucessores. A ação requer muita coragem, perspicácia, determinação, perseverança e altruísmo, além do “toque artístico” de inspirar os outros através do exemplo.

Trilhar esse caminho com sucesso envolve estratégia tanto quanto trabalhar inovação ou desenvolver novos negócios. Ter a casa em ordem é fundamental, com clara estrutura de governança e modelo de gestão muito bem definido, com valores claramente explicitados e comprometidos. Isso ganha dimensão ainda maior quando esse processo ocorre em meio a mudanças relevantes no macro cenário da empresa.

Articular previamente alguns requisitos previne ou, pelo menos, mitiga o potencial de problemas, dando mais segurança ao sucedido e aos potenciais sucessores. Enumero, a seguir, alguns “detalhes” importantes para que a troca de liderança não comprometa a trajetória da organização. Sempre sugiro a quem está pilotando um processo de sucessão:

1- Utilize abordagem interativa, dinâmica e participativa na sucessão, buscando não apenas a transmissão de conceitos e valores, mas estimulando a reflexão emocional e o compromisso do potencial sucessor com o propósito, bem como com a implementação e busca dos resultados desejados.

2- Mantenha diálogo constante com o sucessor ou candidatos a sucessão, pois nunca é adequado ter apenas uma alternativa como potencial sucessor. Compartilhe ideias, cheque bem as expectativas e, se for o caso, negocie com clareza os pontos de convergência.

3- Perceba claramente a adesão íntima e visceral dos candidatos ao propósito da instituição e sua capacidade de inspirar as pessoas rumo ao futuro, motivando a superação em momentos de incertezas e turbulências.

4- Perceba também o grau de adesão da personalidade e do histórico do potencial sucessor ao modelo de negócios, contemplando oportunidades e diferenciais. O mesmo vale para a filosofia do modelo de gestão e aos valores intrínsecos.

5- Assegure o entendimento mútuo sobre a garantia da sustentabilidade econômico-financeira da empresa, baseado em estratégia comercial com identificação dos clientes que a empresa se propõe a servir, incluindo o mapeamento dos nichos, mercados, produtos e serviços a serem atendidos e prestados.

6- Deixe claros os resultados desejados, tanto quantitativos (rentabilidade, faturamento, caixa, fatia de mercado e valuation, entre outros) quanto os qualitativos (imagem, reputação, satisfação de clientes e colaboradores, níveis desejados de segurança).

7- Elabore, em conjunto, o mapa de riscos por meio da identificação de ameaças financeiras, comerciais, tributárias, fiscais, ambientais, políticas, bem como de segurança e saúde, entre outras que precisam ser controladas com planos emergenciais ou de contingências.

8- Monitore as prioridades de curto e médio prazo e acompanhe cada passo da execução da transição, incluindo o plano de comunicação.

Finalmente, sempre recomendo investir tempo e energia necessários no compromisso de capacitação dos potenciais sucessores. Importante também ter um “plano de autodesenvolvimento” formalizado com cada potencial sucessor, incluindo as necessidades de desenvolvimento bem identificadas, tanto do ponto de vista de conhecimentos quanto de habilidades e atitudes a serem aprimoradas. Vale ainda formatar um possível programa de mentoria interno e externo.

Nesse caminho, a “pedagogia da presença” na relação líder-liderado é o fator principal para a formação de líderes eficazes. Ouça, pergunte, questione, perceba e teste o contraditório. Evite a armadilha de direcionar a conversa e interação para o que você acha ou visando ouvir a concordância do sucessor ou candidato, dizendo o que você gostaria de ouvir.

Cumprir essa pré-agenda estratégica é necessária para alinhamento, integração, tranquilidade e engajamento de todos. A visão compartilhada compromete as partes envolvidas. Não podemos deixar o enredo se perder na sequência da história de liderança da empresa e devemos sempre trabalhar para as melhorias contínuas no espetáculo da gestão.

É preciso se transformar para ser um agente da transformação que sua empresa necessita!

 César Souza é fundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia Empresarial, Desenvolvimento de Líderes e na estruturação de Innovation Hubs. Também é membro do Conselho Estratégico da ABRH Brasil e autor de “Seja o Líder que o Momento Exige”.