O lucro pode ser o rei do capitalismo, mas, se é assim, a concorrência é sua irriquieta, agressiva e bela rainha. Ao fecharem os números sobre inflação geral e preços específicos em 2000, os principais institutos de pesquisas econômicas do País foram absolutamente coincidentes em apurar, na prática, por que o liberalismo tem tantos adeptos. Os preços dos produtos e serviços em que a concorrência é livre tiveram variação bem inferior ao índice médio da inflação, num fenômeno que o público percebe cada vez mais facilmente. Nos balcões das farmácias, por exemplo, a venda de medicamentos genéricos saltou de 2,02 milhões de unidades em junho do ano passado para 3,22 milhões apenas quatro meses depois, numa escalada de 59,25%. Motivo: os genéricos têm preços até 70% menores que seus similares tradicionais. Quem procura uma loja de eletrodomésticos sabe que o que tinha cara de promoção sazonal, virou tradição, a de grandes redes de varejo cobrirem a melhor oferta do concorrente, numa variação em torno de 15%. Na vistosa aviação comercial, a simples presença de um novo concorrente nos céus chacoalhou o mercado de tarifas, com pelo menos duas tradicionais empresas, a Vasp e a Transbrasil, anunciando promoções e redução de até 56% em seus preços. ?Para os brasileiros, o aumento da concorrência ainda é um fato novo, iniciado nos anos 90 com a abertura comercial?, lembra o economista Paulo Mansur Levy, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). ?Agora seus efeitos começam a ser percebidos com mais intensidade.?

7,21%
Foi a inflação medida pelo Dieese
Em segmentos oligopolizados, elevação chegou a
11,07%
Com a multiplicação de marcas, preço de aparelhos de telefone caiu
6,30%
A grande oferta de imóveis e a demanda reprimida derrubaram os aluguéis em
4,09%
Sem enfrentar concorrentes estrangeiros de peso, setor de móveis aumentou preços em
13,41%
Setores em que há concorrência elevaram os preços em
4,11%
Tarifas controladas ou administradas pelo governo subiram
16,73%
Graças à oferta variada, valor médio do computador pessoal diminuiu em
6,10%
No mercado de restaurantes, em que a competição é crescente, preços subiram apenas
2,89%
Controlada pelo governo, gasolina bateu o recorde de aumentos:
36,12%
 

O setor de informática é emblemático. ?Além da forte concorrência, é preciso frisar que mesmo os produtos usados, de segundo linha, são muito procurados pelos consumidores?, diz Rafael Veras, da Unisys. O resultado dessa disputa entre fabricantes nacionais e estrangeiros e produtos novíssimos e usados é o fato de, no último ano, o preço médio do computador pessoal ter caído 6,10% nas lojas. Quem quis comprar um móvel, ao contrário, setor em que a presença de importados ainda é tímida, e sempre há preferência por modelos novos, descobriu que os preços subiram mais de 13%. O efeito colateral da presença estrangeira no mercado é conhecido: o déficit comercial já ultrapassava a marca de US$ 200 milhões antes de janeiro terminar.

No Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), a coordenadora do Índice de Custo de Vida Cornélia Nogueira Porto assinala que a repressão da demanda também contribui para a queda nos preços. A entidade aferiu que os salários médios na região metropolitana de São Paulo diminuíram 4,8% nos últimos 12 meses. ?A retração do poder de compra influencia os preços, mas não há dúvida de que nos setores em que a concorrência é mais forte os preços subiram menos?, diz ela. Segundo o Dieese, para uma inflação de 7,21% em 2000, a alta nos preços concorrenciais foi de 4,11%, contra 16,73% de aumento nos setores com preços controlados pelo governo, como combustíveis e energia, e 11,07% de elevação nas chamadas áreas oligopolizadas, como o cimento e o aço. Números que parecem gritar: quanto mais concorrência, melhor.